Do gueto de Lodz, fui levado para Auschwitz. Após a seleção feita por Mengele, fui levado para o campo de ciganos, em Birkenau. O terror, os maus tratos e os assassinatos lá cometidos pelos guardas alemães, capos e dignitários, são difíceis de descrever. Não sei dizer como, mas sobrevivi. Fui levado de volta a Auschwitz e vendido como escravo a uma empreiteira.

Ganhei um uniforme de prisioneiro com um número, onde também era estampado um triângulo vermelho. Geralmente, os judeus ganhavam um triângulo vermelho sobreposto com um triângulo amarelo, que juntos formavam uma Estrela de David. Desta maneira era mais fácil sermos reconhecidos como judeus. Ganhei duzentos gramas de pão, um pedaço de salame e fui embarcado num vagão de gado, junto com mais de sessenta pessoas. Não sei dizer quantos dias fiquei nesse trem. Paramos em um lugar chamado Wüstegiersdorf, perto de Breslau. Fomos levados para um campo chamado Kaltwasser (água fria). Fomos recebidos por um oficial da SS, o comandante do campo. Era um homem já passado de sessenta anos. Era imberbe e de rosto enrugado. Foi apelidado por nós de "bube" (vovó). Fez um discurso cheio de impropérios, ofensas e ódio. A expressão mais branda era "judeus desclassificados".

Era um campo só de judeus e a maioria, de Lodz. Parece que o comandante já sabia disso, porque logo tratou da infra-estrutura do campo. Nomeou um comandante judeu. Este, por sua vez, escolheu capos e outros para os trabalhos no campo. Tudo sob as ordens do comandante alemão. As condições em que vivíamos eram as piores possíveis. Grassavam a fome, frio, sujeira e maus tratos.

Não pertencíamos mais a Auschwitz, mas a Grossrosen. Os doentes e os que não conseguiam mais trabalhar eram mandados para Grossrosen e lá exterminados. Em Kaltwasser, um SS me arrancou os dentes sadios, sem anestesia, proibindo-me de gritar ou gemer. Éramos despertados de madrugada, antes do sol nascer. Fomos contados e mandados para a floresta, para a construção de fortificações. Para não perder muito tempo nas idas para o trabalho, uma parte dos prisioneiros foi designada para construir um novo campo no próprio local do trabalho, na floresta. O novo campo chamava-se Lager Lerche. Neste campo recebemos um novo comandante, também de Grossrosen. Este trouxe consigo um Lager Aelteste (comandante judeu). Por coincidência, ele era de Lodz e tinha em nosso campo muitos conhecidos, de antes da guerra. Estes conhecidos tomaram os lugares dos capos e dos outros. Para nós, isto não fazia diferença. As relações entre os eles e nós, prisioneiros, eram, de maneira geral, satisfatórias. Em compensação, os guardas SS eram da pior espécie. Nos batiam sem dó ou piedade. Várias vezes o mestre de obra intervinha para salvar um infeliz do massacre. O comandante – um sádico nato – só se referia a nós de "sau" (porca). De tanto gritar sau, nós o apelidamos de sau. Chegou o mês de dezembro. Estávamos no ano de 1944. A Alemanha estava perdendo a guerra. Fomos forçados a trabalhar ainda mais duro. A frente russa estava se aproximando e eles precisavam das fortificações. O "sau" nos reuniu e prometeu que no dia 24 de dezembro, na volta ao campo depois do trabalho, cada um de nós receberia duas sopas reforçadas e mais duzentos gramas de pão. No dia 25 não iríamos trabalhar. Estávamos contando os dias. Quando chegou o dia 24, todos estavam exultantes, esperando a hora de voltar ao campo. Entrando no campo, estávamos esperando para ser contados como sempre e esperando pela tão sonhada sopa e a migalha de pão. O sau se postou como sempre em nossa frente e entre xingamentos e impropérios, onde a palavra "sau" foi repetida inúmeras vezes, disse que não merecíamos mais comida, porque não havíamos trabalhado o suficiente. Disse que não seríamos punidos porque era Natal. Entramos nos barracos frustrados. Pouco tempo depois, o gongo soou. Corremos animados para a praça onde sempre éramos contados, na esperança de recebermos a prometida sopa e o pedaço de pão. Fomos alinhados pelos capos, esperando pelo comandante sau. A noite estava limpa, sem nuvens, mas o frio era glacial. Estávamos só com o uniforme listrado de prisioneiro, que não esquentava. O frio começava a entrar até em nossos ossos. Depois de muito tempo o sau apareceu. Os guardas se postaram atrás da cerca de arame farpado. Um guarda abriu o portão e o sau entrou. Estava bem abrigado do frio e visivelmente alcoolizado. O Lager Aelteste gritou a plenos pulmões: achtung (atenção). Ao comando, tiramos o quepe e esperamos em silêncio. O sau começou a sua arenga.

As palavras saíam esticadas e às vezes sem nexo. O que deu para entender era que nós, os saujuden (porcos judeus) matamos Jesus. Infelizmente não podíamos ser mandados para Grossrosen, porque tínhamos de acabar as fortificações. Ele, um bom cristão que era, ia vingar o sangue de Jesus, que nós derramamos. Por isso, íamos ficar ao relento para sentir o frio que Jesus sentiu. Depois de mais xingamentos, entrou nos alojamentos dos guardas. O frio se tornava cada vez mais intenso, Olhávamos para as janelas do alojamento e os víamos comendo e bebendo. Sabíamos que nosso fim chegara. Muitos de nós começaram a cair. Não fomos autorizados a prestar socorro de espécie nenhuma. Mesmo querendo, não tínhamos meios de prestar algum socorro. Depois de muito tempo e muitas baixas entre nós, apareceu um cabo que ordenou a volta aos barracos. Dia seguinte, 25 de dezembro, de madrugada, saímos para sermos contados. O sau não apareceu. O sargento mandou trazer os outros prisioneiros que ainda estavam vivos, mas não podiam andar. Após a contagem, ofereceu uma sopa a quem quisesse remover a neve em volta do campo. Meu pai ainda estava vivo e se ofereceu ao trabalho. Trouxe um pouco de sopa para mim. Esta foi a última reunião junto com meu pai e como prisioneiro nos campos de extermínio nazistas. Daquele dia em diante não saímos mais para o trabalho. Nos primeiros dias de 1945, fomos levados para a marcha da morte. Levou mais cinco meses até a minha libertação. Quando chega o Natal e vejo a alegria nas faces das pessoas, lembro-me daquele Natal no Lager Lerche e lembro as pessoas caídas na neve. Lembro o Natal do ano de 1944, que nunca sairá de minha memória.

Aleksander Henryk Laks
Presidente da Associação Brasileira dos Israelitas
Sobreviventes da Perseguição Nazista - Sherit Hapleitá – RJ