Uma das missões mais dolorosas ocorre na esteira de uma operação terrorista, quando os voluntários do "Hatzalahâ" embrenham-se em meio aos escombros e corpos, iniciando seu trabalho ao lado das equipes policiais, militares e médicas.

Dispersos em meio à multidão de sapadores da polícia, equipes de resgate, militares e para-médicos, que têm a si a nada invejável tarefa de separar os vivos dos mortos, encontram-se os hoje, já familiares, homens de kipá preta e colete laranja, com a inscrição “Chessed Shel Emet”, a verdadeira compaixão, ou voluntários da verdadeira piedade.

Esses mais de cem voluntários do movimento charedi, ultra-religioso, muitos dos quais com as longas peyot ao estilo tradicional em Mea-Shearim, com as túnicas na altura dos joelhos e os chapéus de abas largas, chegam em qualquer local onde ocorreu um ataque e cumprem a mitzvá de proporcionar às vítimas um enterro judaico ritual. Mas quem imaginaria que, após uma explosão terrorista, essa missão tão nobre levaria alguém a escalar terraços e telhados, na busca incessante de membros e outras partes do corpo, sem falar na raspagem de paredes tingidas de sangue e vestígios de carne humana?

Quem está no cenário da tragédia já sabe que os voluntários da verdadeira compaixão ficarão trabalhando nos arredores do local do ataque durante horas, enquanto são suspensos por guindastes aos telhados e terraços dos andares mais altos e recebem dos especialistas em explosivos as orientações sobre a extensão da distância até onde podem ter sido lançados os fragmentos dos corpos. Muitos têm telefones celulares ou bipes de mensagens, mas, num país onde apenas cinco minutos após um ataque terrorista a notícia já voou e está em edição extraordinária nos noticiá-rios, os voluntários muitas vezes chegam antes que toquem os seus bipes. Eles vêm equipados com luvas de borracha, raspadores de cimento e os execráveis sacos plásticos usados para coletar os restos das vítimas.

“É algo para o qual não há como se preparar emocionalmente”, diz o rabino Elazar Gelbstein, fundador e chefe do Chessed Shel Emet. “Quando chegamos ao local, nos reprogramamos mentalmente e trabalhamos como que em transe. Se pararmos para pensar, ficamos paralisados. Depois, tentamos falar sobre o assunto com nossos companheiros para desanuviar um pouco a tensão. Mas, na calada da noite, na cama, cada um de nós está sozinho – ele e seus pensamentos”.

Por que razão esse serviço tem que ser feito por um grupo separado, quando há tantas outras pessoas das equipes de resgate no local do incidente? A polícia está interessada em fazer a identificação legal dos cadáveres e os encarregados do resgate trabalham contra o tempo, tentando salvar o que podem dos sobreviventes. É que o conceito haláchico de um funeral digno, o Kavod hamet, a honra ao morto, necessitava ter alguém dos seus defendendo tão nobre missão.

O rabino Gelbstein, diretor de uma das sociedades funerárias de Jerusalém e motorista voluntário de ambulância, há mais de vinte anos, do grupo “Hatzalah”, conseguiu reunir seu pessoal entre outros voluntários ortodoxos do “Hatzalah”, através de classificados em jornais e de indicações boca-a-boca. Entretanto, do grupo inicial de futuros estagiários, muitos desistiram. Alguns não agüentaram os filmes de treinamento, mostrando horas e horas de explosões terroristas horrorosas, chocantes até mesmo para os mais atrozes filmes de terror. Outros desistiram depois de participar do primeiro ataque.

“ Poucas pessoas conseguem fazer este tipo de trabalho”, declara o rabino. “Mas para os que conseguem, D’us dá a força necessária, pois estão desempenhando uma mitzvá das mais importantes. Pode ser um ataque terrorista ou qualquer acidente fatal de carro. Se um de nossos voluntários não chegar a tempo, a polícia, após reunir o que necessita para a identificação legal, lança mão de uma mangueira e lava tudo o que encontra pela frente”.

Gelbstein afirma que sua organização faz mais do que dar às vítimas de ataques terroristas um funeral digno, que exige que também se enterrem os restos de carne e de sangue. Os voluntários do Chessed Shel Emet asseguram, também, que haja uma identificação adequada dos corpos, segundo a Halachá. Pois, do contrário, poderão surgir problemas haláchicos de herança e, principalmente, de agunot – mulheres que, pela lei religiosa judaica, não têm certeza da morte do marido e, portanto, estão proibidas de se casar novamente.

Moshe Hotzman, voluntário da Chessed Shel Emet, declara que demora alguns dias para voltar a si, após fazer o recolhimento dos despojos humanos que restam de um ataque. “Não dá para se acostumar, se você for uma pessoa com sentimentos e coração. Em geral, pensam que somos como os cirurgiões, que após a primeira operação se acostumam a ver sangue. Mas quem consegue se acostumar a ver um menino de dez anos completamente implodido, em pedacinhos, pernas e braços espalhados em volta do quarteirão?” 

Depois do último ataque a um ônibus, em Jerusalém, Holtzman, um chassid trajado com as vestes tradicionais, que é o supervisor haláchico das mikvaot em comunidades da Judéia e Samaria, viu-se no telhado do prédio do Ministério do Interior, na esquina das ruas Jaffa e Shlomzion Hamalka, onde encontrou uma cabeça e outros membros de algumas vítimas.

“ Não conto para minha mulher nem meus filhos essas coisas”, afirma Holtzman. “Não saio por aí contando que havia uma cabeça dentro de um saco plástico, no banco do meu carro”.

Talvez a prova mais dura para os voluntários do Chessed Shel Emet seja voltar para o seio de suas famílias e tentar agir naturalmente, como se nada tivesse acontecido.

“ Após o primeiro curso de treinamento, meu marido não conseguiu comer nem dormir durante dias”, contou Esther Holtzman. “Para falar a verdade, tenho orgulho de sua força interior, de sua mesirut nefesh, mas preferia que ele não fizesse esse trabalho sagrado. Vejo o estrago que tudo isso faz nele. Não posso reclamar pois é uma enorme mitzvá; estou em paz comigo mesma, mas gostaria que outro fizesse a mitzvá no lugar dele”...

Tradução:Lilia Wachsmann
Fonte: Artigo de Rachel Ginsberg publicado na revista The Jewish Homemaker