O décimo-primeiro presidente da história de Israel, ITZHAK Herzog, iniciou seu mandato em julho com claras intenções: contribuir para amenizar a polarização política dos últimos anos, estimular diálogos entre setores da sociedade israelense e fortalecer pontes com as comunidades da diáspora.

E para enfrentar essa tarefa, Herzog apresenta um dos mais impressionantes e volumosos currículos de vida pública no país e carrega ainda a tradição de uma família profundamente envolvida na história do Estado Judeu.

O novo morador do Beit Hanassi, residência presidencial em Jerusalém, é filho de Chaim Herzog, sexto presidente de Israel, no cargo entre 1983 e 1993. Também é sobrinho de um dos pais da diplomacia israelense, Abba Eban, chanceler (1966-1974), representante junto à ONU (1949-1959) e embaixador em Washington (1950-1959).

O avô do presidente, Yitzhak Halevi Herzog, foi rabino-chefe ashquenazi em Israel de 1936, ainda nos tempos do Mandato Britânico, até 1959. O líder religioso nasceu em 1888 na cidade polonesa de Lomza, e, aos 10 anos de idade, desembarcou com os pais no Reino Unido. Foi rabino-chefe na Irlanda entre 1922 e 1936, depois de liderar a comunidade de Belfast. Além da preparação rabínica, estudou na Sorbonne e na Universidade de Londres.

O neto do rabino carregou herança familiar na posse como presidente de Israel. Trouxe uma Torá que pertenceu à sua avó, Sarah, desde os tempos em que moraram em Glasgow, na Escócia, e que esteve também na cerimônia para oficializar seu pai, Chaim, no cargo de chefe de Estado. Essa Torá também acompanhou o rabino Yitzhak Halevi Herzog em viagens pela Europa após o Holocausto, destinadas a localizar crianças judias em orfanatos e trazê-las de volta ao convívio da comunidade.

Na cerimônia de posse em Jerusalém, Itzhak Herzog fez um discurso condensando objetivos de seu mandato de sete anos. Destacou, sobre as divisões na sociedade israelense, a importância de “baixar o tom, reduzir as chamas e acalmar”. “Determinarei como objetivo, todas as manhãs, ser presidente para todos”, sustentou. “Em tempos normais, essa tarefa soaria quase ingênua. Infelizmente, no entanto, estes não são tempos normais”.

O novo presidente assinalou: “Estes são dias em que a qualidade de estadista foi varrida pela polarização; dias nos quais o etos unificador, os valores que compartilhamos estão mais frágeis do que nunca”. O tom da busca por conciliação ecoava esforços de seu antecessor, Reuven Rivlin, também empenhado em enfrentar as consequências da crise política responsável por levar o país a quatro eleições em cerca de dois anos, um recorde nos 73 anos desde a independência.

Como em Israel vigora o parlamentarismo, o chefe do poder executivo, responsável por governar, é o primeiro-ministro, geralmente o líder da bancada majoritária no Knesset (Parlamento). O presidente corresponde ao chefe de Estado e tem funções, em sua maioria, cerimoniais, embora guarde poderes como o de conceder indultos e coordenar o processo de formação de um novo governo, após a realização de uma eleição.

Vários presidentes de Israel ultrapassaram as fronteiras do cerimonialismo e buscaram exercer um papel de “pai da nação”, defendendo valores como democracia e harmonia social, invariavelmente assumindo uma posição suprapartidária e deixando de lado o passado de envolvimento político. Reuven Rivlin, por exemplo, foi deputado, ministro e carregava longa militância no Likud, enquanto Herzog chegou a liderar o Partido Trabalhista, em uma trajetória com passagens por diversos setores das estruturas de poder em Israel.

O discurso suprapartidário de Herzog levou-o a bater o recorde de votos na eleição para presidente, ocorrida no Knesset. Ele amealhou o apoio de 87 dos 120 deputados, o que demonstra apoio de partidos à direita e à esquerda. Sua adversária, a ativista social Miriam Peretz, obteve 26 votos.

Na véspera da posse, Herzog foi ao Muro das Lamentações, rezou e deixou um bilhete no qual mencionou seu comprometimento com “a união do nosso povo e o verdadeiro amor por Israel”. E, quando da cerimônia para iniciar o mandato, marcada também por toques de shofar, ele disse estar “embarcando numa jornada entre as linhas das divisões e rupturas da sociedade israelense” e que “buscaria ser um unificador entre as diferenças, uma ponte entre as lágrimas”.

Itzhak Herzog acumula rara experiência e conhecimento sobre a sociedade e as estruturas de poder de Israel, obtidas a partir de seu convívio familiar e de sua carreira política. Nasceu a 22 de setembro de 1960, em Tel Aviv, filho do irlandês e também general Chaim e de Aura, originária de Ismaília, cidade no Egito, onde vivia sua família ashquenazi.

Enquanto Chaim ocupava a função de representante de Israel junto à ONU, de 1975 a 1978, Itzhak estudou na escola nova-iorquina judaica Ramaz, e, no ensino superior, passou pela Universidade Cornell, para graduar-se em direito na Universidade de Tel Aviv. Trabalhou alguns anos no escritório de advocacia Herzog, Fox e Neeman, fundado por seu pai.

A formação intelectual foi marcada por um importante intervalo: o serviço militar. O major Itzhak Herzog trabalhou na unidade 8200, uma das mais prestigiosas na área de Inteligência e, nessa atividade, conheceu a hoje advogada, Michal Afek, com quem se casou e teve três filhos.

O atual presidente começou, nas estruturas governamentais, como assessor do então primeiro-ministro Ehud Barak, em 1999. A partir de então, tornou-se uma das figuras mais presentes do universo político, liderando seu partido, o Trabalhista, ou ocupando cargos de deputado ou de ministro em várias pastas, como Bem-estar e Serviços Sociais, Turismo, Habitação e Construção. Liderou também o Ministério para Diáspora, Sociedade e Luta contra o Antissemitismo.

Em 2018, elegeu-se presidente da Agência Judaica, responsável por programas de imigração a Israel, de fortalecimento de laços com a diáspora e combate ao antissemitismo, além de responder por diversas iniciativas de apoio a setores vulneráveis da sociedade israelense.

Conhecido pelo apelido de “Bougie”, o novo presidente de Israel, dono de uma fala mansa e de inconfundível elegância, mergulha no papel de chefe de Estado e, nos primeiros dias de sua administração, já mostrou uma agenda intensa e diversificada. Recebeu líderes comunitários israelenses, conheceu programas sociais em Tel Aviv, visitou uma sinagoga em Ashkelon, participou da inauguração da Embaixada dos Emirados Árabes Unidos em Israel, conversou por telefone com o rei Abdullah, da Jordânia. Começava assim mais uma era Herzog na história do Estado Judeu.

Jaime Spitzcovsky colunista da “Folha de S.Paulo”, foi correspondente do jornal em Moscou e em Pequim.