Centenas de judeus que conseguiram fugir da Europa durante a Segunda Guerra Mundial encontraram a morte nas águas próximas ao seu único refúgio - a Eretz Israel - por causa da política de restrição à imigração judaica imposta pelos britânicos na região.

O ano de 1939 marcou não apenas o início da Segunda Guerra Mundial, mas também o fortalecimento da política restritiva à entrada dos judeus em Eretz Israel, território então sob mandato da Grã-Bretanha. Foi o ano da edição de mais um Livro Branco, emitido em maio de 1939. Nele, reiterava-se a disposição de se criar um estado independente de maioria árabe, em Eretz Israel, em um prazo de dez anos. Com base nessa posição, as autoridades inglesas determinaram que o total de imigrantes judeus não poderia ultrapassar 75 mil em cinco anos e novas aliot só seriam permitidas com autorização dos árabes. Além disso, foram proibidas a venda de terras a judeus e o estabelecimento de novos assentamentos em grande parte da região.

Enquanto se espalhava a notícia da política britânica, espalhava-se também a influência nazista e as perseguições aos judeus em quase toda a Europa. Crescia o desespero das comunidades judaicas ameaçadas por Hitler, que viam em Eretz Israel o principal refúgio para escapar da morte. Quando o Livro Branco foi imposto, um navio depois do outro, repletos de refugiados judeus, tentavam chegar à região através dos países vizinhos, principalmente a Turquia. Os que conseguiam alcançar o seu destino geralmente permaneciam detidos em campos para refugiados por tempo indeterminado, sem poder reconstruir sua vida, apenas à espera do dia seguinte.

A lista das embarcações que tentaram chegar à Eretz Israel a partir de 1939 é imensa. O destino daqueles que enfrentavam longas viagens por mar em condições precárias era quase sempre o mesmo: a detenção nos campos ou a morte em águas profundas. Em 1941, 800 judeus vindos da Romênia no navio Darien alcançaram a Eretz Israel, mas foram detidos pelos ingleses e presos em campos. Alguns meses antes, 1.600 pessoas ilegalmente trazidas no navio Atlantic haviam sido deportadas para a Mauritânia. Outros navios desapareceram durante a viagem, entre os quais o Salvador, que afundou no Mar de Marmara com 200 pessoas a bordo.

Luta constante

Nem mesmo a proibição das autoridades britânicas ou a possibilidade de morrer no mar foram capazes de impedir os emissários do Mossad e de outros grupos sionistas de continuar com a imigração ilegal e com os fluxos de navios carregados de judeus que tentavam fugir das tropas nazistas. Um fato ocorrido em 1942 e que culminou com o naufrágio do navio Struma e a morte de 767 judeus em águas próximas à Turquia revelou, mais uma vez, ao mundo a crueldade da política britânica.

A história do Struma começou com a fuga de 769 judeus da região de Axis, na Romênia, em dezembro de 1941. Seu objetivo era chegar à Eretz Israel via Turquia, apesar de não terem permissão para entrar na região sob Mandato Britânico. Saíram amontados nos compartimentos que eram inicialmente destinados para o gado e com poucas provisões, mas o navio, que precisava de reparos, conseguiu atracar em Istambul. As autoridades turcas, no entanto, recusaram-se a autorizar o desembarque dos passageiros sem a garantia da Grã-Bretanha de que posteriormente poderiam prosseguir a viagem até o seu destino final. Como não possuíam os vistos de entrada, os britânicos não quiseram fornecer tal garantia ao governo turco, pois afirmavam que esse precedente poderia estimular outros refugiados a buscar segurança na Eretz Israel, com ou sem permissão. Assim, fizeram uma sugestão aos turcos: que enviassem os judeus de volta ao lugar de onde vieram.

Durante dois meses, essas famílias, com mais de 400 mulheres e crianças, ficaram confinadas no Struma. Sem água potável, com poucos alimentos e medicamentos e um único banheiro. Sobreviveram graças à mobilização da comunidade judaica de Istambul. A indiferença das autoridades do Mandato gerou vários protestos no Parlamento, em Londres, e também na imprensa, mas de nada adiantaram. Oliver Harvey foi um dos assessores do governo que criticou a política oficial, questionando: "O governo de Sua Majestade precisa tomar essa decisão desumana? Se esses refu-giados voltarem, serão massacrados!"

Nada comoveu os responsáveis pelo Livro Branco. Assim, no dia 23 de fevereiro de 1942, 80 policiais turcos rebocaram o Struma até alto-mar, apesar dos problemas com o motor. Centenas de passageiros tentaram impedir a ação, sem sucesso. Em alto-mar a casa de máquinas explodiu e o navio afundou, levando consigo todos os passageiros. Salvaram-se apenas dois: um que retornou à costa nadando e uma mulher que havia sido retirada horas antes da partida e levada a um hospital para dar à luz. Seu filho nasceu morto.

Durante as negociações sobre o destino dos refugiados surgiram várias alternativas. Uma delas seria salvar 70 crianças de 11 a 16 anos enviando-as por terra à Eretz Israel. O governo turco não quis responsabilizar-se por esta ação e os ingleses alegaram não ter meios de efetuar o transporte. Todas as crianças se afogaram. Após o naufrágio surgiram algumas hipóteses sobre o que teria provocado a explosão na casa de máquinas. Uma dessas é que o navio tenha sido atingido por um torpedo lançado por um submarino russo. Esta informação consta de um relatório militar da então União Soviética, segundo o qual três membros da tripulação distinguiram-se por afundar um navio. Posteriormente, os russos insistiram em afirmar que os passageiros do Struma eram agentes nazistas que tentavam infiltrar-se no Oriente Médio.

Forte repercussão

A tragédia do Struma provocou muitas reações violentas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Albert Einstein afirmou que este episódio foi "um golpe no coração da nossa civilização". Eleanor Roosevelt perguntou por que se proibir os refugiados de entrar na Eretz Israel se nem a cota mínima havia sido preenchida. O Escritório Britânico das Colônias reagiu às críticas e condenações dizendo que o navio, por ter vindo de um porto do leste europeu, poderia ter agentes nazistas infiltrados. O historiador britânico e sionista Lewis Namier ressaltou, no entanto, que refugiados poloneses, iugoslavos, checos e gregos vindos da mesma região que o Struma haviam sido admitidos na Eretz Israel.

Posteriormente, um documento expedido pelo Ministério das Relações Exteriores britânico reconheceu que os refugiados do Struma não puderam chegar ao seu destino para não provocar uma repercussão negativa em meio à população não judaica da Eretz Israel. "Abrir exceções poderia desequilibrar a situação na região", afirmou o documento. No entanto, numa tentativa de melhorar sua imagem junto à opinião pública, os britânicos decidiram modificar sua política e permitir que navios de refugiados atracassem na Eretz Israel.

Os passageiros seriam detidos em campos por questões de segurança e, após uma investigação, gradativamente libertados. Tal medida, no entanto, não poderia ser divulgada, pois os britânicos alegaram que os alemães poderiam enviar não apenas agentes infiltrados, mas também qualquer pessoa que considerassem não-grata nos territórios sob seu controle. Conseqüentemente, poucos judeus usufruíram dessa política justamente por não ter sido divulgada.

Assim, o Mossad e os movimentos sionistas continuaram a sua luta com um objetivo primor-dial: agir contra a política britânica de imigra- ção e salvar o maior número possível de refugiados, tirando-os das garras da máquina mortífera nazista.

O trágico destino do Struma pode ser recons-tituído graças à uma expedição à Turquia que foi organizada por várias entidades, entre as quais o Museu do Holocausto dos Estados Unidos e o Museu e Fundação Cultural Rahmi M. Koç. A missão visava a recuperação dos destroços.

No início de setembro, cerca de 70 pessoas do mundo inteiro participaram de um serviço em memória das vítimas do Struma e lançaram flores ao mar.