Em 27 de janeiro de 1945, o I Exército Ucraniano Soviético chegou à cidade polonesa de Oswiecim, forçando os nazistas a recuarem cada vez mais em direção à Alemanha. Aqueles soldados já tinham presenciado e, até mesmo participado, das piores barbáries e violências durante quatro anos de guerra. No entanto, homens rudes, acostumados a carnificinas, choraram ao chegar em Oswiecim.

O que poderia tê-los chocado tanto, depois de verem cidades destruídas, mulheres violentadas, campos de batalhas com dezenas de milhares de mortos?
Auschwitz.

Auschwitz é o nome em alemão da cidade de Oswiecim, onde estava instalado o maior campo de concentração e extermínio nazista.

Do outro lado do arame farpado encontraram pilhas de cadáveres, mortos-vivos enrolados em farrapos, crianças cadavéricas, mulheres famintas e galpões repletos de cabelos, sapatos, óculos e brinquedos. Achavam que tinham chegado ao Inferno.

Pior. Tinham chegado a Auschwitz, Birkenau e Monowitz.

Tinham descoberto o terror e a maldade planejados milimetricamente pela Alemanha nazista para exterminar o Povo Judeu.

Sete mil prisioneiros vivos foram encontrados, porque estavam fracos demais para acompanhar outros 60 mil obrigados a marchar com os soldados alemães em fuga.

Infelizmente, alguns dias após a libertação, quase a metade ainda morreria de doenças e debilidades físicas.

Demorou para que o exército soviético compreendesse a complexidade do campo, com as salas de torturas, os depósitos de objetos roubados dos prisioneiros, os próprios restos mortais, as câmaras de gás e os fornos crematórios.

Conforme os exércitos aliados iam libertando as centenas de campos de extermínio, de trabalhos forçados e de concentração na Polônia, Áustria, Alemanha, Ucrânia, a humanidade ia tomando conhecimento da desumanização da Alemanha nazista, e, por que não dizer, da insanidade que tomou conta de um dos países culturalmente mais desenvolvidos do mundo? Do absurdo que o racismo, o preconceito e a intolerância tinham atingido.

Um terço da população judaica mundial desapareceu nos fornos crematórios. O antissemitismo atingiu o ápice da insanidade em pleno Século 20.

Sessenta anos depois, em 2005, a ONU decidiu instituir o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto e escolheu como data simbólica 27 de janeiro, o dia em que o exército soviético libertou Auschwitz.

É provável que, se fosse recentemente, a ONU estaria mais preocupada em aprovar sanções contra o Estado de Israel do que aprovar uma data em memória das vítimas judias.

Este ano, para comemorar o 70º aniversário da libertação, o Congresso Judaico Mundial preparou uma cerimônia especial em Auschwitz. Convidou sobreviventes, e quase 200 deles, de dezenas de países diferentes, estiveram presentes no evento. A maior delegação era de Israel, com quase a metade dos participantes, e centenas de familiares.

No dia 26, foram organizadas visitas ao Museu de Auschwitz, que recebe anualmente quase dois milhões de visitantes do mundo inteiro. À noite, houve a recepção e o jantar de boas-vindas aos sobreviventes, no evento chamado de “Passado está Presente” (“The Past is Present”).

David Zaslav, CEO da Discovery Communications e Presidente do comitê organizador do evento, junto à USC Shoah Foundation, abriu a cerimônia. O dr. Piotr Cywinski e Jacek Kastelaniec, diretores do Museu de Auschwitz, também, falaram. Jacek, polonês cristão, lembrou que seu avô era judeu e foi assassinado no campo.

O cineasta Steven Spielberg foi outro orador. Para quem não sabe, a renda que Spielberg obteve com o filme “Lista de Schindler”, foi utilizada para iniciar a USC Shoah Foundation, da qual ele é, atualmente, o Presidente Fundador. A primeira atividade dessa fundação, há 20 anos, foi coletar depoimentos de sobreviventes de todas as partes do mundo. Hoje conta com mais de 50 mil vídeos. É por isso que tantos sobreviventes dizem que deram “depoimentos para o Spielberg”. O ministro da Defesa de Israel, Moshe Yaalon, também discursou nessa noite.

No dia seguinte, 27 de janeiro, a cerimônia foi realizada em Birkenau, o campo de extermínio conjugado a Auschwitz, onde os trens desembarcavam os judeus.

O evento foi impressionante. Quem já teve a oportunidade de visitar o lugar, não se esquece da entrada monumental, a construção de tijolos vermelhos, com sua torre central. Uma imensa tenda foi montada para receber três mil pessoas sentadas, protegidas do rigoroso inverno polonês. Essa tenda englobava “O portão da morte”, a entrada de Birkenau.

Estavam presentes reis e rainhas, presidentes e primeiros-ministros da Áustria, Alemanha, Bélgica, Bulgária, Canadá, Dinamarca, França, Polônia e Suécia, entre outros.

O discurso do embaixador Ronald Lauder, presidente do Congresso Judaico Mundial, foi incisivo e marcante, uma vez que destacou a volta do antissemitismo na Europa, especificando a França, onde afirmou que se um jovem judeu andar de kipá na rua, ou com uma Estrela de David aparente, corre grande risco de ser fisicamente agredido. O presidente francês François Hollande estava sentado na primeira fileira.

O antissemitismo não foi erradicado com o Holocausto, ao final da 2ª Guerra. Hoje suas origens estão no Oriente Médio, mas se espalham pelo mundo todo, encontrando novamente, ou como sempre, eco na civilizada Europa. A mentira de que os judeus estão por trás dos problemas do mundo continua a ser repetida. Ondas de ódio ressurgem e é preciso tolerância zero de todos os Governos. “O silêncio”, como disse Ronald Lauder, “leva a Auschwitz”.

Nos últimos anos assistimos a atentados letais contra escolas, sinagogas e museus em várias capitais europeias, e não vimos indignação ou manifestações populares. Não vimos pessoas levantarem cartazes com “Je suis juif”. No entanto, um único atentado, sem dúvida abominável, contra o jornal Charlie Hebdo, levou o mundo a gritar “Je suis Charlie”.

Muita gente grita que é preciso riscar Israel do mapa, jogar os judeus no mar, como se sete milhões de pessoas fossem descartáveis. O fato é que o foram, para os nazistas, há 70 anos, durante o Holocausto. Tão pouco tempo transcorreu, que ainda temos sobreviventes entre nós.

“Je suis Charlie”, “Je suis juif” e “Je suis survivant”. Na realidade, todos nós somos sobreviventes, judeus e não judeus. Pois, se a barbárie nazista tivesse vencido, a civilização teria desaparecido da face da Terra.

1 “Sou Sobrevivente”

Marcio Pitliuk é escritor e cineasta. Autor dos livros “Marcha da Vida”, “O homem que venceu Hitler”, do filme “Sobrevivi ao Holocausto”, e outros. Viajou para o 70º aniversário da libertação de Auschwitz a convite do JWC (Jewish World Congress).