Enquanto o atual presidente do Irã não se cansa de repetir que o Holocausto e a morte de seis milhões de judeus, durante a 2ª Guerra Mundial, não passam de mito e destila seu ódio contra Israel, os 25 mil judeus que ainda vivem no país podem praticar a sua fé. Isto é, com a condição de que não se envolvam na política e não se manifestem a favor de Israel.

Se mantidas estas duas premissas, podem continuar a freqüentar suas sinagogas, mandar seus filhos às escolas judaicas e preservar sua cultura e suas crenças. E é isto mesmo o que a comunidade judaica iraniana, uma das mais antigas do mundo, tem feito nas últimas décadas.

Apesar de uma forte campanha feita por instituições judaicas internacionais, como a HIAS, de ajuda a imigrantes, lideranças judaicas norte-americanas e até mesmo Israel, para convencer os judeus a fugir do país, poucos deixaram sua terra natal. Segundo dados da HIAS, somente 152 judeus deixaram o Irã entre outubro e setembro de 2006, número menor do que o registrado no período anterior, de 297 pessoas. Fontes comunitárias locais dizem que a maioria deixou o país por razões econômicas e familiares.

Ao se analisar os acontecimentos políticos do Irã, desde 1979, quando da Revolução Islâmica que levou o aiatolá Khomeini ao poder - e muitos judeus foram executados sob a acusação de serem sionistas - a pergunta que surge, naturalmente, é: por que judeus continuam lá?

Sabe-se, por exemplo, que quem deseja um passaporte deve fazer o pedido em uma repartição especial e, uma vez feita a solicitação, a pessoa fica, de imediato, sob observação. O governo também não permite que todos os membros de uma mesma família viagem ao exterior juntos, como forma de evitar a emigração judaica em massa. Mas, mesmo assim, no entender dos órgãos internacionais, eles já poderiam ter deixado o país. É bem verdade, como afirma Meir Javedanfar, analista do Oriente Médio, nascido no Irã e atualmente em Israel, que cerca de 80% da comunidade partiu logo após 1979. Dos 85 mil judeus que lá viviam em 1978, 35 mil já haviam deixado o país até 1986. Mas, segundo o analista: "Hoje os judeus estão no Irã porque têm uma vida confortável". Nem todos têm a mesma opinião. Segundo Sam Kermanian, outro iraniano que hoje vive nos Estados Unidos e é o secretário geral da Federação Americana dos Judeus Iranianos, a comunidade, em sua maioria, compõe-se de pessoas idosas, que apenas falam o idioma persa e, por isso, não pensam em partir.

Apesar de se falar muito na liberdade dos judeus no Irã, a verdade é que a Constituição iraniana de 1979 voltou a impor aos judeus o status de dhimmi, ou seja, sujeitou-os, novamente, a todas as restrições impostas pelo Islã às minorias religiosas. E, se por um lado, podem - assim como os seguidores de Zoroastro e os cristãos - eleger seus próprios parlamentares, são obrigados, por lei, a apoiar a política externa iraniana e suas posições anti-sionistas. Além disso, a vida comunitária é totalmente monitorada pelo Ministério da Cultura e Guia Islâmico, bem como pelo da Inteligência e Segurança. Há, também, diferentes graus de discriminação oficial aos judeus nas várias áreas que compõem a sociedade, como mercado de trabalho, educação e cargos públicos.

As lideranças judaicas temem represálias governamentais, caso se manifestem abertamente contra a forma como é tratada a comunidade. A islamização do país fez com que o sistema educacional judaico passasse a ser severamente controlado e, nas escolas judaicas, por exemplo, os diretores judeus foram substituídos por muçulmanos. Em Teerã, ainda funcionam três escolas judaicas com maioria de alunos judeus. Às sextas-feiras, são ministrados aulas especiais de hebraico pela organização ortodoxa Otzar ha-Torá, responsável pela educação religiosa judaica. No entanto, apesar do sábado ser um dia sagrado no judaísmo, os alunos judeus são obrigados a freqüentar as escolas neste dia.

Outro fator agravante é que a comunidade é considerada constantemente suspeita de cooperação com o "Estado Sionista" e com o "Imperialismo Americano", ambas as atividades passíveis de pena de morte. Pelo menos 13 judeus já foram executados no Irã, desde 1979, quase sempre por razões religiosas ou por suas ligações com Israel. Também na véspera de Pessach, há sete anos, um grupo de 13 judeus das cidades de Shiraz e Isfahan, no sul do país, foram detidos e acusados de espionar para Israel, sendo alguns deles libertados em março de 2001, outros em janeiro de 2002 e, os últimos oito, no final do mesmo ano.

Durante o conflito no Líbano em meados de 2006, um jornal semanal fundamentalista publicou, em primeira página, duas fotos de supostas sinagogas no Irã, em que se viam pessoas com bandeiras israelenses, celebrando a Data Nacional de Israel. O fato provocou dois ataques contra sinagogas, no país.

Apesar dos riscos, Maurice Motamed, judeu, membro do Parlamento iraniano, e Haroun Yeshaya, há vários anos presidente do Comitê Central Judaico de Teerã, criticaram as opiniões do presidente do Irã sobre Israel, em uma inusitada carta ao presidente Ahmadinejad, em fevereiro de 2006. Contudo, segundo o judeu-iraniano Kermanian, que vive em Los Angeles, entre os judeus ainda no Irã há quem diga que a situação atual não é tão ruim. Mas, para ele, o quadro é muito negativo, principalmente por causa da propaganda anti-semita que vem sendo disseminada em livros e na mídia, espalhando o medo no seio da comunidade judaica iraniana.

Porém, apesar da retórica oficial, o governo iraniano não quer provocar a evasão da comunidade, pois quer mostrar ao mundo que suas posições são somente "anti-Israel" e não "anti-semitas". "Isso é extremamente importante para um governo que pretende ser não apenas líder no mundo islâmico, mas um elemento chave na região e no contexto mundial", afirma Amir Cyrus Razzaghi, comentarista não-judeu de Teerã.

Teerã, com cerca de doze mil judeus e Shiraz, com oito mil, são as duas maiores comunidades judaicas do Irã. Enquanto em Isfahã há apenas uma sinagoga em funcionamento, em Teerã, há atualmente, 20 sinagogas, 6 açougues casher e 3 escolas, com aulas de hebraico e educação religiosa. Há também cemitério, um hospital judaico, fundado e financiado por doações da Diáspora, sendo seus médicos e pacientes, em grande maioria, muçulmanos.

Bibliografia

· Artigo de Marc Perelman, "Iranian Jews Reject Outside Calls To Leave", Revista "Forward", · 12 de janeiro de 2007.

· Artigo de Frances Harrison, "Iran's Proud But Discreet Jews", BBC News Teheran, 22 agosto de 2006.

· Foundation for the Advancement of Sephardic Studies, Iran: Life of Jew Living in Iran, www.sephardicstudies.org/iran.html.