No início da década de 1950, o Affaire Finaly foi o principal assunto na vida pública francesa. O caso envolvia a disputa legal pela guarda de duas crianças judias, Robert e Gérard Finaly, cujos pais haviam perecido em mãos dos nazistas.

O caso parecia ser uma das tantas disputas judiciais de custódia de crianças judias surgidas no pós-guerra. De certa maneira, até mais simples do que outros, já que todos os protagonistas haviam sido identificados e os desejos dos pais claramente expressos. No entanto, os meninos haviam sido batizados e, para reavê-los, a família teve que empreender uma verdadeira batalha contra a Igreja Católica e a opinião pública francesa.

L' Affaire Finaly acabou tornando-se "uma tempestade religiosa na França do pós-guerra", como escreveu na época o New York Times, polarizando a nação em dois campos distintos - conservadores e progressistas. As vertentes católicas mais radicais estavam em conflito frontal com o Direito Civil. Nos anos após a 2ª Guerra, antes do Concílio Vaticano II, as relações entre os judeus e a Igreja Católica estavam estremecidas. Na França, o clima era muito tenso. Os judeus franceses se sentiam traídos pelo governo anti-semita e colaboracionista de Vichy, que governou o sul da França após a capitulação do país perante o exército de Hitler, em junho de 1940. Chefiado pelo Marechal Pétain, o Regime de Vichy atuara ativamente ao lado da Gestapo na detenção e deportação em massa de judeus e outros "inimigos" do Terceiro Reich. Durante a Shoá, foram mortos 75 mil judeus franceses, ou seja, mais de um quarto da população judaica do país.

Os cidadãos franceses passaram a ajudar os judeus, principalmente a partir de 1942, quando se intensificaram as deportações. Em setembro daquele ano, o Rabino Jacob Kaplan, futuro Rabino-Chefe da França, armado de documentos sobre o massacre de judeus, foi ao Cardeal Pierre Marie Gerlier, Arcebispo de Lyon, que, até então, apoiava Pétain, para convencê-lo a protestar publicamente contra a política de Vichy. Em carta aberta, o Cardeal denunciou a perseguição e a entrega de judeus aos nazistas. Em seguida, pediu às ordens religiosas que os escondessem em seus conventos. Por seus esforços em prol do povo judeu, o Yad Vashem concedeu ao Cardeal, em 1981, o título de "Justo entre as Nações".

Padres católicos e pastores evangélicos liderados, entre outros, por Padre Pierre Chaillet - também agraciado pelo Yad Vashem em 1981 - montaram uma organização clandestina para ajudar os judeus. Várias ordens religiosas, como a Notre Dame de Sion, esconderam em suas instituições centenas deles. Entre os franceses que atuavam na organização estava a jovem católica Germaine Ribiére. Por sua intrépida atuação, Germaine também recebeu do Yad Vashem, em 1967, o título de "Justa entre as Nações". Tanto ela quanto o Cardeal Gerlier, o Padre Chaillet e o Rabino Kaplan teriam importante participação durante o Affaire Finaly.

Quem eram os Finaly

Fritz (Friedrich) Finaly nasceu em Viena, em 1906, no seio de uma tradicional família judaica, de considerável fortuna. Era o caçula dos cinco filhos de Samuel e Berta Finaly. Após se formar na Faculdade de Medicina de Viena, começa a clinicar e, em 1938, casa-se com Anni Schwartz. Em março daquele mesmo ano, Hitler anexa a Áustria e os judeus austríacos passam a ser alvo de violência e leis discriminatórias.

No início de 1939, os irmãos Finaly deixam a Áustria, excetuando-se Richard, que fica em Viena. Margarete e Louise se estabelecem, com marido e filhos na Nova Zelândia, e Hedwige na então Palestina. Fritz e Anni seguem para a França na esperança de embarcar no navio que estava para partir do porto de La Rochelle, com destino à Bolívia. Mas a viagem é cancelada e o casal resolve se fixar em La Tronche, perto de Grenoble, no sudeste da França.

No dia 1º de setembro de 1939 é deflagrada a 2ª Guerra Mundial. O Dr. Fritz Finaly, cidadão de um país em guerra contra a França, é detido num campo de trabalho perto de Grenoble. Libertado, volta para La Tronche. Em junho de 1940, a França já estava sob domínio alemão.

Em Grenoble, que se encontrava sob o governo de Vichy, a Resistência contra a ocupação alemã era muito atuante e eram raras as incursões da polícia francesa para capturar os judeus e outros "indesejáveis". Apesar de não correr perigo imediato, a vida não era fácil para o casal Finaly. Sendo judeu, Fritz não podia exercer legalmente sua profissão em virtude das leis raciais instituídas por Vichy, mas graças à ajuda de colegas não-judeus atendia clandestinamente.

Em abril de 1941, o casal teve seu primeiro filho, Ruben, que passou a ser chamado de Robert. O segundo, Guedalia, chamado de Gérard, veio ao mundo em julho do ano seguinte. Apesar dos perigos, Anni e Fritz fizeram circuncidar seus dois filhos oito dias após seu nascimento, como determina a Lei judaica. O cumprimento desse mandamento iria refutar todas as futuras alegações de que era desejo dos pais criarem seus filhos como cristãos.

Em novembro de 1942, forças alemãs e italianas ocupam o sul da França. Grenoble fica sob jurisdição italiana até setembro de 1943, quando os alemães tomam a cidade. Temendo ser detidos e deportados pela Gestapo, Fritz e Anni escondem os filhos na Creche São Vicente de Paula. Encarregam uma amiga não-judia, Marie Poupaert, de cuidar das crianças e entregam a outro amigo documentos e fotografias, assim como endereços das três irmãs de Fritz: Margueritte Fischel e Louise Rothbaum, que viviam na Nova Zelândia, e Hedwige Rosner, que vivia na então Palestina, e do irmão de Anni, Otto Schwartz, que, na época, estava em Xangai.

Em 14 de fevereiro de 1944 a Gestapo prende o Dr. Fritz e sua mulher e os envia ao campo de deportação de Drancy, onde ficam até o dia 7 de março, quando são despachados para Auschwitz - de onde não voltariam.

Assim que seus pais são detidos, Robert e Gérard são levados para o Convento de Notre Dame de Sion, em Grenoble. No entanto, sendo os dois meninos de idade inferior às outras crianças que estudavam na instituição - Robert estava com dois anos e meio e Gérard, com um e meio, as freiras os escondem na creche municipal de Grenoble. A diretora, Antoinette Brun, os acolhe pessoalmente. Na realidade, ela já tinha outros judeus escondidos em sua casa de campo, em Vifn.

França libertada

Em agosto de 1944, a França é libertada pelos aliados. Em fevereiro do ano seguinte, a guerra ainda não terminara e o prefeito de La Tronche recebe uma carta da irmã mais velha de Fritz Finaly, Margarette Fischel, em busca de informações. O prefeito, que conhecera pessoalmente o médico, respondeu-lhe que, infelizmente, ele fora deportado juntamente com sua esposa, Anni. Mas que seus filhos, Robert e Gérard, estavam bem, e viviam na creche municipal dirigida por Mlle. Brun. "No caso de uma catástrofe", escreveu-lhe o prefeito, "o maior desejo de seu irmão era que você ficasse com os meninos".

Na mesma época, Margarette recebe uma carta de um judeu, amigo de seu irmão, que, entre outras informações, lhe revela que Fritz pedira a uma amiga católica, Marie Poupaert, que cuidasse de seus filhos. Terminou a carta confirmando o desejo de Fritz e Anni de que "as crianças sejam confiadas à sua guarda".

Imediatamente, Margarette escreveu para Marie Poupaert e Mlle. Brun, agradecendo imensamente tudo o que tinham feito por seus sobrinhos e revelando sua intenção de levá-los para a Nova Zelândia. Iniciou, também, os preparativos nesse sentido e, em maio de 1945, já tinha em mãos os vistos de entrada em nome dos meninos.

Era julho, Marie Poupaert respondeu anunciando que Antoinette Brun queria ficar com as crianças, mas "como o Dr. Fritz lhe pedira para escondê-las e, no final da guerra, entrar em contato com Margarette, ela não queria influenciar qualquer decisão". Ao perceber que não seria fácil reaver os sobrinhos, Margarette entra mais uma vez em contato com Mlle. Brun e, em paralelo, escreve à Procuradoria de Grenoble, pedindo a guarda dos sobrinhos e que lhes facilitassem a partida. Mas não obtém resposta. Antoinette Brun finalmente responde em carta datada de novembro de 1945, na qual diz: "Seguindo minha consciência, e pelo fato de ser católica, assumi a total responsabilidade por seus sobrinhos, com todos os riscos que essa atitude envolvia. Esperava devolvê-los a seus pais e, em caso contrário, criá-los. Seus sobrinhos são judeus, isto é, eles permaneceram com a sua própria religião". Acrescentava, ainda, que o "único sentimento que a movia era a afeição que nutria por eles". Concluía afirmando que "as crianças eram ainda muito pequenas para empreender uma viagem tão longa. Melhor seria que Margarette adiasse um pouco mais os seus planos". Antoinette, no entanto, não tinha a menor intenção de entregar os meninos aos familiares. Naquele mesmo novembro, ela pediu à Corte Distrital de Grenoble, a reunião de um Conselho Tutelar Provisório. Matreiramente, indicou que este fosse constituído por quatro judeus amigos do casal Finaly que não sabiam que Margarette Fischel estava em contato com ela há seis meses e que já solicitara a guarda dos sobrinhos. O Conselho, obviamente, deu a custódia temporária de Robert e Gérard Finaly à Antoinette Brun.

Sem saber da concessão da custódia e ainda na esperança de convencer Mlle. Brun, Margarette volta a lhe escrever: "Sabemos, agora, que é à Srta. que devemos toda a nossa gratidão por ter salvo nossos sobrinhos, apesar do grande perigo que tal ato representava. Contudo, imploramos que entenda nossa posição. Era desejo de meu irmão e minha cunhada que nós ficássemos com a guarda de seus filhos, caso algo lhes acontecesse. Seu último desejo é sagrado para nós". Não obteve resposta; nunca mais obteve resposta alguma de Mlle Brun.

Nos três anos seguintes, entrou em contato com autoridades e instituições. No final de 1946, a Cruz Vermelha de Grenoble informa-lhe que Brun se tornara a tutora dos meninos e que se recusava a entregá-los. Os Fischel conseguiram a intervenção do Ministro do Exterior da Nova Zelândia e do bispo de Auckland, mas Antoinette Brun continuava irredutível. Em julho de 1948, as irmãs de Fritz Finaly decidem que Hedwige Rosner, que vivia no recém-criado Estado de Israel, daria continuidade à luta pela custódia dos sobrinhos. Vivendo mais perto da França, Hedwige poderia agir mais facilmente. Os Rosner pedem a ajuda de Moise Keller, um engenheiro químico que vivia em Grenoble, dando-lhe uma procuração para atuar na questão das crianças. Apesar de suas responsabilidades profissionais e familiares, Keller concordou e, literalmente, dedica mais de cinco anos de sua vida ao caso.

No primeiro encontro que tem com Antoinette Brun, ao saber a quem ele representava, ela o agride verbalmente, aos gritos de "Judeus, covardes e mal-agradecidos, ao menor perigo vocês fogem assustados, deixando seus filhos ao cuidado de outros. E agora, têm o descaramento de pedir que eu os devolva?... Jamais devolverei essas crianças! ... A única coisa que posso lhe dizer e que, com certeza, irá agradá-lo, é que eu os batizei. Fiz de ambos dois pequenos católicos".

A revelação foi um choque. Keller sabia que apenas uma ordem judicial poderia forçar Antoinette Brun a devolver Robert e Gérard à sua família de direito. Mas não seria fácil obtê-la, pois ao batizar as crianças secretamente, ela automaticamente conquistara o respaldo da Igreja Católica.

O Rabino Haim Korsia explica, em seu recente livro, Être Juif en France: Jacob Kaplan, le Rabin de la République, que "uma criança batizada pertencia à Igreja, independentemente da sua origem ou das circunstâncias do batismo. Durante a 2ª Guerra Mundial, os bispos franceses sabiam disso, dando, então, instruções ao Clero para evitar o batismo de crianças judias. Mas, para aquelas que tinham sido batizadas, a regra era clara: elas pertenciam à Igreja". Ademais, de acordo com as leis eclesiásticas, as crianças recém-convertidas podiam ser retiradas de suas famílias judias. Um dos casos mais conhecidos e dolorosos foi o Caso Mortara, de 1858. Um documento descoberto em 2005 no Centro Nacional dos Arquivos da Igreja da França veio confirmar essa política. Datado de 23 de outubro de 1946, continha "instruções elaboradas pelo Santo Ofício e aprovadas por Pio XII", a respeito de casos de crianças judias salvas em abrigos e conventos católicos, cuja restituição era reclamada por familiares e instituições judaicas. As instruções do Vaticano eram claras: "Não se deve dar respostas escritas às autoridades judaicas, mas explicar que a Igreja avaliará caso a caso; as crianças batizadas podem ser entregues apenas a instituições que garantam sua educação cristã; as crianças que 'já não tiverem pais' não devem ser restituídas, e os pais eventualmente sobreviventes poderão reavê-las apenas se não tiverem sido batizadas".

A disputa pela custódia de Robert e Gérard

A disputa legal Rosner-Finaly x Antoinette Brun pela custódia de Robert e Gérard durou cinco anos. Em 1949, o Conselho Tutelar Provisório, convocado, desta vez, por Moise Keller, entregou a guarda de Robert e Gérard à Hedwige Rosner, dando autorização a Keller para recuperá-las. No entanto, Antoinette Brun se recusa a entregá-las e consegue a anulação da decisão. Até junho de 1952, os advogados de Brun conseguem anular todos os veredictos desfavoráveis.

Nesses primeiros quatro anos, Keller lutou praticamente sozinho nos tribunais. Era ele que publicamente rebatia todas as acusações contra a família Finaly e que criou o Comitê em Defesa das Crianças Finaly para arrecadar fundos para a dispendiosa campanha legal. O caso consumia todo o seu tempo, ao ponto de ter que fechar sua bem-sucedida empresa.

A disputa legal chega perante o Tribunal de Recursos em junho de 1952. Em sessão a portas fechadas, os meninos revelam que "Mama Brun" só os via uma ou duas vezes por ano. Descobriu-se, mais tarde, até 1946, quem cuidava deles era Marie, empregada de Antoinette. Brun. A partir dessa data, ficaram sob os cuidados de freiras e padres, em diferentes internatos e escolas religiosas. O tribunal sentencia a favor de Hedwige Rosner. Mas, mais uma vez, a acusada não devolve os meninos. Membros da Igreja católica francesa e, em especial, da ordem de Notre Dame de Sion, se incumbem de esconder os meninos sob nomes falsos em instituições religiosas de Lugano, Paris, Marselha e Bayonne.

Após o seqüestro dos meninos, o caso adquire uma nova dimensão, tornando-se uma confrontação entre o direito civil e as leis eclesiásticas, num país que pregava a separação entre a Igreja e o Estado.

Em novembro desse mesmo 1952, Antoinette Brun comparece perante um tribunal penal para responder à acusação de não ter entregado os meninos Finaly. Ela alega que, até 1950, os familiares dos menores não haviam entrado em contato com ela. O batismo das crianças é mencionado como sendo um elemento importante no caso. Sem sequer examinar as provas apresentadas pelos advogados dos Finaly-Rosner, esse tribunal se pronuncia contra a decisão do Tribunal de Recursos.

No entanto, Keller não está mais sozinho em sua luta. A comunidade judaica francesa, assim como organizações judaicas nacionais e internacionais, unem-se em torno das reivindicações da família Finaly. O caso torna-se um símbolo da luta empreendida pelo Povo Judeu para reaver as centenas de crianças judias órfãs que, escondidas durante a Shoá em conventos e orfanatos, ainda não haviam sido devolvidas. O Consistório Central dos Judeus Franceses pede ao Rabino-chefe Jacob Kaplan para atuar no caso. O Rabino começa a negociar com a Igreja, representada pelo Cardeal Gerlier, que assumira a responsabilidade pelo caso. Como vimos acima, as relações entre os dois líderes religiosos datavam da época de Vichy.

O respeitado advogado Maurice Garçon aceita representar os Rosner-Finaly no julgamento perante o Tribunal de Recursos de Grenoble, marcado para janeiro de 1953. Católico devoto, Garçon mostra ao Tribunal os perigos que rondavam a democracia francesa e os direitos civis e religiosos de seus cidadãos. Tentando explicar o porquê das ações de Mlle. Brun, ele diz: "Ela se convenceu de que conquistar duas almas judias para o D'us dos católicos era uma boa ação, e sua intolerância religiosa a leva a tais extremos que a fazem desafiar as leis humanas e divinas... Lamento profundamente, em nome da religião que é a minha, e à qual você (Antoinette Brun) dá esta face de intolerância, justamente na esteira dos horrores nazistas". Declarada culpada, Antoinette é detida, mas, ainda assim, não revela o paradeiro dos meninos.

No mês seguinte descobre-se que Robert, na época com 12 anos e Gérard com 11, estavam em uma escola católica em Bayonne, para onde haviam sido levados por uma freira da Ordem de Notre Dame de Sion, em Grenoble. O Padre Sillouette, diretor do internato, alertara as autoridades. Parecia que, após oito anos, o caso estava resolvido. Mas, quando, em 3 de fevereiro, Keller chega a Bayonne para buscar os meninos, já não os encontra.

Um inquérito policial acabou descobrindo que os meninos haviam sido levados por membros do clero francês e basco. Robert relata em seu diário a fuga para a Espanha, em uma noite gélida, sob uma tempestade de neve. Descreve como atravessaram os Pireneus, a pé, calçando sapatos de passeio. Ao chegar à região basca, foram levados à Espanha, onde foram separados e enviados a aldeias diferentes. Foram momentos difíceis para os dois irmãos.

A notícia do rapto foi manchete dos jornais franceses no dia seguinte, 4 de fevereiro de 1953, com as fotos de Antoinette Brun, da Madre Superiora Antonine e uma freira de Notre Dame de Sion, em Grenoble, que haviam sido detidas pela polícia. Nas semanas seguintes, seis membros do clero basco e francês também foram presos, sob acusação de cumplicidade no seqüestro dos meninos. Apesar da admissão de culpa, todos foram soltos poucos dias mais tarde. Mais do que o desaparecimento das crianças, foi a prisão de membros do clero o que desencadeou um debate que iria dividir a França.

A França dividida

A mídia transformou o caso em um evento de âmbito nacional, que trouxe à tona muitas emoções e profundos cismas e preconceitos. Durante a intensa campanha, antigos estereótipos anti-semitas voltaram a ser uma constante nos veículos de divulgação desse país.

A imprensa francesa, assim como a França inteira, estava dividida. De um lado, os jornais conservadores, católicos e protestantes apoiavam Antoinette Brun e o clero. Encontravam "razões" morais e teológicas para desculpar as ações dos acusados. Alguns católicos mais conservadores chegavam a questionar se, em certos casos, a lei eclesiástica deveria sobrepor-se à lei civil. A imprensa liberal e os jornais judaicos apoiavam os Finaly. Viam no rapto um ato criminoso e condenavam a Igreja por reconhecer a validade de um batismo ilegal e por fomentar a remoção de crianças recém-convertidas de suas famílias judias. Apenas membros mais liberais do clero, que julgavam ter sido ilegal o batismo das crianças Finaly, queriam que fossem devolvidas à sua família.

Os partidários dos Finaly sabiam que era vital conseguir o apoio da opinião pública e desmentir as falsas informações que circulavam na imprensa. Os principais jornais descreviam Antoinette Brun como "mãe carinhosa, uma francesa corajosa, que, após salvar a vida das crianças, estava sendo injustamente hostilizada". Quanto à família Finaly, esta era acusada de ter ignorado, durante anos, a sorte dos meninos.

O rabino Kaplan emitiu, então, um comunicado em que afirmava que os judeus, de modo geral, e a família Rosner-Finaly, em particular, eram imensamente gratos às instituições católicas e a todos - católicos, protestantes, ateus ou agnósticos, que arriscaram a vida para salvar os judeus perseguidos. Isso certamente incluía Antoinette Brun. Contudo, sua corajosa atitude não lhe dava o direito de impor sua crença aos dois órfãos, contra a explícita vontade de seus pais assassinados - quanto mais de privá-los do direito ao amor e cuidados de sua família de sangue. Ainda rebatia as acusações que circulavam na mídia, esclarecendo que Robert e Gérard tinham sido circuncidados ao nascer, e que Fritz e Anni Finaly nunca haviam pedido que fossem batizados. Esclarecia também que Margarette Fischel contatara Mlle. Brun no início de 1945, e não em 1950, reivindicando a guarda das crianças; a alegação de que Mlle. Brun criara os meninos ou de que tivesse por eles "amor maternal" era falsa, pois raramente os via. Ressaltava ainda que ela os batizara em 1948, três anos após ter sido contatada pelos familiares, portanto, à revelia dos mesmos.No mês de janeiro daquele mesmo ano de 1953, a preocupação com L'Affaire Finaly levou o Cardeal Gerlier a Roma, para tratar do assunto diretamente com o Papa Pio XII. Após sua visita, a Santa Sé transmitiu sua determinação em missiva, afirmando que, em decorrência do batismo, as duas crianças pertenciam à Igreja e, como sua fé estaria ameaçada se fossem devolvidas à "tia israelense", a Igreja tinha a "obrigação" de resguardá-las. Ainda pedia que Mlle. Brun resistisse a qualquer ordem judicial pedindo a devolução dos meninos, pois estas violavam "os direitos da criança". O Cardeal Gerlier e o Vaticano se comunicaram várias vezes sobre o Caso durante 1953-1954.

Após o silêncio do Vaticano durante o Holocausto, o mundo judaico via as atitudes das autoridades religiosas no caso Finaly com grande consternação. Em fevereiro de 1953, durante uma entrevista, o rabino Jacob Kaplan declarou: "O que nos deixa abatidos é o silêncio das autoridades religiosas. Temos a certeza que, se o mais alto representante da Igreja francesa publicasse uma denúncia sobre o rapto e afirmasse claramente que a Justiça se havia pronunciado, as crianças voltariam para sua família." Logo após, o Bispo Caillot, de Grenoble, fez um apelo pelo rádio, o primeiro e único, pedindo que se apresentasse quem tivesse qualquer informação sobre o paradeiro dos meninos. Em março, Padre Chaillet e Germaine Ribière, ambos respeitados na comunidade judaica por sua atuação durante o Holocausto, passam a agir no caso. Em suas memórias, Germaine revela que, ao ler a carta de janeiro da Santa Sé, ficou petrificada, incrédula de ver que uma declaração daquelas podia ter sido escrita após a Shoá. Padre Chaillet propõe ao rabino Kaplan um acordo para agilizar a devolução das crianças. Mas, apesar de os Finaly terem aceitado os termos, as crianças - que na época estavam com os padres bascos - não foram devolvidas. A Espanha de Franco, conhecida por sua ideologia católica ultraconservadora, dificilmente aceitaria devolver os dois meninos batizados à sua verdadeira família judia, em Israel.

Em março, o Cardeal Gerlier pede a Germaine Ribière para negociar o regresso das crianças. Ela faz oito viagens à Espanha, inclusive entrando em contato direto com padres bascos hostis ao governo espanhol. Em 26 de junho de 1953, ajudada pelo padre basco, Pe. Elizondo, Germaine finalmente cruza a fronteira francesa com os dois meninos. Em Saint-Leonard, Robert e Gérard juntam-se a Moise Keller e a outro amigo da família.

Em julho de 1953, Robert e Gérard vêem-se - pela primeira vez em nove anos - frente a frente com um membro de sua própria família. Sua tia, Hedwige Rosner, viera de Israel para encontrá-los. Ao lembrar esse primeiro encontro, Keller conta como os meninos, após uma pequena hesitação, atiraram-se ao pescoço da tia, e ele a ouviu murmurar, em lágrimas: "Eles são a cara dos pais, como duas gotas d'água". Aqueles meninos, que tinham ouvido dizer, repetidamente, que seus pais não se importavam com eles, agora viam uma tia que se desmanchava, ali, na sua frente, em profundo carinho e afeto por eles...

No dia 26, sob um manto de sigilo, um avião da El Al parte do aeroporto de Paris com destino a Tel Aviv, levando a bordo Hedwige Rosner e Robert e Gérard Finaly. Nesse dia, todas as ações judiciais ainda pendentes foram encerradas.

Toda Israel comemorou sua chegada. Em Gedera, os alunos das escolas se perfilaram nas ruas para recebê-los com ramos de flores. Um fluxo interminável de visitantes, jornalistas, ministros e representantes de governos de vários países, além de uma enorme quantidade de presentes não paravam de chegar à casa dos tios dos garotos.

A adaptação inicial de Robert e Gérard a Israel não foi fácil, como era de se esperar. Durante anos eles tinham vivido em instituições católicas religiosas; Robert, inclusive, estava sendo encaminhado para ser padre. Ademais, os meninos haviam aprendido todo tipo de estereótipos judaicos negativos. Anos depois, Robert falaria das dificuldades de sua transição da "a única religião da verdade, o catolicismo", para o judaísmo.

Além do apoio de seus tios e primos, os dois jovens receberam a orientação de psicólogos da Aliá Juvenil e do renomado psicólogo Reuven Feuerstein. Um ano mais tarde, a identidade judaica dos meninos já se havia consolidado e, em 1954, Robert celebrou seu bar-mitzvá. Em 1955, foi a vez de Gérard, que, desde sua chegada, adotara o nome Gadi.

Ao lhe perguntarem sobre a batalha de sua família para reavê-los, tanto Robert quanto Gérard Finaly sempre responderam que estavam felizes por terem retornado ao judaísmo e por terem sido criados pelos tios, Hedwige e Moshe Rosner.

Até hoje, Robert e Gérard vivem em Israel. Robert tornou-se um respeitado médico, como seu pai havia sido. Casou-se com Ann, com quem tem dois filhos. Gadi, oficial da reserva das Forças de Defesa de Israel, foi durante anos um dos diretores de uma empresa de telecomunicações. Casou-se com Ilana e eles, também, têm dois filhos.

Bibliografia

Lazarus, Joyce Block, In the Shadow of Vichy - The Finaly Affair - with a Foreword by Robert Finaly, Ed. Peter Lang Publishing

Rosner, Michael, A Personal Look at the Finaly

Children Affair - a Tragic Holocaust Byproduct with a Fortunate Ending, artigo publicado em março de 2005 www.isurvived.org/2Postings/Finaly-affair.html

Nicolas, Baudy, The Affair of the Finaly Children: France Debates a Drama of Faith and the Family, artigo publicado na revista Commentary, em junho de 1953

Ponjol, Catherine, Les Enfants Cachés, L'Affaire Finaly, edição Berg

L'Affaire Finaly, documentário escrito por Alain Moreau, Noel Mamere, David Korn-Brzoza