Aos 74 anos Israel pode orgulhar-se de sua trajetória. Única democracia em uma região mergulhada nas trevas, é considerada “uma luz entre as nações” e um modelo para aqueles que almejam a liberdade e a prosperidade.

E um dos melhores parâmetros para esta avaliação é a condição da minoria árabe que vive no país. Compondo 20% da população, esta minoria, que desfruta de todos os direitos civis e religiosos como cidadãos plenos, conseguiu manter a sua proporção na população ao longo de quase 75 anos, período em que as levas imigratórias ampliaram a população judaica em quase 15 vezes.

Durante muitos anos, as lideranças políticas árabes mantiveram seus representados à margem, recusando-se a reconhecer a legitimidade do Estado de Israel e almejando uma reversão à realidade anterior a 1948. Mas o progresso israelense, a liberdade proporcionada pelo Estado e especialmente o contraste com o restante da região, erodiu pouco a pouco esta posição, convencendo a população das vantagens de se tornarem cidadãos plenos.

O trajeto não transcorreu sem percalços; no início a minoria árabe era vista com suspeitas e foi isolada no interior do país, longe das fronteiras. Mas raramente a população árabe em Israel se engajou contra o Estado no contexto do conflito contra os palestinos, deixando esta função aos representantes políticos no Parlamento. E somente 20% da população árabe em Israel vê a questão palestina como uma prioridade.

Ao longo das últimas décadas houve uma clara evolução da identidade árabe em Israel, um processo que se tornou conhecido como “israelização”. Os jovens árabes reconhecem os progressos da sociedade israelense e a educação como a chave para participarem deste processo. Assim, está ocorrendo uma profunda transformação da estrutura social da minoria árabe, com uma transferência dos jovens para os grandes centros urbanos (quando não fisicamente, então no âmbito de suas atividades) e uma diminuição da importância do modelo patriarcal.

Os fundamentos das relações entre árabes e judeus em Israel se têm demonstrado extremamente resilientes, também graças à emergência de uma classe média árabe preocupada em consolidar o seu status socioeconômico. Assim, parte importante daqueles que buscavam uma representação política baseada na identidade e na “islamização” agora estão engajados na melhora dos padrões de vida da minoria árabe em Israel. E para isso têm que encontrar o seu lugar na sociedade israelense.

As mulheres têm obtido mais oportunidades e, ao longo dos anos, melhoraram a sua escolaridade, não só terminando o ensino médio, mas também aumentando significativamente a sua proporção nas universidades. Como consequência natural, têm-se casado mais tarde e têm menos filhos, o que lhes permite conciliar a maternidade com uma vida profissional produtiva, como engenheiras, médicas, arquitetas e em uma série de atividades técnicas amplamente demandadas no mercado. Também no âmbito político o número de mulheres é cada vez mais significativo.

O sucesso de Israel como “StartUp Nation” não se restringe ao universo judaico; amplos setores da minoria árabe vêm participando desta evolução, inclusive com a criação, por parte do governo, de parques tecnológicos e incubadoras em cidades predominantemente árabes no norte do país.

Os eventos do ano passado, com ondas de violência atingindo principalmente as cidades em Israel com população significativa de árabes e judeus, como Haifa, Lod e Jaffa – não devem ofuscar uma realidade que vem sendo constatada ao longo dos últimos anos, em todo o país, e que representa uma tendência inexorável: a crescente integração da minoria árabe na sociedade israelense. Quase que imediatamente foram identificados os radicais e extremistas responsáveis pelo incitamento e ficou claro que a maior parte da população não só não esteve envolvida como condenava os atos ilegais. A polícia tomou as medidas necessárias e hoje, um ano após os eventos, quase não se pode identificar sinais do ocorrido.      

E isso somente é possível pelo fato de Israel funcionar como uma democracia parlamentar na qual todos os cidadãos são representados e têm seus direitos reconhecidos, ao contrário do que foi exposto no ultrajante relatório da Anistia Internacional que condenou Israel pela prática de apartheid e equiparou o país às mais abjetas ditaduras, como Afeganistão, Burkina Faso, Irã, Líbia, Myanmar e o Iêmen.

É este país, acusado de apartheid, que promulgou há 30 anos a Lei Básica da Dignidade e Liberdade Humanas. Nela estão resguardados os direitos dos cidadãos em um estado judeu e democrático. Estes incluem a liberdade de expressão e o direito à propriedade, dignidade e liberdade pessoais e à liberdade de todos os cidadãos de entrar e sair do país. Garante ainda o direito à intimidade e privacidade, bem como a proibição de buscas ilegais sem mandados e a violação da confidencialidade em conversas ou gravações ilegais. E os legisladores se preocuparam também em garantir que a lei não pudesse ser alterada pelo Parlamento, nem anulada por medidas emergenciais, o que assegura os direitos das minorias, preservados pela Suprema Corte.

De acordo com o Prof. Samy Smooha, da Universidade de Haifa, os árabes em Israel estão se adaptando ao Estado e à maioria judaica, comprometendo-se com o caráter democrático da sociedade, e almejam alcançar uma condição de paridade socioeconômica. Os recentes eventos políticos em Israel demonstram também que os árabes endossam cada vez mais o processo democrático e o fato de que a maioria absoluta dos jovens se identificam como israelenses, como parte integrante do país, desejosos de uma integração plena na sociedade. Aceitam, também, a existência de Israel como um Estado judaico, algo que foi recentemente endossado por Mansur Abbas, o líder do partido Raam que integra o atual governo de coalizão.

Ao longo dos últimos anos, a questão do conflito israelo-palestino tem perdido importância na agenda da minoria árabe em Israel, o que possibilitou a cisão da chamada Lista Unificada que levara o partido Raam ao governo. Curiosamente, é o Partido Islâmico que reconhece a legitimidade do Estado judeu e deixa nas mãos da liderança palestina a luta pela autodeterminação. Sua plataforma eleitoral se baseia na representação de seus constituintes junto à administração do Estado, como em qualquer democracia funcional. O partido luta no Parlamento, e agora também no governo, pelo aumento do número de alvarás de construção, de recursos para os orçamentos de saúde e educação e, em conjunto com parlamentares judeus, por diversas demandas dos setores civis da sociedade.

A integração desta minoria se dá através dos exemplos mais corriqueiros da vida diária. Árabes e judeus compartilham salas de aula nas universidades e, cada vez mais, também em escolas conjuntas nas mais diversas regiões do país. O atendimento a pacientes judeus é feito por um número crescente de profissionais árabes do setor de saúde, de enfermeiros e farmacêuticos a médicos nos hospitais. E são árabes israelenses 20% dos médicos, 25% dos enfermeiros e 50% dos farmacêuticos. E jogadores árabes nos maiores e mais importantes times de futebol de Israel são um fenômeno cada vez mais comum.

Artistas e jornalistas também estão cada vez mais em evidência. Na semana em que Israel celebrava o seu aniversário, um juiz muçulmano foi empossado, pela primeira vez, na Suprema Corte israelense; e, há alguns dias, Loai Sakas, um árabe israelense de Kafr Yasif, venceu o campeonato mundial de kickbox na Turquia e se envolveu na bandeira israelense ao receber a medalha de ouro.

Analisemos de perto o que acontece no sistema político israelense, no qual o maior partido não tem conseguido compor uma maioria capaz de formar um governo de coalizão. Como uma democracia parlamentar representativa, uma infinidade de partidos representam uma enorme variedade de interesses, entre outros o eleitorado árabe, representado tanto por partidos árabes quanto por partidos judaicos de esquerda. A maioria dos protestos não são violentos e são acordados antecipadamente com a polícia (ainda que só façam manchetes os episódios de violência) e os grupos radicais representam uma ínfima minoria, com uma influência negligenciável.

Agora, pela primeira vez na história de Israel, um partido árabe participa de um governo de coalizão, produzindo mais uma realidade que deita por terra as acusações sobre desigualdade e discriminação no país. O partido se propõe a participar do processo decisório respeitando as regras democráticas para ajudar a solucionar os clássicos problemas da minoria árabe, problemas que também afetam os mais diversos setores da população judaica.

A questão tornou-se claramente social, baseada no conceito de cidadania e deixou para trás o viés nacional, que durante gerações impediu esta integração política. E as lideranças judaicas reconhecem a importância do setor árabe da população e vem atuando para integrá-lo na vida e na economia do país, tornando a integração um elemento de interesse nacional.

O mesmo vem acontecendo nas relações de Israel com os países muçulmanos da região, que veem nas relações com Israel uma vantagem irrefutável e que não pode ficar à mercê de um acordo entre Israel e os palestinos.

Em uma recente entrevista ao Washington Institute, o líder do Raam, Mansur Abbas, declarou: “Nosso destino é conviver neste território e podemos decidir como fazê-lo. Podemos nos opor ao ódio e aos conflitos com os valores que temos a oferecer: paz, tolerância e segurança. É isso que propomos”. Soa como um bom começo para esta parceria inédita.

Obviamente não faltam problemas ao setor árabe em Israel: os níveis de violência, atribuídos ao crime organizado e à violência doméstica, ainda são altos. Somente agora, depois de décadas, começam a ser legalizados bairros inteiros de construções ilegais (algo equivalente à urbanização de favelas no Brasil), e os recursos destinados ao setor árabe, equivalentes a US$ 10 bilhões, começam a ser distribuídos. E o potencial de avanço é enorme: metade da população árabe ainda tem um nível de renda abaixo da linha de pobreza e boa parte dos jovens abandonam a escola antes de terminar o secundário.

O sucesso da participação do Raam no governo também será fundamental para aumentar a participação do eleitorado árabe nas próximas eleições, o que contribuiria para um aumento do número de parlamentares eleitos pelos constituintes árabes.

A questão da segurança nas comunidades árabes é um dos principais temas que ocupam este governo de coalizão, constituindo-se em uma rara oportunidade para transformar as relações entre judeus e árabes no país. Um dos principais objetivos é aumentar a confiança da população árabe na polícia e na vigência da lei e, para isso, estão sendo tomadas as mais diversas medidas, entre outras o aumento dos contingentes de policiais árabes que atuam nessas regiões. A periferia judaica, com a presença dos setores mais frágeis da população, compartilha dos mesmos problemas.

Uma das mais importantes constatações dos eventos do último ano é a de que a violência e o crime na sociedade árabe não têm cunho nacionalista, não refletem uma revolta contra o Estado nem representam uma ameaça à segurança ou à integridade territorial. Devem ser combatidos pela polícia como crimes contra o patrimônio, de comum acordo com a população civil.

Os árabes cidadãos de Israel se diferenciam de seus familiares no Oriente Médio, desfrutando de liberdades civis e religiosas, representatividade política, educação e liberdade de expressão, como em nenhum outro país da região. Os árabes cidadãos de Israel têm direito a voto desde as primeiras eleições em Israel, em 1949. Em relação às mulheres, é um dos poucos país no Oriente Médio onde mulheres árabes podem votar.

Como vimos, a realidade interna de Israel entre árabes israelenses e judeus israelenses se distancia cada vez mais do conflito israelo-palestino. Os árabes cidadãos de Israel hoje passam a olhar mais para o futuro do que para o passado. Esse é um futuro otimista. O país vive um momento de prosperidade, com uma sociedade israelense pujante, níveis socioeconômicos invejáveis até mesmo nos países desenvolvidos e uma crescente expectativa de um futuro ainda melhor. Desfrutam do privilégio de fazer parte da única democracia no Oriente Médio e reconhecem cada vez mais esta realidade.

BIBLIOGRAFIA

Amnesty International Report 2021/2022 – The State of the World’s Human Rights, publicado no site https://www.amnesty.org/en/wpcontent/uploads/2022/03/POL1048702022ENGLISH.pdf

https://achord.huji.ac.il/sites/default/files/achord.hebrew/files/mdd_hshvtpvt_2021_2.pdf

The Arab Minority in Israel and the Normalization Agreements with
Arab Countries
, artigo publicado por Arik Rudnitzky em 2 de maio de 2021 no site do Moshe Dayan Center for Middle Eastern an African Studies da Universidade de Tel Aviv - https://dayan.org

Samuel Feldberg é doutor em Ciência Política pela USP, professor de Relações Internacionais, Pesquisador do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv e fellow em Israel Studies da Universidade de Brandeis.