Harry S. Truman jamais imaginou que algum dia seria presidente dos Estados Unidos. Entretanto, foi o protagonista de alguns dos momentos mais dramáticos e determinantes da marcha da história no século 20.

Truman assinou a rendição do Japão e da Alemanha nazista após a 2ª Guerra Mundial; tomou a amarga decisão de lançar a primeira bomba atômica; sob sua liderança foram instituídas as Nações Unidas e a Organização de Defesa do Atlântico Norte (OTAN); implementou o Plano Marshall de recuperação industrial da Europa Ocidental; expandiu os planos econômicos e sociais formulados e postos em prática no New Deal por Franklin D. Roosevelt, seu antecessor; enfrentou o comunismo na guerra da Coréia; ignorou os argumentos anti-sionistas dos conselheiros da Casa Branca e dos diplomatas do Departamento de Estado, reconhecendo a independência do Estado de Israel no mesmo dia da sua criação.

Harry Truman, nascido em 1884 na cidade de Independence, estado de Missouri, era de religião batista e tinha profunda devoção pelos ensinamentos bíblicos que, em considerável parte, viriam a orientar todo o seu comportamento com relação ao Povo Judeu. Em novembro de 1944, o presidente Roosevelt disputaria seu quarto mandato. Apesar de já estar há 12 anos no poder, as guerras na Europa e no Pacífico ainda estavam em curso e os americanos julgavam que seria desaconselhável mudar a chefia do governo. Mas, no plano interno e, a despeito do conflito, os bastidores do Partido Democrata estavam pegando fogo porque não havia um só nome que fosse aceito para a vice-presidência. Depois de ácidas desavenças, o consenso acabou convergindo para Harry Truman, até então um senador por seu estado natal, de pouca visibilidade. Roosevelt veio a falecer no dia 12 de abril de 1945, cabendo a Harry S. Truman ocupar a Casa Branca.

Justamente naquele mês de abril os Estados Unidos e o mundo começaram a tomar conhecimento dos horrores do Holocausto. Havia centenas de milhares de sobreviventes que, na condição de refugiados, estavam sob a responsabilidade dos Estados Unidos na Áustria e na Alemanha. Truman, ainda vice-presidente, se indagava sobre o que poderia ser feito em face daquela sombria realidade. Pediu, então, a alguns amigos militares que fizessem uma indagação informal destinada a apurar o que aquela gente em farrapos pretendia daquela hora em diante. A maioria respondeu: “Queremos ir para Eretz Israel”. Isto significou para o presidente, assim que tomou posse, uma grande dor de cabeça.

 Os americanos tinham lutado ao lado dos ingleses na guerra e com eles mantinham uma importante aliança política e estratégica nos desdobramentos do pós-guerra. Contudo, no que dizia respeito à então Palestina, Harry Truman e Clement Atlee, primeiro-ministro britânico, tinham convicções opostas. Os ingleses permaneciam irredutíveis no cumprimento do White Paper, o documento de seis anos atrás que impedia a imigração de judeus para a então Palestina.

Àquela altura, Truman, presidente inesperado, que mal conhecia os corredores da Casa Branca, viu-se no centro de um declarado conflito entre o Departamento de Estado e a comunidade judaica americana. O Departamento de Estado estava convencido, de forma pragmática, que a criação de um estado judeu na então Palestina prejudicaria em grande escala o relacionamento do país com as nações árabes, estas dominantes no Oriente Médio e fornecedoras de maciças quantidades de petróleo. A maior parte da comunidade judaica, que até então se considerava mais americana do que judaica, passou a apoiar o sionismo, posição que se estendeu à grande parte da opinião pública dos Estados Unidos.

Harry Truman, ao tomar posse, tinha muito mais perguntas do que respostas e mais incertezas do que certezas. No entanto, no tocante à então Palestina, julgava que seria capaz de encontrar uma solução. Em suas memórias, escreveu que, ao assumir a presidência, não pretendia seguir uma política judaica, nem uma política árabe, mas uma política americana voltada para uma solução pacífica naquela conturbada região do mundo, “uma política que mantenha as promessas feitas e que atenue a miséria humana”.

Na verdade, antes que Truman chegasse à Casa Branca, boa parte da comunidade judaica americana já estava mobilizada em favor do sionismo. Em 1943, ocorrera um encontro entre americanos e ingleses, em Hamilton, nas Bermudas. Um dos itens a serem discutidos dizia respeito a possíveis medidas que impedissem o massacre de inteiras populações judaicas na Europa. Dentre os presentes à Conferência, estava um judeu chamado Shmuel Ziguelboim, na qualidade de representante do governo polonês no exílio. Ziguelboim fez dramáticos apelos aos militares e diplomatas enviados às Bermudas, revelando-lhes o genocídio que estava sendo perpetrado nos campos de concentração nazistas. Ao fim da Conferência, a premência do salvamento dos judeus sequer chegou a ser incluída na pauta dos trabalhos. Ali mesmo, decepcionado, amargurado e revoltado, Shmuel Ziguelboim se suicidou.
           
O Ishuv (judeus residentes na antiga Palestina) decidiu que não era mais tolerável esperar pela ajuda dos aliados para resgatar os judeus. Os mais exaltados foram os integrantes do movimento revisionista, que seguia os princípios formulados pelo líder sionista Vladimir Jabotinsky, concretizados no Irgun, que inclusive já pegara em armas contra os mandatários ingleses. Foi enviado, então, aos Estados Unidos, um jovem de origem lituana, chamado Hillel Kook. Ao desembarcar em Nova York, adotou o nome de Peter Bergson, para não causar problemas para sua família, porque era filho de Rabi Abraham Isaac Kook, o rabino-chefe da então Palestina. Rapidamente, assimila as bem sucedidas técnicas americanas nos setores da publicidade e do entretenimento, arrecadando fundos, criando comitês de judeus e não judeus e publicando anúncios, que clamavam pela existência de um Estado judaico na então Palestina, nos principais jornais dos Estados Unidos. Obteve a adesão de Ben Hecht, aclamado dramaturgo e roteirista em Hollywood, e de Billy Rose, um dos mais importantes nomes da Broadway, que produziu um grandioso espetáculo, intitulado Nós Jamais Morreremos, que lotou o Madison Square Garden, em Nova York, e saiu em excursão por diversos estados americanos, sendo aplaudido por mais de cem mil espectadores. Constavam do elenco dois astros consagrados do cinema, Edward G. Robinson e Paul Muni, e um ator principiante, Marlon Brando.

A primeira decisão de Truman na Casa Branca teve a ver com o assunto com o qual estava menos familiarizado, a política externa. Constava da agenda de Roosevelt que o presidente viajaria no dia 25 de abril para São Francisco, onde aconteceria a primeira reunião referente à formação da Organização das Nações Unidas. A Comissão de Relações Exteriores do Senado recomendou, sob algum pretexto, que a reunião fosse adiada. Os senadores da Comissão achavam que o inseguro novo presidente não daria conta do recado.

Entretanto, Truman afirmou que viajaria, convocou o gabinete e disse aos presentes: “Enquanto eu for presidente, vou querer ouvir as opiniões dos senhores, mesmo que sejam diferentes das minhas. Porém, as decisões finais serão sempre minhas”. Dois judeus, que viriam a ter atuações relevantes na questão da então Palestina, integravam o gabinete: Samuel I. Rosenmann, juiz de direito, e David K. Niles, brilhante analista político e ex-conselheiro de Roosevelt. Anos mais tarde, Rosenmann escreveu: “Antes que Hitler chegasse ao poder, eu era anti-sionista. Depois, fui não sionista. Quando a guerra acabou, passei a ter profunda convicção no sionismo político”. Ele e Niles não escondiam suas simpatias pelo sionismo, tal como exposto por Nahum Goldman, Chaim Weizmann e pela liderança da Agência Judaica, que priorizava a ação diplomática em vez da confrontação com os ingleses. Os dois assessores presidenciais também cultivavam sólida amizade com Felix Frankfurter, juiz da Suprema Corte e um dos mais destacados líderes sionistas americanos. Niles também era amigo do rabino Stephen Wise, notável batalhador pelo sionismo.

Partindo do princípio de que Truman havia apoiado causas judaicas em seu tempo de senador, o jovem Bergson escreveu uma carta para o novo presidente, pedindo que ele apoiasse a criação de uma tropa oriunda do Ishuv, a Brigada Judaica (ver reportagem A Gloriosa Brigada Judaica, Morashá 75), já que os ingleses relutavam em dar sua concordância neste sentido. Truman respondeu por escrito: “Creio que o melhor que os judeus podem fazer, é engajar-se nos exércitos aliados, assim como o fizeram na última guerra, quando se revelaram bravos combatentes”.

De qualquer maneira, a preocupação dos líderes sionistas, tanto na então Palestina quanto nos Estados Unidos, era como o novo ocupante da Casa Branca se comportaria com relação à criação de um estado judaico. Àquela altura, a Agência Judaica enviara aos Estados Unidos um competente emissário, chamado Eliahu Epstein. Este conversou com Louis Lipsky, proeminente líder sionista americano, a quem perguntou qual a sua impressão sobre o comportamento de Truman no tocante à causa sionista. Lipsky respondeu que, quando senador, Truman concordara em integrar o Comitê Americano Palestino, organização vinculada, abaixo da superfície, à Agência Judaica, e acrescentou: “Os ativistas que conheço se referem muito bem à sua integridade pessoal, senso de justiça e sentimentos de amizade e simpatia pelo Povo Judeu”. No entanto, igual posição não permeava o Departamento de Estado.

No dia 18 de abril, apenas três dias após a posse, o secretário de estado, Edward Stetinius, enviou um memorando ao presidente advertindo-o sobre a pressão que ele inevitavelmente sofreria “para facilitar a emigração de judeus para a Palestina e para endossar a criação de um estado judaico”. O último parágrafo dizia: “É mais conveniente que o senhor não faça qualquer pronunciamento sobre este assunto porque como os Estados Unidos têm interesses vitais naquela região, a questão deve ser tratada com extremo cuidado”. Dois dias depois, Truman concordou em receber uma delegação do Conselho de Emergência Americano Sionista, liderada pelo rabino Wise.

Entretanto, era um dia complicado na Casa Branca. Altas autoridades aguardavam audiências com o presidente, entre as quais o próprio secretário de estado. Truman passou à frente os representantes judeus, pedindo-lhes desculpas por não ter tempo para uma conversa mais demorada, mas podia adiantar que pretendia marcar novo encontro para bem se inteirar do assunto a ser tratado “porque tenho simpatia pela causa sionista”.

Anos mais tarde, Truman escreveu em suas memórias: “Enquanto falava com Wise, não podia deixar de me lembrar do memorando enviado por Stetinius. Portanto, tinha que agir com cautela. Para falar a verdade, eu realmente não estava bem informado sobre a complexa situação na então Palestina e decidi que seria mais produtivo encaminhar o assunto para os especialistas na Casa Branca e no Departamento de Estado”. Mesmo assim, chamou Rosenmann em particular e pediu sua opinião. O juiz lhe disse que não seria conveniente uma disputa com o Departamento de Estado, mas que, com efeito, ele podia sugerir a Clement Atlee que liberasse a emigração de cem mil refugiados para a então Palestina. Seria algo pequeno em face do imenso tamanho do problema. Tempo perdido. Os ingleses não retrocediam um só passo. Truman, no entanto, cumpriu sua palavra e recebeu mais uma delegação de ativistas tendo à frente os rabinos Wise e Abba Hilel Silver, este, outro gigante da causa sionista. Eles disseram ao presidente que temiam que os ingleses destruíssem o trabalho de toda uma geração de pioneiros radicados na Terra Santa, além de efetuarem prisões arbitrárias de funcionários da Agência Judaica. Na mesma hora, na presença de seus interlocutores, Truman telefonou para Atlee e pediu que as medidas contra o Ishuv fossem abrandadas.

O primeiro-ministro concordou, mas pouco de prático aconteceu e a situação piorou quando o célebre escritor e jornalista, Ben Hecht, engajado no Irgun, publicou um anúncio no jornal New York Herald Tribune,com o seguinte título: “Carta aos ‘Terroristas’ na Palestina”. Lia-se no texto: “Cada vez que vocês explodirem um arsenal britânico, ou descarrilarem um trem, ou roubarem um banco, ou dinamitarem uma prisão inglesa ou confrontarem os mandatários invasores de suas terras, os judeus americanos celebrarão um feriado em seus corações”. Pegou mal. A Inglaterra protestou junto ao Departamento de Estado, argumentando que se tratava de uma incitação para o assassinato de militares britânicos. E também protestou contra a crescente arrecadação de fundos para o Irgun, que, segundo a lei americana, era isento de imposto de renda.

Apesar de todas as intrincadas situações políticas, estratégicas e militares pertinentes ao Oriente Médio, Harry Truman tinha uma convicção íntima clara e objetiva: os sobreviventes do Holocausto mereciam ter um lugar para onde ir, mereciam ter uma pátria. No dia 2 de abril de 1947, sem avistar nenhuma luz no fim do túnel, o governo da Grã-Bretanha solicitou que a questão da então Palestina fosse incluída na pauta da Assembleia Geral marcada para setembro daquele ano. O embaixador britânico na ONU pediu, em sequência, que antes da reunião fosse criada uma comissão cuja missão seria apurar in loco o que ocorria naquela conflagrada parte do mundo. Assim foi criado o Unscop (na sigla em inglês), Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina, formado por representantes de nações neutras. Truman o apoiou. Depois de percorrer a então Palestina, o Comitê apresentou um relatório final recomendando a partilha do território em dois estados, um árabe, outro judeu.
           
Nos bastidores da ONU movimentavam-se em favor da partilha líderes judeus da estatura de Goldman, Shertok (depois Sharret) e o rabino Silver. Nessa atmosfera foi relembrado, com grandes esperanças, o nome do judeu Eddie Jacobson, com quem Truman tinha feito afetuosa amizade, ambos em uniformes militares, na Primeira Guerra Mundial. (Ver Morashá). Após o conflito, os dois montaram um negócio chamado Truman & Jacobson Gents’ Furnishing. Jacobson não era sionista, mas mudou de opinião depois do Holocausto. Quando Truman assumiu a Casa Branca, Jacobson ficou famoso. Centenas de pessoas passaram a procurá-lo, pedindo que ele intermediasse isso ou aquilo com o novo presidente. Ele jamais atendeu quem quer que fosse.
           
O general Marshall, então secretário de Estado, opunha-se à partilha e recomendava que as Nações Unidas instituíssem uma espécie de tutela na então Palestina. Contudo, a decisão de Truman estava assumida: não havia outra solução a não ser a partilha e esta foi a sua ordem expressa ao Departamento de Estado. Mas como tudo estava sendo tratado a portas fechadas, aumentava a pressão externa para que Truman aprovasse o relatório do Unscop.

Recebeu, naqueles dias, uma carta de seu velho amigo Eddie Jacobson: “Faço-lhe um apelo em nome do meu povo. O futuro de um milhão e meio de judeus refugiados na Europa depende do que será aprovado nas Nações Unidas. O inverno está chegando e é preciso aliviar o sofrimento daquela gente. De que maneira eles poderão sobreviver no frio, vai além da minha imaginação. Só há um lugar neste mundo para onde possam ir: a Palestina. Eu e você sabemos disso muito bem. Talvez eu seja uma dos poucos americanos que realmente sabe avaliar o enorme peso que agora recai sobre seus ombros. Portanto, eu deveria ser o último a fazê-lo pesar ainda mais. Mas sinto que você me perdoará porque a vida de mais de um milhão de pessoas dependem da sua palavra e do seu coração. Harry, meu povo precisa de socorro e eu apelo para que você o ajude”.
Pedindo para guardar confidencialidade, Truman foi conciso na resposta: “Como o assunto depende das Nações Unidas, não será adequado que eu intervenha no processo, mesmo porque são necessários dois terços dos votos da assembléia para que a partilha seja aprovada. O caso está entregue a Marshall e espero que ao final tudo dê certo”.

Dias depois, ainda por interferência de Jacobson, o presidente aceitou receber Chaim Weizmann em audiência. No dia 19 de novembro, Eliahu Epstein encontrou-se com Weizmann e o juiz Frankfurter no café da manhã. Juntos elaboraram um memorando que seria entregue ao presidente ao cabo da reunião. O documento enfatizava a absoluta necessidade de o deserto do Neguev estar dentro das futuras fronteiras do estado judeu, “porque somente através de Eilat e do Golfo de Akaba teremos acesso à navegação no Mar Vermelho”. O memorando acrescentava: “O próprio relatório do Unscop reconheceu a conexão histórica entre os judeus e aquele pequeno porto no Mar Vermelho”.

Weizmann foi recebido durante meia hora no Salão Oval da Casa Branca e, em vez de entregar o papel, resolveu tratar de tudo que era crucial em viva voz, estendendo um mapa na mesa do presidente. Referiu-se aos tempos de fazendeiro de Truman e, portanto, ele saberia compreender de que maneira os pioneiros judeus estavam fazendo verdadeiros milagres na agricultura, tornando férteis terras que estavam áridas por mais de cem anos. Na questão do acesso ao Mar Vermelho, explicou que se o Neguev não viesse a pertencer a Israel, continuaria relegado à condição de deserto. Weizmann escreveu em suas memórias: “Saí muito feliz daquela reunião. O presidente entendeu rapidamente o que eu lhe apontava no mapa e prometeu que levaria o assunto para a delegação americana nas Nações Unidas. De fato, Truman telefonou para Herschell Johnson, o embaixador americano na ONU, e deu-lhe ordens inamovíveis em favor de um Neguev israelense. No dia 29 de novembro, quando a partilha foi aprovada, o Times Square e arredores, em Nova York, tornaram-se um pandemônio. Milhares de pessoas cantavam e dançavam nas ruas enquanto eram pronunciados calorosos discursos dos líderes sionistas. Emanuel Neumann, um dos principais ativistas sionistas, falou no microfone: “Devemos essa decisão favorável das Nações Unidas em grande parte, talvez mesmo a maior de todas, aos esforços incansáveis do presidente Harry Truman”.

Nos primeiros dias de dezembro, Eddie Jacobson voltou à Casa Branca. Recebido por Truman, apenas disse: “Muito obrigado e que D’us o abençoe”. Os amigos se abraçaram e, mais tarde, Jacobson anotou em seu diário: “Ele, somente ele, foi o responsável pelos votos favoráveis de diversas delegações”.
           
Embora a partilha estivesse deliberada, Marshall prosseguia, no início de 1948, em sua oposição à frente do Departamento de Estado. Argumentava que as posições de judeus, árabes e ingleses eram irreconciliáveis, o que certamente provocaria um conflito armado. Foi em meio a esse clima inamistoso que avultou na Casa Branca a figura de um jovem assessor chamado Clark Clifford, que tive o privilégio de conhecer pessoalmente na década de 1970, no Rio de Janeiro. Seu primeiro passo foi produzir um memorando de crítica à posição do Departamento de Estado. Argumentou que tentar anular a partilha era simplesmente impensável. E mais: que os Estados Unidos deveriam intervir junto aos países árabes para que aceitassem a resolução da ONU. Se houvesse recusa, seriam rotulados como agressores. Quanto à Inglaterra, que fechava os olhos para os ataques contra o Ishuv, esta deveria ser coagida pelas Nações Unidas a aceitar sem reservas os termos da partilha. Além disso, os Estados Unidos deveriam suspender o existente embargo de armas para o Oriente Médio porque somente dessa maneira haveria um equilíbrio de forças. Os árabes já estavam bem armados, porém o incipiente exército de Israel precisava equipar-se para a confrontação militar que decerto se seguiria. No final do memorando, escreveu que não se tratava de um simples apoio à causa judaica, mas de avaliar o que seria melhor para os Estados Unidos.
           
Enquanto isso, a situação na então Palestina ia de mal a pior. Era preciso que os Estados Unidos fizessem uso de sua força política e, se preciso, militar, para que a partilha fosse de fato implementada. A Agência Judaica chegou à conclusão de que era imprescindível um novo encontro entre Truman e Weizmann, que era admirado e respeitado pelo presidente. Convocado para ajudar a resolver o problema, Jacobson mandou um telegrama para Truman: “Chaim Weizmann é um grande estadista e o mais completo líder que qualquer povo possa almejar. Em sua idade avançada, ele está combalido por não poder falar-lhe mais uma vez. Eu imploro que você o receba”.

Como não obteve uma resposta firme do presidente, Jacobson voou para Washington. O que poderia dizer para sensibilizar o amigo de tantos anos e que se tornara quase inatingível? Pediu a Abba Eban que o aconselhasse e ouviu: “Truman tem verdadeira devoção pelo presidente Andrew Jackson. Procure traçar uma comparação entre Jackson e Weizmann. Talvez dê certo”. Mesmo sem audiência marcada, Jacobson rumou para a Casa Branca e logo foi acolhido pelo presidente que permanecia irredutível. Antes de se levantar, Jacobson apontou para um busto de Andrew Jackson existente no salão oval e disse: “Harry, durante toda a sua vida você tem tido um herói. Não há ninguém na América que conheça melhor do que você a vida de Jackson. Pois é, meu amigo, eu também tenho um herói. Seu nome é Chaim Weizmann. É preciso que você o ouça para saber de fato o que está acontecendo na Palestina”. Truman tamborilou os dedos sobre a mesa. Passados quase dois minutos de silêncio, respondeu: “Está bem, você ganha, seu careca sem vergonha. Pode marcar aí com o pessoal”. Weizmann foi recebido no dia 19 de março e, em princípio, obteve a concordância de Truman no sentido de que fosse suspenso e embargo de armas e que a partilha seria intocável.

No mês seguinte, Clifford chamou a atenção de Truman para as manobras antipartilha que seguiam sendo feitas por Marshall. O presidente respondeu: “Eu sei o que Marshall pensa e Marshall sabe o que eu penso. Ele não vai conseguir mudar minha política”.

No dia 12 de abril, Jacobson voltou à Casa Branca. Queria ouvir do próprio presidente como tinha sido o encontro com Weizmann e jogou um verde, perguntando se, por hipótese, os Estados Unidos reconheceriam o Estado de Israel, cuja independência estava para ser proclamada em pouco mais de um mês. Truman disse: “Fique sabendo que sou inteiramente favorável a essa hipótese”.
           
No dia 14 de maio de 1948, quando Israel se tornou soberano, a Casa Branca viu-se diante do problema do reconhecimento da nova nação: sim ou não? Marshall entrou no salão oval acompanhado de um verdadeiro batalhão de proeminências contra o reconhecimento. Na véspera, Clark Clifford havia entrado em contato com Eliahu Epstein a quem pediu munições pragmáticas e ideológicas a favor de Israel, um país que ainda nem tinha recebido este nome. Na reunião decisiva no Salão Oval, o pronunciamento de Clifford foi brilhante e irrespondível. Irritado, Marshall chegou a dizer ao presidente: “Se o senhor aprovar o reconhecimento é bem provável que eu não lhe dê o meu voto na próxima eleição”. Mas, a cabeça de Harry S. Truman já estava feita. Os Estados Unidos reconheceram Israel no mesmo dia da sua criação.

Em conversa com Clark Clifford, que viria a ocupar o cargo de secretário da Defesa e a assessorar três presidentes americanos, dele ouvi: “Creio que acima de todas as considerações políticas, o presidente reverenciava a vinculação bíblica do povo judeu com a Terra de Israel”.

Zevi Ghivelder é escritor e Jornalista

Bibliografia:
Radosh, Allis e Ronald, A Safe Haven, Harry S. Truman and the Founding of Israel, editora Harper, EUA, 2009.