A história de Alepo remonta à antigüidade. No início dos anos 30, cerca de 18 mil Judeus viviam na cidade; atualmente, restam apenas algumas famílias.

Na Torá a cidade é conhecida como Aram Tzobá. A tradição conta que a cidade recebeu o nome de Halab porque o primeiro patriarca Abraham, ao passar por lá em sua viagem de Harán à Terra de Israel, ordenhou seu gado na região. A palavra halab significa leite tanto em aramaico, como em hebraico e árabe.

Segundo outra tradição, foi o comandante-chefe dos exércitos do rei David, Joab Ben Zeruiá, que, ao conquistar Aram Tzobá, construiu no local uma fortaleza e uma torre que se constituiriam nos alicerces da antiga cidadela de Alepo, e que podem ser vistas na cidade, até nossos dias. A antiga sinagoga do velho bairro judaico leva o nome do comandante do rei David: Joab.

Quando o rei persa Ciro conquistou a Babilônia, permitiu aos judeus que lá estavam exilados desde a queda do Primeiro Templo voltar para sua Terra e reconstruir o Templo. Somente uma parte voltou para Jerusalém; a outra preferiu ficar onde morava. Gozavam de todos os direitos. Uma das cidades onde ficaram foi Alepo. Segundo uma tradição local, Ezra, o Escriba, parou na cidade durante sua viagem de volta a Jerusalém e construiu uma sinagoga em Tadef (a alguns quilômetros da cidade), que ainda existe.

Há evidências que comprovam a presença judaica na região que hoje é a Síria já a partir da dinastia dos Selêucidas, durante o período do Segundo Templo, quando os judeus constituíam um elo central na cadeia de povoamento judaico que se estendia desde a Terra de Israel até a Babilônia (atual Iraque).

Mesmo após o declínio do povoamento em Eretz Israel, no final do período Talmúdico, sempre houve uma comunidade judaica em Alepo. É deste período a parte mais antiga e ainda remanescente da Grande Sinagoga. Construída no século V, quando esta área fazia parte do Império Bizantino, foi queimada em 1947 durante os pogroms árabes.

Alepo foi ocupada pelos muçulmanos no ano 637 da era comum e a situação dos judeus teve uma melhora significativa, particularmente sob o domínio dos Umaiadas (no período 635 a 755 da era comum). O mesmo não ocorreu entre os séculos 8 e 10, no período abássida, quando o Código de Omar determinava a inferioridade das minorias não muçulmanas.

Apesar da política discriminatória contra os não muçulmanos, o crescimento do povoamento judaico continuou durante o século 10. O declínio dos abássidas na Babilônia determinou o agravamento das condições de vida e muitos judeus que lá viviam emigraram para a Síria.

Alepo era então considerada uma espécie de oásis para os judeus da região, uma comunidade estável com uma vida cultural e religiosa florescente e um importante centro de estudos bíblicos. Os sábios Baruch Ben Isaac e Baruch Ben Samuel redigiram no local comentários ao Talmud Babilônico. Para Maimônides, Alepo e os eruditos que lá viviam eram como "uma luz nas trevas". Como prova desta idéia, Maimônides escreveu o "Guia dos Perplexos" como se fosse uma carta pessoal dirigida a seu discípulo Joseph Ben Judá ibn Shimon, que se estabeleceu em Alepo, onde lecionou até morrer.

Foi a estabilidade que atraiu judeus de várias partes para Alepo. Assim, no século 12, havia organizações comunitárias integradas por membros de diferentes origens, cada uma orando de acordo com as tradições de sua origem. Frente às autoridades locais, no entanto, havia um único representante, o chamado Chefe das Comunidades. A prosperidade e a tranqüilidade mantiveram-se até 1260, quando os mongóis invadiram o norte da região. Houve massacres e muitas mortes, mas alguns judeus sobreviveram, refugiando-se na Grande Sinagoga.

Mamelucos e otomanos

A trajetória dos judeus de Alepo foi marcada por momentos de estabilidade e perseguições, variando de acordo com as autoridades no poder. Com a retirada dos mongóis da região da Síria, iniciou-se o domínio mameluco, que durou até a ocupação muçulmana, em 1517.

Um novo surto de atividade econômica tomou conta da região e Alepo tornou-se o principal sustentáculo do poder em todo o norte da Síria, permitindo aos judeus prosperar de acordo com o desenvolvimento local. A lutas internas pelo poder entre as diferentes facções dos mamelucos e a adoção de medidas drásticas contra as minorias, como forma de conseguir o apoio da população muçulmana, atingiram a comunidade judaica alepina que, mais uma vez, viu-se vítima de discriminação e restrição de seus direitos. Durante a segunda invasão mongol à região, em 1400, enfrentaram prisões e escravidão.

Cinqüenta anos mais tarde, porém, uma nova vida cultural e religiosa dava sinais de sua presença. Localizada na principal rota das caravanas entre o Oriente Médio e a Europa, por um lado, e entre o Iraque, a Pérsia, a Ásia Central e a Índia, pelo outro, Alepo permitiu aos mercadores judeus participar ativamente da economia local.

Dedicavam-se tradicionalmente ao comércio atacadista de importação e exportação e atuavam como intermediários entre os nômades do deserto e as populações urbanas, além de trabalharem como artesãos.

Durante o século XV, como já acontecera no passado, Alepo tornou-se mais uma vez refúgio de judeus perseguidos de outras localidades. Assim, após a expulsão da Península Ibérica (1492 e 1498) judeus sefaraditas, vítimas das perseguições na Espanha e Portugal, estabeleceram-se na cidade. Estabeleceram-se no velho bairro judaico, então chamado Bahsita.

Havia atritos entre os antigos membros da comunidade (chamados de mustaarabim) e os recém-chegados. Durante algum tempo não foram aceitos pela comunidade. Quando isto finalmente aconteceu, foi divulgado de forma oficial, na véspera de Chanucá. A partir dessa data estes judeus de origem espanhola passaram a acender, a cada noite de Chanucá, uma vela adicional, como forma de agradecimento. Na primeira noite acendiam duas velas e o shamash; na segunda três e o shamash e, assim por diante. Até hoje algumas famílias de Alepo seguem este costume, que data do século XVI.

Os recém-chegados passaram a integrar a comunidade judaica alepina sem, no entanto, conseguir substituir a antiga liderança local, contrariamente ao que ocorreu em outras comunidades. Assim, a família local Dayan (cuja árvore genealógica, em sua posse, lhe atribui a ascendência à casa de David) continuou desempenhando muitas funções de liderança religiosa na comunidade, embora tivesse que compartilhá-la com sábios de origem espanhola, como as famílias Laniado e os Hutsin.

O apogeu

Alepo estava na principal rota de caravanas de produtos do Oriente destinados à Europa, fato que atraía muitos comerciantes europeus. Segundo relatos de 1675 de um capelão inglês, Alepo era uma cidade muito agradável, com prédios bonitos e uma vegetação de ciprestes.

No século XVIII, um novo grupo de judeus fixou-se na cidade. Eram comerciantes de origem européia, chamados franj (francos) que se instalaram para se beneficiar das oportunidades decorrentos do florescente comércio das caravanas. Sefaradim da Itália, principalmente Livorno, França e Áustria, que se estabeleceram em Alepo, mantiveram sua cidadania podendo contar com os consulados de origem para sua proteção. Algumas familias "locais" conseguiram obter alguma cidadania européia, usufruindo o status de estrangeiros dentro do Império Otomano. Os judeus cooperavam com os europeus e muitos trabalhavam como intérpretes ou representantes.
Alepo tornou-se, graças à presença européia, o mais importante e próspero centro de vida judaica. Os judeus de Alepo eram de certa forma protegidos dos caprichos e destratos dos governantes turcos que, pe-riodicamente, tornavam a vida de outras comunidades no Império Otomano impossível.

A comunidade judaica prosperava e a influência dos comerciantes e banqueiros judeus era tamanha, que a saída de importantes caravanas às vezes era adiada quando coincidia com festas judaicas.

A estabilidade e prosperidade econômica possibilitou o desenvolvimento das academias e escolas religiosas - ieshivot e midrashim. Muitas das lideranças rabínicas que lá surgiram ocuparam cargos de destaque em outras comunidades do mundo árabe, entre eles, o rabino Zedaká Hutsin, que se tornou rabino-mor de Bagdá em meados do século XVIII.

O declínio

O final do século XVIII foi marcado pelo declínio econômico de Alepo em conseqüência das mudanças nas rotas comerciais da região. A deterioração da situação econômica dos judeus alepinos, cerca de cinco mil pessoas, aumentou com a abertura do Canal de Suez em 1869.

Este mesmo ano marcou mais uma mudança na vida dos judeus da cidade: a abertura de uma escola da Alliance Israélite Universelle para rapazes, cujo currículo incluía línguas e matemática, ampliando o universo da educação além dos limites da cultura e da religião judaicas.

Foi também neste período que os judeus mais abastados passaram a viver em novos bairros da cidade, entre os quais o Djmeliliy, deixando o Bahsita para os de poucos recursos. As famílias mais antigas da cidade integravam o Comitê de Notáveis, que representava a comunidade junto às autoridades. Mantinham relações com países do Ocidente e falavam pelo menos um idioma europeu.

Essa transformação no processo educacional, com a nova escola, no entanto, não abalou os alicerces do estilo de vida tradicionalista e religiosa da comunidade de então. Estas características foram mantidas pelos judeus que emigraram de Alepo, instalando-se em outros países no final do século XIX e início do XX. Partiram de Alepo para escapar da estagnação econômica e se estabeleceram no Egito (então sob Mandato Britânico), Europa, América do Norte e do Sul.

Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a comunidade judaica de Alepo contava com cerca de dez mil pessoas. O término do conflito, o colapso do Império Otomano e o início do Mandato Colonial Francês e Inglês tiveram grandes conseqüências na região. A Síria ficou sob Mandato Francês.

O Mandato Francês trouxe grandes benefícios para a região. Com os franceses vieram a lei e a ordem, assim como os princípios de liberdade e igualdade muitas vezes ausentes nas colônias inglesas. As terras das províncias voltaram a ser cultivadas e grandes quantidades de lã, trigo e algodão passaram a ser exportadas. O comércio com o Ocidente representava a chave da prosperidade da região e de muitos judeus.

A delimitação de um novo mapa regional e novas fronteiras traçadas entre a Síria a Turquia e o Iraque refletiram-se imediatamente na economia alepina. Some-se a este fato o fluxo migratório de refugiados armênios que vieram incentivados pela França, com o objetivo de aumentar a presença cristã na região. Os judeus foram imediatamente afetados pelas mudanças, sendo obrigados a enfrentar um mercado de trabalho mais competitivo.

Em termos comunitários, no entanto, os judeus continuavam bem-organizados, mantendo suas instituições e participando de eventos de âmbito judaico mundial. Dados de 1927 indicam que, nesse ano, a comunidade passou a representar o Fundo Nacional Judaico e a Confederação Se-faradita Mundial em Alepo, além de envolver-se mais diretamente em atividades sionistas.

Em meados do século 20, os judeus não tinham nenhuma participação na vida política da Síria. Não fizeram parte da primeira reunião do Congresso Nacional, realizada em 20 de junho de 1920, que se autodenominava o único representante oficial de todo o país, incluindo as regiões sob os Mandatos Francês e Britânico. Nas áreas sob dominação francesa, os judeus sírios ocuparam alguns cargos públicos e tinham representantes nos conselhos municipais e administrativos de Alepo e Damasco.

Apesar de não possuir número suficiente de membros para tomar parte no Conselho Federal da Síria, um líder alepino candidatou-se e conseguiu obter uma cadeira no órgão. Este precedente de se manter uma cadeira para um membro da comunidade judaica foi incorporado à nova Constituição, em 1932. Mesmo assim, não se poderia afirmar que os judeus tinham participação na vida pública síria. Sua presença era mais simbólica e possuía membros em órgãos criados pelos franceses, cuja autoridade era mais formal do que efetiva. Os judeus enfrentavam a hostilidade não apenas dos muçulmanos nacionalistas, mas também dos cristãos.

Não havia instituições sionistas na Síria antes da Primeira Guerra Mundial. Em 1910, uma escola e um jardim de infância hebraicos foram abertos em Damasco por Abraham Elmalech, um professor que veio de Eretz Israel com outros profissionais de ensino. O cur-rículo era muito semelhante àquele implantado nas escolas de lá. Apesar da oposição do diretor da Alliance Israélite local, a nova instituição cresceu e contava com cerca de 500 estudantes no final do primeiro ano. Apesar de Damasco ser o centro das atividades sionistas, o sionismo espalhou-se por outras comunidades, incluindo Alepo.

A independência da Síria, em 1946, e as aspirações do sionismo pela criação de um Estado Judeu em Eretz Israel não tiveram conseqüências imediatas nas comunidades judaicas sírias. Isto não ocorreu nem mesmo durante o breve regime de Vichy no país, entre 1940 e 1941, quando foi implantada uma legislação anti-judaica.

Mas, já na década de 40, a Síria, a exemplo do Iraque, vinha-se tornando uma liderança no movimento anti-sionista, o que levou os judeus a se envolver cada vez menos nas questões nacionais.

O pós-guerra

Os confrontos entre os judeus e a população muçulmana eclodiram de maneira mais violenta ao longo da década de 1940. Em 1946, após a Síria ter conquistado sua independência, o novo governo proibiu a emigração judaica para a então Palestina e iniciou-se um boicote a empreendimentos judaicos.

Quando a Partilha da Palestina foi declarada pela Nações Unidas, em 29 de novembro de 1947, uma multidão enfurecida invadiu a Grande Sinagoga de Alepo, destruindo objetos religiosos e queimando livros sagrados, além de espancar dois idosos que lá estudavam. Os conflitos intensificaram-se, após a Partilha.

Em Alepo, cerca de 150 residências, 50 lojas, todas as 18 sinagogas, cinco escolas, um orfanato e um centro de juventude foram totalmente destruídos. Os prejuízos foram avaliados em US$ 2.5 milhões.

Milhares de pessoas fugiram para Israel, o Líbano e para a Turquia e, dos 18 mil judeus que habitavam a cidade em meados de 1930, restaram apenas quatro mil no início da década de 1950. As perseguições e discriminações tornaram-se cada vez mais comuns e, apesar da proibição de deixar a Síria, as lideranças organizaram-se para facilitar a partida de vários membros da comunidade. A situação piorou após a criação do Estado de Israel, em 1948.

O governo sírio passou a intensificar as perseguições. Os judeus que tentassem fugir podiam ser executados ou condenados à prisão perpétua em regime de trabalhos forçados, se capturados. Os judeus foram proibidos de trabalhar em bancos ou em órgãos do governo, não podiam possuir telefone nem qualquer outro tipo de propriedade. Não podiam ter carteira de motorista. Suas contas bancárias foram congeladas, escolas judaicas fechadas e entregues a muçulmanos. A estrada do novo aereoporto foi construída em Damasco sobre um cemitério judaico.

Atualmente, apenas um número insignificante de judeus vive em Alepo, organizados em torno de algumas atividades comunitárias. Há uma escola judaica de primeiro grau dirigida por um muçulmano e supervisionada pelo governo. A maioria das professoras é judia e o ensino da religião judaica é permitido, não ocorrendo o mesmo com o hebraico. O comércio e a ourivesaria ainda são as principais atividades profissionais dos judeus remanescentes em Alepo.


Bibliografia:
Stillman, Normal A., "The Jews of Arab Lands
in Modern Times"
"Tesouros da Comunidade de Alepo" (Amnon Shamosh)