O território que hoje compreende a Finlândia foi, por mais de meio milênio, parte do Reino da Suécia. Não há registros de que os judeus tenham visitado os países escandinavos durante a Idade Média. E, a partir da Reforma Protestante do século 16, quando a Suécia, bem como o restante da Península, adotaram a fé luterana como religião oficial do Estado, apenas seus seguidores tinham permissão de estar na região - ao menos, oficialmente.

A Constituição de 1771, que instaurou uma monarquia parlamentar no Reino da Suécia, também preconizava que "os cidadãos devem pertencer à Igreja Evangélica Luterana". Somente anos mais tarde a Dieta Sueca (como era chamado o parlamento) concedeu aos judeus a permissão de se estabelecer nas três principais cidades do Reino, sendo que nenhuma delas se situava no território da Finlândia.

Podemos falar de uma presença judaica na Finlândia somente a partir do início do século 19. O primeiro judeu a se estabelecer no país foi Jacob Weikaim, em 1799, na cidade de Hamina. Uma lei que permitia a alguns judeus que possuíam passaporte estrangeiro residirem em cidades da Finlândia foi aprovada em 1807. Assim sendo, um número de famílias judias reconhecidas como suecas passou a viver no país.

Com a vitória, em 1809, do Império Russo na Guerra Finlandesa, o território da Finlândia se torna um grão-ducado ligado à Rússia. Supostamente autônomo, o Grão Ducado da Finlândia era, de facto, parte do Império Russo. A Constituição e o sistema jurídico da Suécia foram, no entanto, mantidos no Grão Ducado, e a proibição imposta ao assentamento judaico continuou vigorando. Em 1813, a capital finlandesa foi transferida de Turku, na costa ocidental, para Helsinque, próxima a São Petersburgo, então a capital da Rússia. Os russos entendiam que a Finlândia tinha o papel estratégico de guardião de sua capital.

O número de judeus na Finlândia aumentou após a publicação de um decreto imperial datado de março de 1858, que concedia aos marinheiros e soldados russos aposentados, bem como a suas viúvas e filhos, o privilégio de residir onde estivessem aquartelados, inclusive na Finlândia. Como não havia discriminação quanto à religião dos mesmos, pressupôs-se que o decreto também incorporasse os de fé judaica.

Apesar da maioria dos militares judeus que acabaram por se estabelecer na Finlândia serem "soldados de Nikolai", alistados durante o reinado do Czar Nikolai I, havia em seu meio grande número de cantonistas. Estes eram jovens judeus levados à força para o exército russo, em tenra idade, e que, ao completar 18 anos, entravam para o serviço militar, propriamente dito, por mais 25 anos. Acredita-se que os primeiros judeus a se assentarem na Finlândia foram cantonistas aquartelados na guarnição militar de Helsinque (no forte de Svaborg) e em Vyborg. É dessa época o primeiro recinto de orações judaicas em Viapori, uma ilha-fortaleza ao largo da costa de Helsinque.

No entanto, as autoridades locais opunham-se à permissão de residência outorgada aos judeus, alegando que, como por uma lei anterior era vetado aos judeus residir no país, o decreto de 1858 aplicava-se apenas a cristãos. Incapazes de cancelar as permissões autorizadas pelo Czar, as autoridades locais passaram a impor severas restrições para minar a posição dos judeus. Limitaram-lhes os locais de moradia e sua liberdade de movimentação nas províncias; e, ainda mais, sujeitaram-nos a freqüentes controles policiais que lhes exigiam a renovação da permissão de residência trimestralmente. As únicas ocupações que lhes permitiam eram negociar com roupas usadas, sendo-lhes proibido participar em feiras e bazares de rua, bem como realizar suas atividades fora das cidades onde residiam.

Mas, a despeito de todas as restrições, formava-se a olhos vistos uma comunidade judaica na Finlândia. Em Helsinque, é fundada, em1864, a Chevrá Kadishá, a sociedade cemitério, e, três anos mais tarde, é contratado o primeiro rabino, fundando-se, em 1870, uma sinagoga. De acordo com um censo realizado nesse mesmo ano de 1870, 226 judeus viviam em Helsinque, 59 em Turku e 175 em Vyborg. Apesar das proibições, começam também a trabalhar com artigos de vestuário, novos, que importavam, em primeira mão, das fábricas em São Petersburgo.

A luta pela igualdade de direito civis para os judeus foi empreendida pela Dieta Finlandesa, em 1872, iniciando-se um debate sobre a emancipação judaica, à mesma época, que teve seguimento pela imprensa, durante toda a década de 1870 e 1880. Enquanto a intelectualidade clamava por reformas e entre os proprietários rurais havia muitos solidários à causa judaica, o clero luterano e a imprensa reacionária se opunham a quaisquer mudanças.

Em 1889, segundo o censo realizado quatro anos antes, havia 973 judeus vivendo na Finlândia, em sua maioria artesãos e pequenos comerciantes. Naquele mesmo ano, um decreto governamental estabelece leis para a presença judaica em seu território. Mencionava, por exemplo, nominalmente, quem podia residir no país, com visto de permanência válido no máximo por seis meses. Determinava que os judeus podiam estabelecer-se apenas em Helsinque, Turku e Vyborg, e que seus filhos podiam permanecer no país apenas enquanto residissem com seus pais e fossem solteiros. A menor violação constituía base para expulsão. Como conseqüência do decreto, um quarto dos judeus que viviam na Finlândia, tiveram que deixar o país.

Em 1894, a Dieta enviou petição ao Czar para que concedesse direito de residência a judeus naturais e domiciliados no país. O número de judeus classificado como tal era muito pequeno e se aplicava exclusivamente aos cantonistas e aos "soldados de Nikolai". Outros receberam o privilégio de negociar no país, sujeitos aos regulamentos que recaíam sobre os estrangeiros, em geral, exceto no que tangia às feiras, e tinham permissão para viver e negociar apenas nas cidades de Helsingfors, Abo e Wyborg.

Em 1900, a cidade de Helsinque doa à comunidade judaica o terreno para a construção de uma nova sinagoga, inaugurada em 1906. A comunidade já estava organizada, então, contando com inúmeras sociedades beneficentes. Um clube esportivo judaico é também fundado nesse ano, mudando, em 1932, seu nome para Makkabi. Na primeira década do século 20, viviam na Finlândia 1.186 judeus e, em 1912, a sinagoga de Turku é inaugurada.

Independência finlandesa

A Finlândia começou seu processo de independência após a eclosão, na Rússia, da Revolução de Fevereiro de 1917, e a conseqüente deposição do Czar Nicolau II. Após a tomada de poder pelos bolcheviques, nesse país, em outubro do mesmo ano, Lênin deu seu "agrément" à independência finlandesa. No dia 6 de dezembro o parlamento finlandês declarou a independência.

Um dos primeiros atos do novo país soberano foi a concessão de plenos direitos civis a "pessoas de fé mosaica" residentes em seu território. Era o penúltimo país da Europa - antes apenas da Romênia - a fazê-lo. Em setembro de 1918 o primeiro judeu recebeu a nacionalidade finlandesa e, em dezembro desse ano, a comunidade judaica de Helsinque, com 930 membros, registra-se oficialmente como comunidade religiosa.

A independência finlandesa foi seguida por uma sangrenta guerra civil que instaurou violência política e medo no país. Social-democratas, chamados de "Vermelhos", apoiados pela URSS, entram em luta com as forças do senado conservador não-socialista, chamadas de "Brancos", e apoiadas militarmente pela Alemanha. Com a vitória dos "Brancos", a Finlândia passou para a esfera de influência alemã, tornando-se um protetorado monarquista do Império alemão. A Guerra Civil foi uma catástrofe para a nação finlandesa, deixando um legado de ódio e aprofundando as divisões dentro de sua sociedade. Apenas após a derrota alemã na 1ª Guerra, a Finlândia se torna uma república democrática independente. Na década de 1920, surgem no país partidos de direita, anticomunistas e fascistas, com intensa atividade anti-semita e nítida influência da tradicional fraseologia anti-semita alemã.

No período entre as duas guerras, chega à Finlândia um grande número de judeus russos em fuga face aos bolcheviques. Criam-se novas instituições e se formam grupos sionistas, entre os quais o Keren Hayesod e a Wizo. Em 1933 é fundado o Conselho Central de Comunidades Judaicas da Finlândia. O perfil educacional e profissional da comunidade também começa a mudar. Um grande número de judeus passa a freqüentar a universidade e a exercer profissões liberais, como advocacia, engenharia e medicina. Outros se voltam para a indústria e a extração de madeira, mas a maioria continua na área têxtil.

Na década de 1930 mais de 500 judeus da Alemanha, Áustria e Checoslováquia se refugiam na Finlândia, 350 dos quais acabam indo para outros países. Depois de 1938, as autoridades finlandesas recusaram-se a aceitar mais refugiados, sob o pretexto de que "já havia um número mais do que suficiente deles no país". E, no final de agosto daquele ano, os refugiados que estavam a bordo do navio Adriane foram enviados de volta ao porto alemão de Stettin, hoje, Szczecin, na Polônia.

2ª Guerra Mundial

Em 1939, quando eclode a 2a Guerra Mundial, havia cerca de 2.000 judeus vivendo na Finlândia. As relações entre a então URSS e a Finlândia eram tensas, com muitos incidentes de fronteira. Desde a independência, os finlandeses acreditavam que o único agressor potencial era a Rússia. Em novembro daquele ano seus temores se concretizam com o ataque dos soviéticos à Finlândia, dando início ao que entrou para a história como a Guerra do Inverno, que duraria até março de 1940. A maior parte da luta ocorreu no Istmo de Carélia, território entre Finlândia e Rússia. Apesar de os russos terem lutado com todo o seu poderio, as deploravelmente reduzidas tropas finlandesas demonstraram ser adversários temíveis. Centenas de judeus lutaram ao lado dos finlandeses. A Finlândia sucumbiu por força dos números e os termos de paz firmado em março de 1940 foram duros. O país teve que abrir mão da Carélia, território que incluía a cidade de Viipuri, a segunda maior em tamanho do país.

O fraco desempenho soviético durante a Guerra de Inverno foi um dos fatores que levaram Hitler a decidir atacar imediatamente a URSS. Em setembro de 1940, finlandeses e alemães entraram num acordo que permitia aos exércitos do Terceiro Reich atravessar a Finlândia. Quando a invasão da Rússia começou, em junho de 1941, os finlandeses, embora jamais fossem oficialmente aliados do Reich, participaram na luta contra a URSS. Cerca de 300 judeus estavam nas fileiras do exército finlandês, muitos dos quais eram oficiais. Até dezembro de 1941, alemães e finlandeses avançaram em território russo, mas após essa data seguiu-se um longo impasse. A Guerra da Continuação, como passou a ser chamada, perduraria até setembro de 1944.

A Finlândia se manteve como uma democracia durante toda a 2a Guerra. Apesar de ter uma coligação ativa com a Alemanha, as autoridades finlandesas recusaram-se a aplicar a legislação antijudaica no país. Nos países escandinavos, quando o indivíduo é cidadão, ele é parte integral da sociedade. Mas, se os finlandeses trataram os concidadãos judeus em total condição de igualdade durante a guerra, os refugiados judeus, no entanto, não estavam totalmente a salvo, e 160 judeus que não possuíam nacionalidade finlandesa se refugiam na Suécia. A situação era ainda mais delicada quando o judeu era um prisioneiro de guerra russo.

Os soldados judeus se viram numa situação no mínimo peculiar. Apesar de não lutarem junto com os alemães, lutavam ao lado da Alemanha. E, mesmo se na época eles desconheciam a verdadeira extensão do plano nazista para a "solução do problema judaico", tinham conhecimento da perseguição e violência perpetrada pelos alemães contra seu povo. Um exemplo dessa situação ambígua é a história de um soldado judeu que após desafiar a morte ao resgatar um batalhão de soldados da SS atacados por fogo inimigo, é agraciado com a Cruz de Ferro. Ao se apresentar perante os alemães, ele a recusa, em alemão impecável. Quando o oficial alemão lhe perguntou onde aprendera a falar o idioma alemão, ele lhe responde que era judeu. Sua língua materna era o iídiche e, portanto, fora-lhe fácil falar alemão. E, a seguir, perante os estarrecidos nazistas ele marchara para fora da tenda em um silêncio mortal. O governo finlandês aceitou sua recusa em receber a medalha.

Outro fato interessante foi a existência de uma sinagoga que funcionava bem ao lado das tropas nazistas. Isak Smolar, judeu de Helsinque, construiu essa "sinagoga no campo" para os soldados judeus que serviam na brigada de Uusimaa, em Syvari. Apesar de consistir de uma pequena tenda feita de compensado, os homens a consideravam "o tabernáculo no deserto". A comunidade de Helsinque forneceu à sinagoga os rolos da Torá.

Por trás dessas atitudes alemãs estava o fato deles precisarem do apoio finlandês contra a URSS. Os nazistas sabiam que qualquer ato contra um soldado judeu levantaria a ira de seus conterrâneos, por isso concordaram verbalmente em não tocar nos judeus que serviam nas fileiras do exército finlandês.

No segundo semestre de 1942, os alemães começam a insistir perante as autoridades para que os judeus que viviam na Finlândia lhes fossem entregues. Para não fazê-lo, os finlandeses replicam que a questão seria decidida no Parlamento - que propositalmente não foi convocado durante alguns meses. Ao que consta, quando o chefe das SS, Heinrich Himmler, levantou a "questão judaica" com o Primeiro Ministro Johann Wilhelm Rangell, em meados de 1942, Rangell retrucou que não havia questão judaica na Finlândia; enfaticamente declarou que o país apenas tinha 2.000 respeitáveis cidadãos judeus, que tinham lutado no exército como qualquer outro cidadão, dando, assim, o assunto por encerrado.

Contudo, mais para o final daquele ano, Heinrich Muller convenceu o chefe da polícia finlandesa, Arno Anthoni, a deportar 50 refugiados judeus. Armado em sigilo, o plano de deportação foi descoberto pelo Gabinete finlandês, que consegue detê-lo antes de ser totalmente levado a cabo. Mesmo assim, oito judeus foram entregues à Gestapo, tendo apenas um deles sobrevivido.

A deportação foi condenada por clérigos e políticos e, como conseqüência, o governo finlandês se recusa a entregar mais judeus aos nazistas. À parte desse incidente e dos que pereceram no campo de batalha, os judeus da Finlândia, tanto os locais quanto os refugiados, passaram a guerra ilesos. Deve-se mencionar, contudo, que as autoridades finlandesas são responsáveis pela morte de outros judeus. Durante a guerra, entregaram aos alemães soldados soviéticos aprisionados, entre os quais havia inúmeros judeus.

Em 9 de junho de 1944, o Exército Vermelho lançou um ataque surpresa maciço contra a Finlândia. A luta seguiu até ser assinado um acordo. O presidente renunciou e o parlamento escolheu o Marechal de Campo Carl Gustav Mannerheim, chefe do Estado Maior do exército finlandês como o novo presidente, encarregando-o de negociar a paz. Assinou-se um armistício, em setembro, pelo qual a Finlândia foi obrigada a expulsar as tropas alemães do país. Isto levou à guerra da Lapônia, de 1944 a 1945, na qual o exército finlandês forçou a retirada das tropas alemães do norte do país.

No dia 6 dezembro de 1944, dia da Independência, Mannerheim vai à sinagoga de Helsinque para participar de um evento em memória dos soldados judeus que perderam a vida na guerra, reconhecendo o sacrifício que haviam feito pelo país. O chefe da polícia finlandesa, Arno Anthoni foi condenado, em 1947, por um tribunal de Turku por sua participação na entrega de refugiados judeus aos alemães.

Judaísmo finlandês, hoje

Em 1968, havia 1.750 judeus vivendo na Finlândia; em 2008, 1.306, a grande maioria em Helsinque (Helsingfors). Desde o colapso da antiga União Soviética, verificou-se um influxo de judeus soviéticos, que ajudaram a revitalizar a comunidade judaica.

Apesar da comunidade judaica finlandesa contar com apenas 1.500 pessoas, entre os seus 5,1 milhões de compatriotas, elas mantêm uma vida social e uma estrutura educacional judaica bem organizada e integrada na sociedade maior. Grande parte dos integrantes da geração mais velha eram comerciantes ou pequenos empresários, ao passo que a geração mais jovem é constituída por profissionais liberais ou acadêmicos, inclusive alguns são cientistas, artistas, escritores e outras figuras públicas de renome.

Em Helsinque há uma escola judaica, fundada em 1918, o Centro Comunitário Judaico, que compreende a sinagoga, construída em 1906, e um edifício comunitário adjacente, construído em 1961. Este Centro atende as necessidades de seus membros desde a "infância até os anos grisalhos". Abriga um jardim de infância, uma escola e um lar para idosos. As atividades desportivas e juvenis são promovidas pelo Clube Juvenil Judaico de Helsinque e pelo Makkabi Sports Club, a mais antiga associação desportiva macabi da Europa. As atividades sionistas são mantidas pelas filiais locais do Keren Kaiemet Le'Israel, Keren Hayesod e Wizo. Em 2006 a comunidade judaica de Helsinque celebrou o 100o aniversário de sua sinagoga.

Bibliografia:

Exposição no Museu Beth Hatefutsoth "Judeus da Finlândia: Uma tenda de orações em uma floresta coberta de neve - Histórias dos Judeus da Finlândia"

Jews of Finland, Encyclopedia Judaica, by : Herman Rosenthal & J. G. Lipman http://www.jewishencyclopedia.com/