Antiga capital da Macedônia, Salônica tem uma história que se estende por 2.500 anos. Desde sua fundação, havia judeus vivendo na cidade. A partir do final do século 15, tornou-se abrigo para milhares de judeus ibéricos, que transformaram a cidade na mais importante e populosa de todas as comunidades sefaraditas do mundo.

Localizada no nordeste do Golfo de Salônica, a cidade foi construída em 316 a.E.C, por Cassandro, rei da Macedônia, general de Alexandre Magno, que lhe deu o nome de sua esposa, Tessalônica, meia-irmã de Alexandre. Os primeiros judeus chegam a Saloníki - como era chamada a cidade emkoine, o grego coloquial - trazidos de Alexandria por Cassandro. Helenizados e falando grego, eram artesãos e navegadores experientes, principalmente na área do comércio marítimo.

Em 168 a.E.C., Roma pôs fim à independência da Macedônia e, 20 anos mais tarde, com a Grécia definitivamente subjugada, torna-a uma província romana, com Tessalônica como a capital. Sob os romanos, tornou-se um importante centro comercial, no qual a comunidade judaica desfrutou de um período de tranqüilidade e autonomia.

De acordo com o historiador grego Strabo, desde o século 1 a.E.C. havia comunidades judaicas na maioria das cidades gregas, sendo a de Salônica numerosa e influente. Sua importância é confirmada pelas tentativas de proselitismo feitas pelos primeiros cristãos. O apóstolo Paulo a visitou no ano 52, pregando os ensinamentos do cristianismo na sinagoga Etz ha-Haim, que datava da Antigüidade. Nos séculos 1 e 2, a comunidade judaica de Salônica registra crescimento devido ao fluxo de judeus vindo de Eretz Israel, após as revoltas judaicas contra Roma.

Período bizantino

No final do século 4, quando ocorre a divisão do império Romano, Salônica passa a ser parte do chamado Império Bizantino. Por praticamente 11 séculos, até ser conquistada no século 15 pelos otomanos, a cidade integrou o estado bizantino, então chamado de România, cujos habitantes eram conhecidos como romioi, ou seja, um povo grego-cristão com cidadania romana. E os judeus, que desde a Antigüidade viviam na Grécia ou na região dos Bálcãs, passam a ser chamados de romaniot.

Apesar de convulsionado internamente por questões políticas e religiosas, o Império Bizantino sobreviveu às incursões dos godos e dos hunos, nos séculos 5 e 6, firmando-se como a única unidade política que logrou obter o controle do Mediterrâneo.

Durante o período romano e o início do bizantino, o judaísmo era "religião lícita" e, portanto, seu culto era permitido e a vida da população judaica não diferia muito da não judaica; todos compartilhavam a mesma língua, o grego, e as mesmas ocupações. A vida dos judeus começa a mudar a partir de Justiniano I (527-565), quando se vêem objeto de uma legislação que, entre outros, proíbe-os de erguer sinagogas e exercer determinadas atividades econômicas. Torna-se também obrigatório que a leitura da Torá, nas sinagogas, seja feita em grego. Isto deu origem a um dos traços distintos do min'hag România, que tem parte da liturgia realizada em grego.

No século 9, o Império vivencia uma fase de crescimento e expansão territorial; Salônica é um dos centros urbanos que mais cresce, tornando-se a segunda capital do Império. Florescem, também, a vida e a fortuna dos judeus, apesar de serem, inevitavelmente afetados pelo processo de bizantinização que as autoridades cristãs passam a impor aos povos sob seu domínio. O período de estabilidade e crescimento termina em 1071, quando os turcos seljúcidas derrotam os bizantinos, pondo fim ao seu poderio na Ásia Menor.

As informações sobre a situação dos judeus de Salônica, no século 12, são reveladas no diário de viagem do Rabi Benjamin de Tudela, que chega à cidade em 1159: "Salônica é uma cidade muito grande, com cerca de 500 judeus, incluindo o rabino-chefe Samuel e seus filhos, que são eruditos. Ele é indicado pelo rei para ser o líder dos judeus. Há, também, Rabi Sabatai, seu genro, Rabi Elijah, e Rabi Michael. Os judeus são oprimidos e vivem da tecelagem em seda. Apesar de Rabi Tudela tê-los considerado oprimidos, não podemos esquecer que o erudito vinha da Espanha, onde a condições de vida eram as melhores possíveis,sob os bizantinos os judeus viviam melhor do que em países católicos. Entre outros tinham liberdade de viver onde quisessem e de possuir bens e propriedades.

Durante os dois séculos seguintes, Salônica é saqueada pelos normandos, em 1185, e pelos integrantes da 4ª Cruzada, em 1204. Após conquistar, saquear e incendiar Constantinopla, os líderes da Cruzada dividem entre si parte do território bizantino e formam reinos católicos independentes, um dos quais era o de Tessalônica. A ocupação cruzada foi terrível e os judeus foram os primeiros a sofrer as consequências da intolerância religiosa dos conquistadores.

Salônica começa a se recuperar em 1261, quando os bizantinos restabelecem seu domínio sobre os Bálcãs. Com os cofres públicos vazios e cidades despovoadas, o governo implanta uma política de revitalização da economia e dos centros urbanos, procurando atrair judeus para seu território. As condições de relativa segurança e o crescimento da atividade econômica os levam a novamente se fixar na cidade.

Por volta de 1376, radicam-se em Salônica os primeiros judeus asquenazim, em fuga das perseguições na Hungria e na Alemanha. Nos anos seguintes, se estabelecem na cidade judeus provenientes da Provença (França), da Itália e da Sicília e, também, da Espanha após os violentos pogroms de 1391 e a instalação da Inquisição.

Os romaniot acolheram os recém-chegados de braços abertos, mas cada grupo forma sua própria comunidade vivendo ao redor de sua sinagoga. Este padrão foi seguido por todos os judeus que se assentaram na cidade, nos séculos seguintes. No início do século 15 a comunidade era próspera, sendo que grande parte estava envolvida no comércio da seda. Sua situação se deteriora no ano de 1423, quando os bizantinos vendem a cidade para Veneza e os judeus passam a sofrer inúmeras restrições e pesados impostos.

Império otomano

Inicia-se uma nova era para Salônica quando, em março de 1430, a cidade capitula perante o sultão Murad II (1401-1451). Ocorrem massacres que levam muitos habitantes a partir, deixando-a praticamente deserta. Para repovoá-la, o sultão transfere de Anatólia populações cristãs e judaicas, incentivando principalmente estes últimos a se estabelecer na cidade. Sob domínio islâmico, os judeus adquirem os mesmos direitos de qualquer outra minoria não-muçulmana. Com isso, a comunidade volta a se recuperar.

Em 1453, Constantinopla cai em mãos do sultão Mehmed II, alcunhado el-Fatih, ou "o Conquistador". Este evento marca o fim da Idade Média. Conhecido por sua tolerância religiosa, Mehmed II é recebido com entusiasmo pela comunidade judaica romaniot.

Decidido a fazer de Constantinopla, já então chamada de Istambul, a nova capital de seu império, o sultão convida os judeus a se fixarem na cidade com uma proclamação em que afirma: "Ouçam, filhos de hebreus que vivem em meus domínios… Que todos que assim o desejarem venham a Constantinopla; e possa o restante de seu povo aqui encontrar abrigo... para ascender ao lugar do Trono Imperial, para viver na melhor terra,... e sob sua figueira, com prata e com ouro, com riqueza e com animais...".

Em sua famosa carta de 1454, aos judeus da Alemanha, Rabi Isaac Zarfati os exorta a emigrar para terras otomanas e a deixar para trás a terra onde viviam, com todas as aflições que os cristãos lhes impunham. Rabi Zarfati fala sobre as boas condições e a tolerância que prevaleciam no Império Otomano. Apesar de não se saber ao certo o real impacto da missiva, ela retrata o estado de espírito judaico da época.

Atraídos pela tolerância turca, os judeus asquenazitas começam a emigrar para o Império otomano e, a partir do ano de 1478, chegam os primeiros judeus sefaraditas. Na época, eram poucos os romaniot que viviam em Salônica, já que o sultão Mehmed deslocara a maioria deles para Istambul para injetar um impulso comercial na cidade.

A chegada dos sefaradim

A terrível decisão de 1492, por parte dos reis espanhóis, de obrigar todos os judeus de seus territórios à conversão ou ao exílio, foi crucial para o futuro de Salônica. Ao tomar conhecimento do Édito de Expulsão e do apelo dos judeus espanhóis para que lhes fosse concedido asilo em terras otomanas, Elijah Kapsali, Grão-rabino de Istambul, apela ao sultão Bayazit II para que abra as portas do império aos judeus ibéricos. Para os turcos, estes eram uma talentosa minoria, sem pretensões políticas. Ciente das vantagens econômicas que a vinda dos sefaradim traria ao império, Bayazit II ordena aos governantes das cidades que os acolham bem.

Uma frota encabeçada pelo almirante Kemal Reis é enviada a Cadiz, onde mil judeus debatiam-se para deixar a Espanha. Ao chegar à cidade portuária, Kemal os toma sob sua proteção, prontamente os conduzindo ao Império Otomano. Muitos se estabelecem em Salônica.

Os sefaradim chegam a Salônica e às demais partes do Império Otomano em ondas migratórias distintas. A primeira ocorreu logo após a expulsão da Espanha, em 1492, e a conversão forçada em Portugal, em 1497. Não se sabe o número exato de judeus ibéricos que se estabeleceram em terras otomanas, calcula-se que tenha sido em torno de 40 mil, a metade dos quais em Salônica, segundo alguns historiadores. A princípio, foram bem recebidos pelos romaniot, que os ajudaram em tudo. Mas, as diferenças culturais e de idioma acabaram provocando conflitos entre as duas comunidades.

Cultos, religiosa e culturalmente orgulhosos de sua linhagem e herança, os sefaradim não adotaram o min'hag România. Em Salônica, onde estavam também em desvantagem numérica, os romaniot tiveram que se adaptar aos costumes sefaraditas, inclusive a aprender o espanhol, que se tornou o idioma do comércio e da cidade. Em pouco tempo, Salônica torna-se uma cidade completamente sefaradita, em solo otomano. A segunda leva de sefaradim chegou à cidade em meados do século 16 e, como atesta o historiador P. Riscal: "Até o fim do século 17 era muito raro que um navio atracasse no porto da cidade sem que dele desembarcassem alguns judeus". Bem mais fragmentada, esse contingente era composto por judeus e conversos vindos de toda a Europa, mas principalmente de Portugal, após 1536, quando se instala no país o Tribunal da Inquisição.

A partir de 1552, com a Inquisição tomando mais força na Europa, cresce o ódio aos judeus e conversos; e estes deixam o continente europeu. Ao chegar em terras otomanas, reassumem sua fé e voltam a praticar o judaísmo.

Graças à chegada dos sefaradim, já no início do século 16 a cidade tornou-se um importante centro econômico e principal núcleo judaico do Mediterrâneo.

Samuel Uísque, cronista judeu português, descreve, em sua obra Consolação às Tribulações de Israel (1553), a prosperidade da cidade, ressaltando ainda: "A maioria dos filhos perseguidos e banidos da Europa e de outras partes se encontrou em Salônica, onde foram bem recebidos, como se lá fosse a nossa venerável mãe, Jerusalém".

Já no século 16 a maioria de seus habitantes eram judeus e todas as atividades, inclusive o porto, cessavam no Shabat. O bairro judaico de Salônica se localizava na área do porto e estava subdivido em diferentes kehilot, comunidades centralizadas ao redor de sua sinagoga cujos nomes como Aragon, Castilla, Saragoza, entre outros, lembravam a Espanha. Cada kahal era uma entidade independente, religiosa e socialmente, com sua própria sinagoga, biblioteca e ieshivá, seus rabinos, líderes laicos e entidades assistenciais. Este modelo de organização servia principalmente para preservar as tradições, os ritos e até dialetos específicos de seus locais de origem.

No entanto, tornou-se logo necessária uma estreita colaboração entre todas as kehilot, e, no início do século 16, um comitê integrado por todos os parnassim passa a determinar a divisão, entre as várias kehilot, dos impostos a serem pagos ao governo otomano pelos judeus de Salônica. Em 1520, foi fundada uma sinagoga, no coração do bairro judaico, para abrigar toda a comunidade, a Talmud Torá ha-Gadol.

Dados de arquivos turcos da época indicam a supremacia da presença judaica em Salônica ao longo do século 16: em 1519 havia 1.375 famílias muçulmanas, 1.087 cristãs e 3.143 judias.

O século 16 foi a Idade de Ouro para a comunidade judaica de Salônica. Na cidade, que se tornara importante centro comercial e financeiro, estabeleceram-se grande número de sábios espanhóis, cuja influência se espalhou além das fronteiras do Império Otomano e cuja erudição superava a excelência nos campos da Torá e do Talmud. Entre eles havia eruditos, poetas e médicos de renome; cientistas que dominavam a matemática e as ciências náuticas.

Entre os refugiados havia também financistas e comerciantes internacionais, fabricantes de instrumentos de precisão, exímios artesãos de metais e pedras preciosas. Em Salônica, os judeus desempenhavam um papel essencial nas duas áreas mais importantes da economia da região: o comércio internacional e a indústria têxtil. As casas de comércio de Salônica tinham representantes em cada um dos mais importantes portos do Mar Adriático. E, graças às novas técnicas de tecelagem e fabricação de tecidos finos até então desconhecidas na região, trazidas por judeus da Espanha e da Sicília, a cidade se tornara um importante centro têxtil. Fabricantes judeus passam também a dominar a produção de lã na região. O período foi áureo também do ponto de vista cultural, pois a cidade se tornara um renomado centro de estudos da Torá, do Talmud e da Cabalá, com inúmeras bibliotecas abertas a estudiosos, muitas das quais haviam sido trazidas da Espanha e outras que foram instituídas por famílias abastadas. A segunda gráfica de todo o Império foi estabelecida em Salônica, em 1510.

Alunos do mundo inteiro iam a Salônica para estudar em suas ieshivot, onde ensinavam sábios famosos. Entre eles, o Rabi Yossef Caro, autor da obra Shulchan Aruch, e Rabi Salomon Alkabetz, que lá escreveu o Lechá Dodi. Tamanha era a reputação das ieshivot locais, que Rabi Isaac Abravanel enviou seu filho, Rabi Samuel, para lá aprimorar seus conhecimentos.Entre os inúmeros sábios que viveram na cidade, no século 16, pode-se mencionar, ainda, Rabi Levi ben Habib e Rabi Yossef ben Solomon Taitazak, grande cabalista e talmudista. Um dos discípulos destes dois sábios foi Rabi Samuel de Medina, o RaSHdam, uma das maiores autoridades sobre a lei judaica, a Halachá. Lá Viveram, também, o Rabi Moses Almosnino, famoso por seu grande saber nas questões rabínicas e nas ciências; Rabi Isaac Adarbi, autor de Divrei Rivot e Divrei Shalom.

A educação, principalmente a formação dos jovens, era uma prioridade, e as elites intelectuais e econômicas da cidade uniram-se na criação de uma instituição educacional do mais alto nível, o Talmud Torá ha-Gadol, construída em 1663 ao lado da sinagoga de mesmo nome. A entidade que podia atender até 10 mil alunos mantinha, também, cursos profissionalizantes e um de ensino superior, que incluía estudos seculares como latim, árabe, filosofia, astronomia, ciências e medicina. Por algum tempo, o famoso médico Amatus Lusitanus lá lecionou. Famílias de todo o Mediterrâneo mandaram seus filhos para ser educados no Talmud Torá de Salônica, que continuou a existir até os tempos modernos.

Início da turbulência

Em 1665 chega a Salônica Shabetai Zvi. Esse pseudo-cabalista dividiu o mundo judeu, convencendo a muitos de que era o Messias. No ano seguinte, confrontado com a pena de morte, o falso messias converteu-se ao islamismo, estraçalhando os anseios de tantos e deixando os judeus de Salônica, assim como o resto mundo judaico, profundamente consternados.

No final do século 17, chega ao fim a época de prosperidade. A descoberta de novas rotas marítimas e o envolvimento em dispendiosas campanhas militares resultaram no declínio econômico do Império Otomano. À medida que declinava o império, aumentavam os impostos cobrados pelo governo à comunidade judaica. A comunidade entra, então, em um processo de estagnação que se estendeu por quase dois séculos. As difíceis condições econômicas em que viviam muitos dos judeus da cidade eram mitigadas pela ação dos membros mais abastados que, entre outros, ajudavam a manter mais de 60 ieshivot.

Entre 1720 e 1730, a cidade recebe uma nova leva de sefaradim, os chamados "Francos", ou franj. Originários na Itália, particularmente em Livorno, se estabelecem em cidades portuárias, entre as quais Salônica, onde atuavam como intermediários entre os judeus locais e a Europa.

Modernização

Em meados do século 19, inicia-se em Salônica um período de renascimento econômico, modernização e ocidentalização. Os incêndios de 1890, 1896 e 1898 aceleraram a urbanização da cidade, inclusive com a implantação de infra-estrutura para eletricidade e água corrente. E, em 1889, foi construído um novo porto, que ajudou a desenvolver ainda mais o comércio. Muitos desses projetos foram financiados por empresários judeus, como Hirsch, Rothschild, Allatinis e outros.

No final do século, a cidade volta a ser um próspero centro de comércio, com os judeus locais participando ativamente dos negócios com a Europa. Das 56 maiores companhias existentes, 38 estavam em mãos judaicas. Esta predominância se estendia também ao setor bancário, financeiro e industrial. E foram empresários judeus os que mais investiram na modernização da indústria local, sendo que sete das 10 maiores indústrias pertenciam a membros da comunidade.

O período também vive um renascimento cultural, tanto religioso e laico. Os estreitos contatos com a Europa trouxeram novas idéias e os sinais desta ocidentalização se tornam aparentes entre os judeus. As classes mais abastadas adotam a língua e cultura francesa, e passam a usar roupas ao gosto europeu.

Se o crescimento econômico criou as bases para a modernização da sociedade, os meios para isso foram uma educação secular e européia. Em 1873, a Alliance Israélite Universelle funda sua primeira escola na cidade e, até 1912, já havia nove outras, com 2 500 alunos e mais de 6 mil ex-alunos. O novo sistema educacional acabou criando uma nova geração de profissionais. A literatura e o jornalismo floresceram e, em 1864, Judá Nehama lançou El Lunar, o primeiro jornal judeu-espanhol de Salônica, o La Época, foi fundado em 1875 e circulou até 1912.

Século 20

Na virada do século 20, Salônica e os judeus locais se encontravam na interseção de duas épocas e duas civilizações. No entanto, apesar de ser a cidade mais ocidentalizada de todo o Império Otomano, Salônica mantinha seu caráter predominantemente judaico. Em 1908, o golpe de estado dos "Jovens Turcos", que derrubou o sultão Abdul Hamit II, foi recebido entusiasticamente pelos judeus de Salônica. O novo governo demonstra simpatia em relação a esta importante parcela da população, permitindo a atuação aberta do movimento sionista. Politizados, os trabalhadores judeus fundaram sua federação, à qual deram o nome de Federación, aliando-se a outros grupos gregos de esquerda.

Ao se tornarem cidadãos com plenos direitos, os judeus ficam sujeitos à lei de alistamento obrigatório, tendo que servir no exército turco. Oito mil jovens preferem deixar o país a lutar nas guerras dos Bálcãs. Mesmo assim, ainda era uma comunidade pujante, econômica e socialmente, com seu próprio hospital, orfanatos e escolas profissionalizantes. Era uma comunidade que cuidava de seus membros mais necessitados.

Sob domínio grego

Em outubro de 1912, a Liga Balcânica - Sérvia, Bulgária, Montenegro e Grécia - declara guerra ao Império Otomano, pondo em marcha, assim, a 1ª Guerra Balcânica. As tropas gregas apoderaram-se de Salônica, no início de novembro, incorporando a cidade ao estado grego.

Os judeus viam com temor a chegada dos gregos, cuja entrada na cidade veio acompanhada por uma série de incidentes anti-semitas. Mas o rei George I garantiu aos líderes comunitários que não havia o que temer pois a liberdade religiosa era aprovada na constituição. O governo reconheceu, entre outros, o direito judaico de realizar casamentos segundo suas leis, de fechar as lojas no Shabat, abrindo-as aos domingos.

No entanto, o novo governo estava determinado a transformar Salônica, que ainda guardava forte sabor judaico, numa cidade grega. Algo não tão simples, pois, segundo o censo de 1913, dos 200 mil habitantes da cidade, 62 mil eram judeus. O ladino ainda era a língua usada no comércio e, na sexta-feira à tarde, o porto, o comércio e, as indústrias paravam, assim permanecendo até o dia seguinte, ao término do Shabat. Salônica era uma ilha sefaradita num mar agitado pelo nacionalismo.

O governo então deu início a uma intensa política de helenização, obrigando judeus, que só falavam o ladino, seguido pelo turco, a aprender e usar o idioma grego.O francês, porém, continuou sendo a língua das elites, que enviavam os filhos às escolas estrangeiras.

Quatro anos depois da anexação de Salônica, uma tragédia de proporções imensas atinge a comunidade. Em agosto de 1917, um grande incêndio, que durou três dias, destruiu praticamente todo o centro da cidade. Mais de 2 mil edifícios pertencentes a judeus foram destruídos, inclusive a sede do Rabinato, 32 das 34 sinagogas e o prédio da Alliance Israélite, assim como quase todas as escolas, clubes, bibliotecas e sedes de instituições culturais e filantrópicas. Das 73 mil vítimas que perderam tudo, 52 mil eram judeus, que passaram a viver em tendas improvisadas, na periferia da cidade. Milhares deles deixaram a Grécia em direção à França, Itália, Alexandria e Eretz Israel.

Dando continuidade à política de helenização, uma lei declarou o domingo como o dia de descanso obrigatório, o que tornou, do ponto de vista econômico, a vida de inúmeros judeus insustentável, pois não tinham condições de fechar seus negócios durante dois dias seguidos.

Como agravante, o crescente nacionalismo que se instalara na Grécia provocou um forte sentimento anti-semita, estimulado pelo governo do primeiro ministro Venizelos, que lançou o slogan "Grécia para os gregos", sem levar em conta que os judeus lá viviam há mais de 2 mil anos.

No ano de 1931, atiçados pelo discurso anti-semita, 2 mil gregos entraram em um bairro judaico, onde 300 famílias viviam desde o incêndio de 1917, e queimaram todas as casas. Os culpados foram absolvidos no ano seguinte. O pogrom foi organizado por membros do Ethnike Enoisis Hella (União da Nação grega), organização fascista fundada na década de 1920, que, na época, contava com 7 mil membros, 3 mil dos quais, em Salônica.

Entre 1932 e 1933, mais de 20 mil judeus abandonaram a cidade. Dos 90 mil habitantes judeus que viviam em Salônica em 1900, restavam, às vésperas da 2a Guerra Mundial, uns 56 mil. Ainda eram, contudo, uma comunidade próspera e culta, a maior dos Bálcãs, e uma das mais organizadas da Europa. De março a de maio 1943, os nazistas enviaram cerca de 43 mil judeus de Salônica para Auschwitz; destes, somente 1.300 sobreviveram.

No ano seguinte, em setembro, os alemães deixaram a Grécia, derrotados; mas, para comunidade judaica, já era tarde. Dos 47 mil judeus que havia em Salônica em 1943, pouco mais de 2 mil sobreviveram à guerra. A "cidade mãe fora de Israel", a "Jerusalém dos Bálcãs", deixara de existir.

Bibliografia:

Stavroulakis, Nicholas P, The Jews of Greece,

An essay, Talos Press, Athens.

Messinas, Elias V., Synagogues of Salonika and Veroia