Há muito tempo atrás, havia um reino no qual reinava a mesma dinastia há mais de dez séculos. A cada coroação, o novo rei vestia uma capa especial, a mesma que havia pertencido ao fundador da dinastia. Era feita de uma seda muito fina, tingida de um azul único, um azul celeste que não existia igual.

Colocava-se a capa sobre os ombros do novo soberano e ele era então aclamado pelo povo. Em seguida, a preciosa roupa era guardada num cofre dourado ate a próxima posse.

Mas, houve um rei que após quarenta anos de reinado, cansou-se do poder e resolveu abdicar a favor de seu filho. Um ano antes, ele construiu um novo palácio, enviou convites para os reinos vizinhos e fez preparar uma cerimonia grandiosa. Ele mandou que tirassem a capa do cofre dourado para que arejasse. Mas, para horror dos serviçais a capa estava toda rasgada pelas traças. O rei começou a tremer de medo pois ela era o símbolo de sua autoridade. Convocou seus ministros e chegaram a conclusão que precisavam fabricar uma outra capa com a mesma cor de azul tão marcante. caso contrario os inimigos do rei diriam que a dinastia havia acabado.

O rei chamou seus magos para que eles sugerissem como conseguir reproduzir a cor da capa. Todos O mais velho falou:

- Eu me lembro, ó Rei, de ter escutado quando criança, que a capa real era um presente dado pelos judeus há mais de mil anos. Eles certamente saberão preparar a tintura necessária.

O rei chamou os chefes da comunidade judaica e mostrou-lhes o que restara da capa. Exigiu que em menos de nove meses eles lhe trouxessem a tintura ou toda a comunidade seria condenada. E, deveriam manter segredo sobre o assunto para evitar retaliações.

Os chefes da comunidade judaica ficaram com medo. Eles sabiam que a capa fora oferecida há mil anos pelos seus irmãos, e sabiam que o azul celeste era o mesmo que a Torá manda utilizar nos chales de reza. Nos quatro cantos dos chales, há as franjas, os tzitziot, com nós que simbolizam as quatro letras do Nome Divino. Antigamente o fio mais longo das franjas era azul celeste, o tekhelet. Mas, o segredo da tintura perdera-se há séculos. Ninguém conhecia a planta ou a concha que a produzia. Os chales então eram feitos só de fios brancos. Os chefes da comunidade tentaram explicar isso ao rei, mas foi em vão. Encolerizado o rei exigiu que lhe trouxessem a tintura em nove meses. Os anciões se reuniram na sinagoga para discutir o assunto. Era imprescindível manter segredo para não semear o pânico na comunidade. Rabi Abraham, o mais velho, disse:

- Há muito tempo nós renunciamos a honrar o mandamento de tingir os tzitzit. Mas, agora é vital encontrarmos o segredo do azul celeste.

- Devemos descobrir onde achar esta famosa tintura. Lembro-me de ter lido no Talmud que o segredo vem da cidade de Louz, na Terra Santa, no local onde Jacob havia sonhado com a escada na qual os anjos subiam e desciam, disse o Rabi Isaac, que era muito querido na comunidade.

- Precisaremos de um ano para ir à Terra Santa e voltar. O rei nos deu nove meses, disse o mais novo, Rabi Jacob. Houve um longo e desesperado silencio. De repente, o rosto do Rabi Abraham se iluminou.

- Já é tempo que eu vos revele um segredo que está na minha família há séculos. Meu pai me fez jurar que eu só o revelaria se a comunidade corresse perigo de vida e isso pudesse salvá-la. Acho que é o caso hoje.

Todos prenderam a respiração.

- Quando chegar a era Messiânica, todas as almas irão a Jerusalém para a ressurreição. Elas viajarão pôr túneis subterrâneos que chegam diretamente a um lugar situado perto da cidade de Louz. Eu conheço a entrada de um dos túneis. Podemos chegar na Terra Santa em uma semana!

Ao ouvir essas palavras, um raio de esperança entrou em seus corações.

- Precisamos escolher duas pessoas para realizar essa missão, continuou o rabino. Eu sempre sonhei entrar neste túnel, mas a viagem é muito longa para um homem velho como eu e todo atraso será fatal. Eu guiarei os dois homens escolhidos até a entrada. Entretanto, ninguém poderá nos acompanhar pois o local deve permanecer secreto.

Estavam todos perplexos, perguntando-se quais seriam os escolhidos.

- Na minha infância, voltou a falar Rabbi Abraham, houve uma situação crítica semelhante a que estamos passando e devia se escolher alguém para nos representar perante o rei. Os anciões tinham se reunido nesta mesma sinagoga, à meia noite, com lua cheia. Eu estava escondido e presenciei tudo. Hoje também é lua cheia. Vamos todos para fora.

Saíram da sinagoga e o velho rabino indicou uma árvore que estava a certa distância de lá.

- Cada um de vocês deve se posicionar perto da árvore. Se a sombra de alguém atingir a porta da sinagoga é que seu coração é puro e ele esta destinado a nos representar. Naquela noite da minha infância, meu pai havia sido o escolhido e ele conseguira convencer o antigo rei a anular o decreto fatídico.

Um a um, eles se posicionaram perto da arvore. Mas, só as sombras de Rabbi Isaac e Rabbi Jacob atingiram a porta da sinagoga. Todos estavam surpresos: D-us havia designado aqueles que partiriam em missão.

Isaac e Jacob passaram a noite rezando. Ao amanhecer eles se despediram de suas famílias, sem nada revelar e se reencontraram com o velho rabino. Juntos atravessaram a floresta que cercava a capital. Chegaram a um pequeno rio que eles seguiram até ele desaparecer. Lá, imponente havia um alto e belo tamarindo, cheio de frutas.

- Atrás deste Tamarindo encontra-se a passagem subterrânea que chega na Terra Santa, disse Rabbi Abraham. Mas antes, encham vossos bolsos de tamarinas pois isso será vossa comida dentro do túnel. Nenhum outro alimento poderá sustentar vosso espirito. As tamarinas mais a água do rio que é extremamente pura vos bastará.

Os dois homens entraram no túnel com o pedaço da capa azul celeste, uma carta para o rabino de Louz e duas tochas apagadas. O velho rabino lhes disse que só almas puras poderiam entrar. Eles teriam que passar por mais um teste. Havia uma espada em chamas que lhes impedia a passagem. Se ela continuasse a girar quando eles se aproximassem eles não poderiam continuar. Se ela parasse, eles deveriam acender as tochas com o seu fogo que os guiará todo o caminho.

Rabi Isaac e Rabi Jacob entraram e a espada parou de rodar. Rapidamente acenderam as tochas e seguiram adiante. Imediatamente a espada voltou a girar; não havia mais volta possível.

Andaram por seis dias, embriagados pelo perfume sutil que havia no ar e atingiram uma caverna que parecia uma sala talhada na pedra. Na extremidade eles descobriram um tabernáculo de madeira e à sua frente havia uma pedra que parecia um púlpito. Sem hesitar, eles começaram a rezar. As palavras pareciam voar. Um coral acompanhava suas rezas.

Dia seguinte era shabat. Passaram o dia rezando e meditando. No dia seguinte eles continuaram a andar até que viram uma luz dourada que indicava a saída do túnel. Lá fora, eles beijaram o solo da Terra Santa. Viram um tamarindo ainda mais bonito que o outro e pegaram mais frutos avistaram uma cabana de madeira e um velho homem nela. Perguntaram-lhe o caminho para Louz. Ele os preveniu das dificuldades que encontrariam. Teriam que atravessar florestas e pântanos.

Os dois homens andaram até a exaustão. Suas roupas estavam em trapos quando eles alcançaram a cidade. Tudo lhes parecia muito medíocre. Procuraram pelo Rabino e lhes entregaram a carta de Rabi Abraham. Os dois mensageiros ficaram espantados de escutar o Rabino dizer:

- Meus amigos, vocês estão na cidade moderna de Louz. A que vocês procuram é mais antiga. Ela está localizada numa região selvagem e desértica. Só D-us poderá vos dar permissão de entrar. Em todo caso, quando vocês chegarem lá, lembrem-se: "A amendoeira não tem boca".

Os dois Rabinos ficaram intrigados com estas palavras e estavam esgotados e assustados com a idéia de atravessar o deserto. Mas, a idéia de que toda a comunidade corria perigo de vida encorajou-os a seguir em frente. Atravessaram a floresta, andando vários dias. Parecia que eles chegariam ao fim do mundo. Até que descobriram uma vasta clareira e altas muralhas. Certamente era a cidade de Louz. Com gritos de alegria eles entraram na clareira. Em frente a muralha viram uma amendoeira gigante mas não havia porta para atravessar a muralha. Três horas depois eles ainda estavam em frente a árvore sem ter achado a entrada. Eles estavam desesperados. De repente, olhando para a árvore, Rabi Isaac lembrou-se das palavras do Rabino: "A amendoeira não tem boca ". Os dois refletiram sobre o enigma, até que Rabi Jacob achou a solução:

- Lembre-se! exclamou ele. Em hebraico a palavra "amendoa" se diz louz que é também o nome da cidade. A árvore nos dará a chave do mistério. Observando a amendoeira eles perceberam que havia um lado oco. A abertura era grande o suficiente para deixar passar um homem.

Entraram no interior da árvore e viram que o tronco formava a soleira de uma gruta que levava a um túnel. Rapidamente eles estavam ao ar livre, no interior das muralhas. Finalmente haviam chegando a velha cidade de Louz!

A primeira vista, a cidade parecia muito comum, mas eles logo repararam que as pessoas eram extremamente velhas, certos homens tinham barbas tão compridas que tropeçavam nelas. Resolveram abordar um senhor que tinha o ar muito triste. Rabi Isaac perguntou-lhe porque estava abatido.

- Meu pai me castigou por eu ter adormecido no leito do meu avô e não ter ouvido quando ele me pediu um copo de água, respondeu o velhinho.

- Mas que idade você tem? perguntaram os dois estupefatos.

- Tenho 300 anos, meu pai tem 500, meu avô 800 anos e meu bisavô tem mil anos. Ele passa toda a semana dormindo e só acorda no Shabat.

- E o que você faz para sobreviver? perguntou Rabi Isaac.

- Fabrico a tinta azul celeste que se utiliza nas franjas dos chales de reza. Mas ninguém mais a encomenda e me sinto inútil.

Loucos de alegria, Isaac e Jacob resolveram contar toda a história. O velho ficou muito contente e encaminhou-os ao Rabino para que ele autorizasse a fabricação da tintura. Mas, o Rabino estava doente e não poderia receber ninguém. Oitocentos anos atrás um estrangeiro viera buscar a tintura e oferecera tamarinas para o Rabino. Recentemente o Rabino sentiu uma forte necessidade de comê-las e desde então adoeceu. E os habitantes de Louz não podiam sair da cidade para buscar as frutas, pois se saíssem não poderiam retornar.

Sorrindo, Rabi Jacob estendeu as frutas que tinha no bolso. Deram-nas para o Rabino que recuperou as forças. Ele leu a carta de Rabi Abraham e imediatamente ordenou que trouxessem uma garrafa de tintura. Rabi Jacob perguntou ao Rabino de Louz porque D-us dá a imortalidade aos habitantes da cidade.

- Ninguém sabe ao certo. Dizem que após o pecado de Adão e Eva, D-us quis excluir o Anjo da morte de um território. Quando D-us decretou que o homem voltaria a ser pó, decidiu que um osso chamado louz seria poupado. Este osso é a base da coluna vertebral e é a partir dele que o homem será ressuscitado. Aqueles que pensam que nossa vida eterna é uma benção dizem que Louz é uma das Portas do Céu. É por isso que Jacob sonhou aqui com uma escada que chegava ao céu. Mas outros pensam que nossa vida eterna é uma maldição e que a cidade é maldita pois quando Jacob tentou escapar de seu irmão Esau, as pessoas daqui se negaram a acolhê-lo e ele teve que fugir ao deserto.

- Maldição? se espantaram Rabi Isaac e Jacob.

- Sim, as pessoas podem se cansar de viver eternamente e elas deixam a cidade. Mas ninguém sabe o que acontece com elas. Pode ser que alguns se perderam e passaram a vida toda procurando o caminho de volta para cá. Pode também ser que o Anjo da Morte os atinge assim que eles saem das muralhas.

Finalmente o tintureiro voltou com a garrafa cheia do líquido azul celeste. Fora necessárias milhares de conchas para fabricar uma garrafa. A cor do líquido era igual a cor do retalho da capa. Eles precisavam partir. Fazendo o caminho inverso, os dois homens tiveram a impressão que o tempo voava! Na entrada do túnel eles reencontraram as tochas e uma semana mais tarde, estavam na sinagoga onde todos os Anciões os aguardavam rezando. Em 3 meses eles conseguiram cumprir a missão.

Imediatamente o rei mandou fazer em segredo uma nova capa idêntica a precedente. Contente e agradecido anulou o decreto contra a comunidade judaica e fez um novo decreto que visava proteger a comunidade enquanto durasse sua própria dinastia.

E, ainda sobrou tinta para colorir os 4 fios dos chales de reza, com os quais se fazem os nós que simbolizam o Nome divino.

Traduzido do Conto de Colette Estin:
"La ville de Louz. Le bleu azur du talit"
Les cahiers du judaïsme.