A dupla Sharon-Peres transmite à população israelense a sensação de que, graças a essa combinação, homens com mais experiência comandam o país, o que seria uma condição necessária para navegar nos mares revoltos da política interna de Israel, do Oriente Médio e da diplomacia internacional.

No dia da posse do gabinete de união nacional, em março, uma foto embebida em simbolismo correu o mundo. O novo primeiro-ministro, Ariel Sharon, apertava a mão de seu chanceler, Shimon Peres, e os dois trocavam sorrisos de cumplicidade, de intimidade. Apesar das diferenças ideológicas, eles cultivam uma amizade de longa data e sua chegada ao governo também carrega uma importante tinta simbólica. Anuncia a volta ao poder da chamada “segunda geração” de líderes israelenses, a dos “ben-gurionistas”. Ou seja, personagens que desabrocharam na política à sombra de David Ben-Gurion, o fundador do Estado de Israel, e que antecederam a “terceira geração”, de figuras como Benyamin Netanyahu e Ehud Barak.

Homens com mais de setenta anos de idade, Sharon e Peres retornam ao poder para desbancar a “terceira geração”, de Barak e de Netanyahu, que estão na casa dos cinqüenta anos e que nasceram à época da independência de Israel, em 1948. Estes mais jovens não carregam ainda a aura de estadistas e de homens de visão que marcou a “segunda geração”, formada por personagens centrais de alguns dos momentos mais dramáticos da história do Estado judeu. Exemplo ilustre de integrante da “segunda geração”: Yitzhak Rabin, o primeiro-ministro assassinado em 1995.

Em fevereiro, o likudista Ariel Sharon recebeu um mandato endossado pela maior vitória eleitoral da história de seu país: 25 pontos percentuais à frente de Ehud Barak. No trabalhismo, Shimon Peres venceu, com 66% de apoio no Comitê Central, o embate com as alas de seu partido lideradas por gerações mais jovens e contrárias à formação de um governo de união nacional com o Likud. Naquela foto de Sharon e Peres no dia da posse, o sorriso cúmplice provavelmente indicava a satisfação pelo início de uma missão conjunta a cumprir: retirar Israel da crise que se encontra devido ao fracasso do processo de paz.

“A vitória (eleitoral) deveria ser interpretada menos como um triunfo da direita e mais como a vitória de uma geração cuja era ainda não se esgotou”, escreveu o analista George Friedman no site norte-americano Stratfor.com. A dupla Sharon-Peres transmite à população israelense a sensação de que, graças a essa combinação, homens com mais experiência comandam o país, o que seria uma condição necessária para navegar nos mares revoltos da política interna de Israel, do Oriente Médio e da diplomacia internacional.

Também vale destacar a arraigada amizade que une as duas principais figuras do governo que sucedeu o de Ehud Barak. Eles se definem mutuamente como “amigos de verdade”, numa relação que leva décadas. Afirmou David Landau, correspondente do Jewish Telegraphic Agency em Jerusalém: “Dizer que Sharon e Peres têm uma longa história em comum é dizer pouco. Eles estiveram lado a lado desde a Criação _ ou seja, a criação do Estado de Israel, há 53 anos”.

Naquela época, ainda predominava a “primeira geração”, dos fundadores como Ben-Gurion, Golda Meir e Menachem Begin. Nos primeiros degraus de sua trajetória política, Peres decolava como assessor de Ben-Gurion, o primeiro premiê, e já nos anos 50 tornou-se diretor-geral do Ministério da Defesa. Nunca acumulou, ao contrário de Sharon, a experiência do campo de batalha.

Enquanto Peres se esmerava na política, Sharon brilhava na arena militar. Serviu na Guerra da Independência, em 1948, e, na década seguinte, começou a ganhar mais notoriedade por suas atividades bélicas e como estrategista. Os dois, Peres e Sharon, se consideravam então protegidos de David Ben-Gurion, relata o jornalista David Landau.

Apoiando essa dupla de “ben-gurionistas” e a formação do governo de união nacional, como indicavam as pesquisas realizadas às vésperas da posse do novo gabinete, a opinião pública israelense também parecia estar revelando uma ponta de nostalgia dos tempos em que havia lideranças com inegável estatura política, como Ben-Gurion ou Yitzhak Rabin. E o apoio à dupla Sharon-Peres também transmite a sensação de que o eleitorado concluiu que a “segunda geração” precisa de mais tempo para encerrar sua participação no palco da política israelense, enquanto a “terceira geração” aguarda um pouco para voltar ao comando de Israel.