Eles são um dos maiores, senão o maior, dos mitos do Estado de Israel. Heróis de muitas guerras, representam a elite militar do país e povoam a imaginação de todos: são os pilotos da Força Aérea de Israel (FAI).

Figuras lendárias de ações fulminantes, como a destruição dos aviões egípcios durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, ou o Resgate de Entebe, em Uganda, em 1976, são ainda vistos como uma espécie de semi-deuses, envoltos por uma aura de magia.

Por trás desta imagem, no entanto, estão rostos jovens e outros nem tão jovens marcados pela intensa competição que faz parte do dia-a-dia dos pilotos, por incontáveis horas de treinamento e pela eterna busca da perfeição. Ao seu lado, tanto nos treinamentos quanto nos vôos de observação ou em combate, uma companheira sempre presente: a ameaça de morte. Humor negro, distanciamento emocional e até descaso são alguns dos instrumentos utiliza- dos pelos pilotos para lidar com tal situação.

"Quando alguém morre em um acidente, a tendência comum é pensar que a causa foi erro humano ou do equipamento. Durante as duas semanas seguintes, os pilotos tendem a se tornar mais cuidadosos, porém, logo acabam voltando à sua postura normal. Na verdade, acabam retomando seu trabalho e dizendo a si mesmos '"não acontecerá comigo". Esta afirmação é de Reuven Pedatzur, um ex-piloto de jatos de combate que lutou na Guerra de Yom Kipur, em 1973, e, atualmente, escreve sobre temas militares para o jornal diário israelense Ha'aretz. Esta é também a opinião de um comandante de um esquadrão de F-16 da FAI. Para ele, "a morte faz parte da profissão. Nós não ficamos pensando sobre isso o tempo todo. Emoções, aliás, não são boas para os vôos".

A vida dos pilotos israelenses e o seu dia-a-dia foram tema de uma reportagem publicada pela revista The Jerusalem Report, em 1998. Para produzi-la e publicá-la, a revista recebeu uma autorização especial da censura militar de Israel, com a condição de não mencionar o nome completo dos entrevistados que estivessem na ativa. Foram feitas mais de doze entrevistas, além de uma visita a uma base da FAI, sendo tudo acompanhado por três oficiais militares da área de Segurança.

Em busca da perfeição

Considerados, no passado, os melhores pilotos do mundo em função principalmente da sua experiência em combates, os pilotos israelenses ainda fazem parte de um mundo à parte em Israel, no qual, para se conseguir entrar, é preciso vencer uma série de desafios. O primeiro deles é servir por sete anos o serviço militar obrigatório, ao invés dos tradicionais três. Depois, é preciso continuar a realizar vôos semanais até atingir a idade de 45 anos. O mundo dos pilotos é predominantemente masculino, composto na maioria por ashquenazitas. No entanto, acima de tudo, é extremamente competitivo, permitindo apenas a entrada dos melhores entre os melhores.

"Há um princípio vigente na FAI: você não pode fazer nada de forma medíocre. Mesmo que seja algo banal, como organizar uma festa, faça-o à perfeição. A mediocridade não faz parte do nosso mundo", diz um comandante de esquadrão, acrescentando: "Esta busca da excelência faz parte do treinamento dos pilotos e é, também, uma necessidade do trabalho que desempenham. Quando se está no ar, dentro de um avião, a vida ou a morte muitas vezes dependem da capacidade de tomar a decisão certa em um segundo".

Para conquistarem as insígnias de piloto, os candidatos passam inicialmente por uma bateria de testes que determinam suas condições físicas, seu nível de inteligência e perfil psicológico. Apenas aqueles que conseguem atender os requisitos necessários fazem um curso de vôo de dois anos, durante o qual vários são eliminados já na primeira semana de aula. De acordo com as estatísticas, um a cada dez recrutas consegue passar por todos os estágios e, dentre eles, apenas o melhor se tornará piloto de combate; os demais são enviados para os esquadrões de transporte ou se tornam navegadores.

Mas o que tanto procuram nos jovens os comandantes da FAI? "Procuramos algumas qualidades naturais - boas habilidades motoras e cognitivas e um instinto especial em relação ao espaço. Buscamos aquele indivíduo que é corajoso e está pronto a agarrar as chances, por um lado, mas que age de maneira responsável", diz um ex-piloto dos aviões Skyhawk, cuja função atual como reservista é ser instrutor.

Ainda sobre este tema, outro ex-piloto, fez o seguinte comentário:
"Os jovens que querem ser pilotos não podem ser rebeldes por natureza. Eu já fui a muitos enterros de "rebeldes". Nem podem ser "filósofos", pois nesta área não há muito tempo para analisar os problemas. Estes devem ser encarados e analisados sob diferentes aspectos, encontrando-se a melhor solução rapidamente".

Tornar-se piloto e conquistar o broche de asas que identifica a categoria não representa o fim da tensão. A competição continua durante todo o tempo em que se permanece na ativa. Treinados no seu limite, estão constantemente rompendo barreiras. No entanto, todos sabem que fazer algo com perfeição não é o suficiente para ganhar uma medalha. Faz parte das obrigações do cotidiano. "Se dois dos quatro motores do meu avião Hércules pararem de funcionar e eu conseguir aterrissar em segurança, todos dirão que eu consegui apenas porque segui o manual de instruções. Mas, se os quatro motores do aparelho apresentarem defeitos e, mesmo assim, eu conseguir descer em segurança, então todos ficarão impressionados com o que consegui fazer", diz o ex-piloto.

O medo de ser rebaixado de categoria também ronda a vida dos pilotos da ativa na FAI. Foi o que aconteceu com um desses jovens, após passar por um treinamento de seis meses em aviões de combate Skyhawk. "Foi a primeira vez que alguém me disse que eu não era bom o suficiente para fazer algo. Mas eu também senti certo alívio, pois no esquadrão no qual estou atualmente, o relacionamento entre as pessoas é menos estressante do que nos esquadrões de combate". Ele pilota helicópteros.

A hierarquia dentro da FAI obedece o seguinte padrão, em ordem decrescente: aviões de combate - F-15 e F-16; helicópteros de combate; aviões de transporte, sendo o modelo Hércules o mais importante. O número exato de pilotos e aviões da FAI não é divulgado, mas acredita-se que Israel possua atualmente 780 aparelhos, dentre os quais 73 do tipo F-15 (considerado o mais avançado avião de combate) e 245 do tipo F-16.

Aspectos humanos

Quando em 1967 a força aérea israelense destruiu os aviões do Egito antes mesmo que decolassem de suas bases, durante a Guerra dos Seis Dias, a população de Israel costumava dizer: "D'us foi nosso co-piloto". Apesar da crença na invencibilidade dos pilotos da FAI, do treinamento intensivo ao qual são submetidos e do mito que representam, eles têm consciência de sua condição humana. "Nós somos humanos e temos fraquezas. O fato de que você possa voar melhor do que qualquer outro não significa que você será o melhor marido ou o melhor pai. Nem que você será um profissional excelente de qualquer área se resolver mudar de atividade".

A experiência, no entanto, vem comprovando que aqueles que deixam a FAI conseguem obter ótimos cargos no mercado de trabalho civil, em função de sua excelente formação, adquirida durante os anos de treinamento.

Um ex-piloto disse que sete de seus companheiros de esquadrão estão trabalhando em posições de chefia nas 50 maiores empresas de tecnologia e de fundos de investimentos em Israel. Um ex-piloto de avião de combate disse que a experiência adquirida na FAI o tem ajudado em sua nova profissão: advogado na área financeira, uma profissão na qual a rápida tomada de decisões é fundamental.

O mundo dos pilotos ainda é um mundo essencialmente masculino, apesar da igualdade de direitos entre homens e mulheres em Israel estar garantida. Em protesto a esta situação, em 1994, Alice Miller recorreu à Suprema Corte de Israel para garantir o seu direito de fazer os exames para participar de cursos para pilotos. A moça ganhou a causa na justiça, mas foi reprovada nos testes. Este precedente abriu as portas para o sexo feminino e várias já foram aceitas em cursos desde então, mas nenhuma conseguiu se formar.

Ainda idolatrado no país, apesar de Israel não enfrentar uma guerra há quase dez anos e dos inúmeros relatos de acidentes durante o treinamento, o mito dos pilotos ainda sobrevive na sociedade israelense, enquanto vemos desmoronar vários pilares da ideologia que criou o Estado. Um relato de um piloto da ativa reflete bem o que a população pensa deste jovens que cruzam os ares em velocidades jamais alcançadas pelos mortais comuns, em suas máquinas maravilhosas: "Quando me tornei piloto, meus vizinhos começaram a me tratar como se eu fosse o messias. Quando o rádio de minha avó quebrou, ela me chamou para consertá-lo. Quando eu lhe disse que não sabia nada sobre rádios, ela se surpreendeu. Pensou que por que eu era piloto, eu poderia fazer qualquer coisa"...?

Nas asas da destruição

Não são apenas os jatos inimigos que ameaçam atualmente a aviação israelense, os pássaros que sobrevoam o espaço aéreo da região são um dos principais perigos para os pilotos.

Este, no entanto, não é um problema só de Israel, mas sim de caráter internacional.

Porém, a freqüência destes acidentes tem sido bem maior em Israel, onde mais de 500 milhões de pássaros migratórios atravessam os céus a cada estação. Apesar das medidas de precaução, os pilotos parecem indefesos diante dos pássaros que dividem com eles o espaço aéreo.
No dia 5 de setembro de 1997, quando 12 soldados morreram no Líbano, um F-16 do exército voava em baixa altitude no Neguev. Eram 14:00h, quando o comandante e o co-piloto se ejetaram do aparelho, em pleno vôo. Os dois pilotos sobreviveram, mas o co-piloto teve que amputar uma perna. O avião foi totalmente destruído. Os destroços foram recolhidos e especialistas chegaram a uma conclusão: um pássaro havia quebrado uma janela, provocando a catástrofe.

Este acidente não foi o primeiro entre avião e pássaro. Durante os últimos 25 anos houve 3.092 relatos desse tipo, causando dezenas de vítimas e prejuízos estimados em centenas de milhões de shekels.


Vitórias e fracassos da Força Aérea de Israel

03/06/48
O piloto Modi Alon localizou e derrubou dois aviões Dakota, do Egito, que se preparavam para fazer um bombardeio noturno sobre Tel Aviv. Foi a primeira operação de sucesso da recém-formada FAI.

05/06/67
Às 7:14h, aviões da FAI cruzaram os céus e destruíram os aviões da Força Aérea do Egito, destruindo 200 aparelhos no chão. Às 9:00h a operação estava encerrada e começava a Guerra dos Seis Dias. Durante este conflito, 400 aviões de quatro países foram destruídos e Israel perdeu apenas 19 aeronaves.

12/02/70
Um avião Phanton bormbardeou uma fábrica civil próxima ao Cairo, ao invés de uma base militar. Setenta trabalhadores morreram e mais de 100 ficaram feridos.

10/73
Após a derrota inicial da aviação israelense frente às baterias de mísseis SAM, durante a Guerra de Yom Kipur, a FAI restabeleceu a sua superioridade destruindo mais de 450 aviões inimigos, a maioria em combates aéreos.

03/07/76
Nesta data, quatro aviões de transporte Hércules, carregando vários comandos e um estoque de combustível, voaram cerca de 1.300 quilômetros até Entebe, em Uganda, para resgatar 98 cidadãos israelenses e judeus mantidos como reféns por terroristas palestinos e um alemão, responsáveis pelo seqüestro do vôo 138 da Air France. A operação de resgate durou menos de uma hora e quase todos os reféns foram liberados e levados para Israel. Quatro reféns e o comandante da força-ataque, Yonatan Netanyahu, foram mortos.

10/05/1977
Cinqüenta e quatro soldados morreram quando um helicóptero de trans-porte Sikorsky caiu durante um treinamento no Deserto da Judéia.

1984/1991
Em 1984 aviões Hércules foram a Etiópia resgatar os falashas (judeus etíopes), em uma ação denominada Operação Moisés. Em 1991, os mesmos aviões em conjunto com aparelhos da EL AL voaram até Adis Abeba e transportaram 14 mil judeus. Esta ação se tornou conhecida como Operação Salomão.

04/02/97
Dois helicópteros Sikorsky colidiram durante um vôo ao Sul do Líbano, matando 73 soldados. Foi o pior acidente já registrado em Israel, tendo sido atribuído a um erro do piloto.