A vida dos judeus da Argélia mudou drasticamente no século 19. A conquista do país pela França, em 1830, iniciara o último capítulo da história judaica argelina. Aos poucos, os judeus se “afrancesaram”, tornando-se cidadãos franceses. A independência da Argélia, em 1962, marcou o fim de dois mil anos de sua presença no país. Os judeus, em grande maioria, foram para a França. Hoje não há judeus na Argélia.

Não se pode negar que houve melhoras substanciais na vida da população judaica durante o período colonial. Para eles, a derrota otomana significara o fim do sofrimento, humilhações e arbitrariedades impostas pelos Deys, como eram chamados os governantes da Regência de Argel, parte do Império Otomano após 1671. Contudo, não se tornou um “mar de rosas”, já que na Argélia francesa era profundo e declarado o antissemitismo dos colonizadores franceses e europeus, os colons, popularmente chamados de “pieds-noirs”, principalmente antes e durante a 2a Guerra Mundial. No entanto, os judeus argelinos sempre mantiveram a imagem da França em suas dimensões ideais: sua cultura, seu espírito de tolerância e de respeito pela liberdade pessoal. Acreditavam em sua “pátria”, embora nem sempre essas virtudes estivessem presentes na conduta dos assuntos de interesse nacional.

Invasão e colonização francesa

Dívidas contraídas por Napoleão na Argélia, durante a campanha no Egito, e não pagas pelos sucessivos governos, provocaram o primeiro dos incidentes diplomáticos que resultaram na tomada de Argel por forças francesas. O incidente diplomático chamado de “pá mata-moscas”, ocorreu em 1827 quando Hussein Dey, então governador da Regência de Argel, convocou o cônsul francês, Pierre Deval, exigindo um posicionamento em relação à dívida francesa em aberto.

Na década de 1790, o governo francês costumava comprar à crédito trigo argelino, quase sempre através de duas famílias judias dedicadas ao comércio, os Busnach e os Baqri. Na virada do século, a França devia aos dois fornecedores vários milhões de francos. Estes, por sua vez, não tinham como pagar os impostos exigidos pelo governantes. As dívidas continuavam em aberto quando, em 1818, Hussein sobe ao poder.

Convocado, então, pelo Dey, o cônsul Deval desconversou altivamente sobre as exigências de pagamento. Não contendo sua fúria, Hussein o golpeia no rosto com uma pá mata-moscas que tinha em mãos. A França considerou o incidente “uma ofensa à honra francesa” e, em represália, declarou um bloqueio ao porto de Argel. A resposta de Hussein foi destruir os entrepostos comerciais franceses em seu território.

A tensão chegou ao ponto de ruptura, três anos mais tarde, quando os argelinos atacam o navio francês que levava a bordo um embaixador portador de uma proposta de negociação para o Dey. Carlos X, rei da França, decide então adotar uma ação militar contra a Regência de Argel. Os ataques à honra francesa não eram, porém, a principal razão por trás dessa decisão. O Rei queria desviar a atenção dos franceses da impopularidade de seu governo.

Em 12 de junho de 1830, os franceses iniciam a ação militar contra a Regência. Após intenso bombardeio naval, 34 mil soldados franceses desembarcam a oeste de Argel, em Sidi Ferruch, e, três semanas mais tarde, em 5 de julho, tomam a cidade. O êxito da ação militar não consegue, no entanto, salvar a monarquia. Na França, manifestações e levantes culminam na Revolução de 1830. Após as chamadas “jornadas gloriosas de julho”, Carlos X abdica e seu primo, Louis Philippe, é proclamado rei da França pela Assembleia Nacional. Entre os membros do novo governo, muitos eram contrários à invasão da Argélia, mas uma comissão parlamentar concluiu que a ocupação deveria seguir em frente, para manter o “prestígio nacional”.

Forças francesas ampliam as áreas de ocupação. A forte resistência por parte da população muçulmana leva a França a enviar forças adicionais. A retirada dos franceses da Argélia provaria ser bem mais difícil do que sua conquista, pois, apesar das divergências políticas dos governos sucessivos, todos mantiveram a ocupação, que durou 130 anos.

Durante a conquista, inclusive no decorrer da chamada “penetração pacífica” – quando a França expandiu sua presença do litoral até as áreas rurais, ao sul – os franceses saqueiam e massacram aldeias inteiras, destruindo mesquitas e profanando cemitérios.

Em 1834, a França anexa as áreas conquistadas como colônia, e determina que será administrada por um governo militar – o Régime du Sabre. Nos anos que se seguem, a Argélia se torna o destino preferido para milhares de imigrantes franceses e europeus, conhecidos como colons. O assentamento colonial é realizado através de expropriação ou compra de terras a preços baixos dos argelinos muçulmanos. A maioria dos colons visava enriquecer através da “obtenção” ou compra de todo tipo de propriedades, principalmente terras cultiváveis, a preços irrisórios. Nas décadas de 1840 e 1850, para incentivar esse assentamento nas áreas rurais, a política oficial da França era oferecer concessões de terra por pequena soma, com a promessa de que o governo se ocuparia das melhorias necessárias.

Entre os primeiros a se assentar estavam os soldados franceses, juntando-se a eles imigrantes das regiões empobrecidas da França, Itália e Espanha, em sua maioria camponeses ou operários. À medida que cresce o número de colonos, aumenta a pressão sobre o governo francês para disponibilizar mais propriedades. As autoridades, então, passam a confiscar terras e propriedades muçulmanas.

Em 12 de novembro de 1848, a Argélia é oficialmente declarada “território francês” e, até a independência argelina em 1962, toda a região mediterrânea do país será administrada como parte integrante da França. Três “territórios civis” – Argel, Orã e Constantina – são organizados como unidades administrativas, sob um governo civil. Apenas o vasto interior, árido e desértico, nunca é tratado como parte da França e sua administração permanece sob o “Regime do Sabre”.

Os cidadãos das unidades administrativas passam a eleger seus próprios conselhos administrativos e prefeitos. Os muçulmanos, porém, eram nomeados, e não podiam deter mais do que um terço dos assentos nesses conselhos. Tampouco podiam ocupar os cargos de prefeito e vice-prefeito.

Os judeus sob domínio francês

Quando os franceses desembarcaram na Argélia, viviam no país entre 15 mil a 17 mil judeus – estima-se que 6.500 em Argel, 3.000 em Constantina, 2.000 em Orã e 1.500 em Tlemcen. Havia, também, pequenas comunidades nos oásis, ao Sul – os judeus de M’zab e Laghouat.

A conquista francesa foi bem recebida pela população judaica, já que sob domínio dos Deys viviam sob o estatuto de dhimmis. Considerados súditos de 2ª classe, sua vida fora marcada por muito sofrimento e humilhação. De imediato, os franceses abolem esse estatuto, e eles passam a ter direitos iguais aos muçulmanos.

Antes da chegada dos franceses, o estilo de vida, idioma e vestuário da população judaica eram semelhantes aos dos muçulmanos, mas logo a influência francesa se fez sentir em seu dia a dia. No plano econômico, porém, a maioria continuou a exercer seus ofícios tradicionais - alfaiataria, relojoaria, tecelagem, ourivesaria. Ainda havia uma pequena minoria mais abastada, formada por comerciantes e financistas. Esse segmento da população judaica foi o que mais rapidamente adotou o estilo de vida e a cultura francesa. Assim que as primeiras escolas francesas foram abertas, em 1831, judeus mais abastados enviaram seus filhos para lá estudar. No ano seguinte, nas principais comunidades foram abertas escolas judaicas, onde o idioma de ensino era o francês.

No início do domínio francês, as comunidades continuaram se autogovernando, mas essa autonomia foi de curta duração. Com a anexação da Argélia a França, em 1848, alguns cargos foram abolidos, como, por exemplo, o de muqadam, encarregado de chefiar as comunidades judaicas, que foi substituído por um vice-prefeito. Nos conselhos administrativos municipais e nas câmaras de comércios um ou dois de seus membros eram judeus.

A influência dos judeus franceses

Após a conquista da Argélia, a comunidade judaica francesa procura avaliar as “necessidades” dos judeus argelinos. Em 1842, dois judeus franceses, Jacques Isaac Altaras e Joseph Cohen, são incumbidos pelo governo de ir à Argélia para estudar o procedimento a ser adotado na “reforma” das comunidades judaicas. Os relatórios desses enviados apontavam a “vontade dos judeus argelinos de se aproximar da civilização francesa” e continham propostas radicais. Entre outras, a extinção dos tribunais rabínicos, a obrigatoriedade de frequentar escolas sob controle do Estado, e a proibição dos trajes tradicionais.

A principal, e que iria modificar o judaísmo argelino, era a criação do“ sistema conciliar”, à exemplo do que vigorava na França, com a criação de consistórios – conselhos de rabinos e leigos responsáveis pela administração dos assuntos comunitários.

O governo francês decide instituir o sistema conciliar na Argélia em novembro de 1845. É então criado um consistório central em Argel e outros dois em Orã e Constantina. Rabinos-chefe franceses asquenazitas, nomeados e pagos pelo governo francês, são enviados para tomar conta dos consistórios. Como era de se esperar, a medida provocou grandes atritos com as autoridades rabínicas locais. Entre as atribuições dos rabinos-chefes franceses estava a implementação do “ponto de vista consistorial” entre os judeus argelinos. Isso significava seu afastamento das ricas tradições judaicas norte-africanas.

A influência do judaísmo francês cresce ainda mais após 1867, quando a França determina a extinção do Consistório Central de Argel. Após essa data, todos os consistórios argelinos ficam sob o comando do Consistório Central dos Judeus da França, alçando o seu Rabino Chefe da França a Rabino Chefe da França e Argélia.

Educação secular francesa

Em países muçulmanos, o objetivo da Alliance Israélite Universelle (AIU), criada na França em 1860, era a alfabetização em francês das crianças judias. Mas não foi o caso da Argélia, onde a educação de crianças judias sempre ficou a cargo das escolas públicas francesas. Nesse país, a AIU se encarregava unicamente da educação religiosa.

A educação francesa, apesar de suas vantagens, levou muitos judeus argelinos a se afastarem do judaísmo tradicional. Sua aculturação foi extremamente rápida. Em pouco tempo, adotam o francês como idioma e o estilo de vida, cultura e valores da burguesia francesa. Para tentar frear a total aculturação, foram abertas em muitas cidades, escolas tradicionais de Talmud Torá (ensino religioso) e gráficas judaicas em Argel, em 1853, e Orã, em 1856 e 1880.

A assimilação não chega, no entanto, aos níveis do que ocorre na comunidade judaica francesa, pois na Argélia vai surgindo uma intelectualidade judaica, que, apesar de aculturada, consegue manter suas tradições. Seus membros foram os primeiros a seguir profissões liberais. A proporção de judeus entre tais profissões foi bem maior do que entre a população geral; eles abraçaram a cultura francesa, consumindo e produzindo arte.

Decreto de Crémieux

A intelectualidade judaica argelina, assim como os judeus e os liberais franceses, queria que a França naturalizasse os judeus argelinos. Em 14 de julho de 1865, um decreto do governo abre a judeus e muçulmanos da Argélia o direito à naturalização individual. Mas, para se tornar cidadão francês, o indivíduo teria que abrir mão de seu estatuto religioso – ou seja, teria que se sujeitar às leis seculares francesas e servir o exército. É interessante lembrar que, sob os otomanos, como a lei islâmica (shaaria) não tem jurisdição sobre não-muçulmanos, as minorias religiosas eram entidades legais, podiam autogovernar-se e, cada minoria possuía seus próprios tribunais, onde eram julgados de acordo com suas leis.

Poucos judeus e muçulmanos se naturalizaram. A maioria não quis renunciar a seu estatuto religioso. Pressionado pelos judeus franceses, o governo consulta as autoridades religiosas judaicas argelinas sobre sua posição na eventualidade de uma naturalização coletiva. Estas acabam concordando com a naturalização coletiva.

Na época, a França passava por um período político conturbado. Derrotado na guerra franco-prussiana, no dia 2 de setembro de 1870, Napoleão III assina a rendição e, dois dias depois, é forçado a abdicar. Chega ao fim o Segundo Império, sendo proclamada a Terceira República, um regime republicano que vigoraria até 1940.

Adolphe Crémieux, político judeu e membro do Governo de Defesa Nacional, assume o cargo de ministro da Justiça, que ocuparia até fevereiro de 1871. Crémieux, também presidente da AIU, era um defensor das liberdades universais, e, principalmente, da causa judaica. Como ministro, em 1870 assina um decreto, que mais tarde ficaria conhecido como o Decreto Crémieux, pelo qual todos os 35 mil judeus da Argélia são naturalizados coletivamente, tornando-se cidadãos franceses plenos, com todos os direitos. O decreto não se aplica aos judeus do Mzab e, a seguir, uma lei exclui os judeus nascidos na Tunísia ou Marrocos.

O fato da naturalização coletiva não ter sido estendida aos muçulmanos – como o desejava Crémieux – é explicado pela hostilidade dos militares franceses e dos colonos, que recusavam qualquer concessão aos muçulmanos.

O Decreto Crémieux, seguido pelas leis de Jules Ferry1, torna o ensino obrigatório e gratuito na Argélia e na França. Esse ensino laico foi a causa mais importante do “afrancesamento” dos judeus da Argélia.

Mais “permeáveis” às influências francesas do que os muçulmanos, os judeus passam a se vestir como europeus. E nomes franceses substituem os hebraicos ou árabes. O “afrancesamento” dos judeus pode ser notado no vocabulário muitas vezes usado para marcar as etapas da vida judaica. Utilizavam, por exemplo, o termo “batizado”, para se referir à Brit Milá, e “comunhão”, para o Bar Mitzvá.

Embora mais pronunciada do que na Tunísia ou no Marrocos, essa assimilação não chega aos níveis da observada entre os judeus na França. São raros os casamentos mistos; eles continuam sendo um grupo distinto. Não há uma integração com os colons e tampouco com os muçulmanos. Essa identidade separada judaica foi mantida por duas fortes razões: o antissemitismo dos “pieds-noirs” e o sistema inerente à sociedade islâmica, no qual religião e família eram os fatores determinantes de seu status social – e não a nacionalidade formal e o comportamento cultural. Na Argélia, um judeu continuava sendo, apenas, um judeu, e não um “francês”.

O antissemitismo

Com a naturalização coletiva, os judeus passam a ter o mesmo estatuto jurídico que os colonos, e isso provoca uma violenta reação antissemita. Esta se deve, em grande parte, ao medo de uma quebra da hierarquia colonial, permitindo que elementos “inferiores” – como os judeus, ou ainda pior, os muçulmanos – se tornassem parte da classe dominante.

Na década de 1880 uma onda de violência anti-judaica tomou conta da Argélia: os judeus foram atacados em Tlemcen, em 1881; em Argel, em 1882, 1897 e 1898; em Orã e Sétif em 1883. As agressões alcançaram seu auge em 1897, em Mostaganem. Até 1900, em todas as cidades e aldeias onde viviam foram registrados saques e assassinatos; numerosas sinagogas foram saqueadas e Sefarim profanados. É importante enfatizar que, nesse período, a onda de antissemitismo partiu dos colons.

Ademais, na própria França, no final do século 19, o “nascimento” do antissemitismo político e o Caso Dreyfus desestabilizaram a posição dos judeus. O antissemitismo político era um “mix ideológico” do anti-judaísmo “tradicional”, a judeu-fobia anticapitalista da esquerda e a pseudociência das teorias raciais, que afirmava ser a “raça ariana” superior à “raça judaica”.

O Affaire Dreyfus, que teve início na França em 1894, é um fator incandescente na campanha anti-judaica na Argélia. É criado um partido antissemita e vários de seus notórios membros conseguem eleger-se. Entre eles, Max Régis torna-se prefeito e Édouard Drumont, representante parlamentar de Argel. Drumont é autor de La France Juive. Essa famigerada “obra”, publicada em 1886, ajudou a disseminar pelo mundo a “nova face” do antigo ódio aos judeus.

À medida que antissemitas contumazes assumem seus cargos, eles passam a tomar “atitudes” contra a população judaica. Em Constantina, por exemplo, por decisão do vice-prefeito Émile Morinaud, pacientes judeus não eram admitidos em hospitais. A ilegalidade das medidas, juntamente com o fato de que não tiveram o apoio dos muçulmanos, levou à extinção, em 1902, do partido antissemita.

No entanto, conforme piora a situação econômica dos muçulmanos, notadamente na agricultura, eles passam a acusar os judeus de contribuir para seu fracasso. Ademais, a política colonial fomentava a oposição entre árabes e judeus.

Uma das particularidades do judaísmo argelino era o fato de ser “quase que totalmente hermético à atividade sionista”, apesar das atividades da WIZO (Organização Sionista Internacional das Mulheres) e outras entidades no país, devido à sua estreita ligação com a França. Essa especificidade fez com que a imigração para Israel (Aliá) sempre se mantivesse em níveis reduzidos.

As décadas antes da 2a Guerra Mundial

A 1a Guerra Mundial causara um temporário apaziguamento ao anti-judaísmo dos colons, com a mobilização de todos os franceses, inclusive os da Argélia, judeus e não judeus. Morrem em combate 2.850 judeus da Argélia. Mas, “a calmaria” dura pouco – em 1921 irrompe, em Orã, nova onda de ódio.

Com a subida de Hitler ao poder, saudada com júbilo por muitos colons, uma forte corrente antissemita toma vulto entre os “pieds-noirs”, como testemunho da manchete do jornal antissemita “Le Petit Oranais”: “É preciso colocar enxofre, piche e, se possível, o fogo do inferno nas sinagogas e escolas judaicas, apropriar-se de seu capital e caçá-los a céu aberto, como a cães furiosos”.

As campanhas contra judeus resultaram, entre outros, em um massacre em Constantina, em 1934. A crise recrudesceu em 1936, quando Léon Blum, judeu, torna-se Primeiro Ministro da França.

Período do Holocausto

Em 1940, o exército francês foi fulminantemente derrotado por tropas nazistas. Após a Terceira República do Marechal Pétain se render, foi assinado um armistício com Hitler, segundo o qual a França seria dividida: o Norte ficaria sob controle direto da Alemanha e, no Sul, os alemães permitem o estabelecimento de um governo colaboracionista que tinha Vichy como capital. O Marechal Pétain, homem forte da França de Vichy, como o novo regime é conhecido, prega uma união entre França e Alemanha nazista.

O governo de Vichy passa a administrar as possessões francesas, no norte da África: Argélia, Marrocos e Tunísia. Os judeus nesses locais são sujeitos a leis que levam à discriminação política e jurídica, injustiça econômica e, em inúmeros casos, prisão, trabalhos forçados, danos físicos e morte.

O primeiro conjunto de leis antissemitas de Vichy (o “Estatuto Judaico”), aprovado em outubro de 1940, determina que a religião dos avós definia quem era judeu. Ainda no início daquele mês, o governo de Vichy repudia o “Decreto Crémieux”, sendo, portanto, revogada a cidadania francesa de judeus argelinos. O antissemitismo entre os colonos franceses iria facilitar a instauração de leis antissemitas, aplicadas com grande severidade na Argélia.

Os 17 mil judeus que viviam no país, em 1940, são excluídos da vida econômica, financeira, profissional e de funções públicas. E apenas 2% do total de profissionais liberais podiam ser judeus. A eles é proibido lecionar, bem como estudar em escolas e universidades públicas.

Em resposta, a comunidade judaica estabelece e custeia seu próprio sistema educacional, com professores judeus. Tais escolas eram administradas pelos Consistório de Argel, Orã e Constantina – embora fossem regulamentadas pela legislação do governo de Vichy.

Esse infame regime também procede à “arianização” das propriedades judaicas. Uma lei, de julho de 1941, determina o confisco dos bens imóveis da população judaica, exceto suas moradias.

As autoridades coloniais prendem e enviam para campos de detenção milhares de judeus. Mais de 4 mil refugiados judeus são despachados para campos no sul do Marrocos e da Argélia para efetuar trabalho escravo na construção da ferrovia subsaariana. Graças a uma combinação única de fatores políticos, militares, estratégicos e geográficos os judeus que viviam no norte da África não foram sistematicamente assassinados e tampouco enviados para campos de extermínio da Europa Oriental.

A resposta de muitos jovens judeus foi entrar na Resistência contra Vichy. Entre seus líderes estavam José e Colette Aboulker, Raphaël Aboulker, Roger e Pierre Carcassone, Jean Dreyfus, Jean Gozlan e Roger Jais.

Em Argel, a Resistência, em sua maioria judeus liderados por José Aboulker, levou a cabo, em 8 de novembro de 1942, a insurreição de Argel. Os jovens conseguiram neutralizar a capital enquanto os americanos desembarcavam no país, como parte da Operação Tocha (Ver artigo na pág. 68).

Mas, ao contrário do que acreditavam, o desembarque dos Aliados no norte da África, em novembro de 1942, não resultou em uma melhoria na vida dos judeus da Argélia. Entidades e personalidade judaicas argelinas e norte-americanas passam a pressionar para que fossem restabelecidos os direitos civis dos judeus. Mas, com a cumplicidade de Robert Murphy, principal conselheiro de Roosevelt para questões da África do Norte, as autoridades francesas de Vichy haviam sido mantidas no poder.

E elas não pretendiam abolir as leis discriminatórias, tampouco libertar os judeus presos nos campos de detenção e de trabalhos forçados. Em dezembro daquele ano de 1942, aprisionam os jovens judeus argelinos que haviam neutralizado Argel, permitindo o desembarque aliado.

Perante a situação paradoxal, é iniciada uma campanha mundial contra a colaboração dos Aliados na Argélia junto aos membros do regime de Vichy que haviam sido mantidos no poder. Jornais, como o The New York Times, passaram a pedir a abolição das leis raciais e a dispensa de Robert Murphy.

Em março de 1943, Henri Giraud, um general do regime de Vichy que ocupava o posto de Comissário Superior para a África Francesa, afirma repudiar oficialmente o governo de Vichy e abole as leis racistas e discriminatórias. Porém Giraud, antissemita convicto, não restaura o Decreto Crémieux, afirmando, injustamente, que ele diferenciava os muçulmanos dos judeus. Somente após meses de uma ferrenha campanha por parte do Congresso Judaico Mundial, Congresso Judaico Norte-Americano, Comitê Francês para a Liberação Nacional e da intervenção do Presidente Roosevelt, dos EUA, o Decreto é revalidado, em 20 de outubro de 1943.

No pós-guerra, os judeus reorganizam sua vida e suas comunidades, criando várias organizações judaicas. Entre elas, a Federação das Comunidades Israelitas da Argélia, reunindo 60 diferentes grupos comunitários.

A Escola Rabínica da Argélia inicia suas atividades em 1948; o Comitê Judaico-Argelino de Estudos Sociais, criado após a 1ª Guerra Mundial, retoma suas atividades nesse mesmo ano.

Os judeus durante a Guerra da Argélia

O fim da presença judaica na Argélia foi determinado pela luta nacionalista argelina pela independência. A Guerra da Argélia se iniciou em novembro de 1954, quando a Frente de Libertação Nacional (Front de Libération Nationale - FLN) lançou ataques contra instalações militares e policiais francesas, e iniciou uma campanha de terror contra colonos. Os franceses responderam com prisões, torturas, bombardeios aéreos e ratissages – jargão usado para descrever os raids realizados pelo exército, como “um pente fino” ou um rastelo passado em cidades e vilarejos, não poupando nada. Durante oito anos, até a independência da Argélia em 1962, o exército francês e os colonos lutaram contra grupos pró-independência. Não se sabe quantos morreram. As estimativas vão de 300 mil a mais de um milhão de pessoas.

Em 1954, quando o conflito eclodiu, judeus, sobretudo nas grandes cidades, especialmente Argel e Orã, se viram entre duas forças violentamente opostas. Sua posição marginal na sociedade local os expunha a constante perigo. No decorrer do conflito, a estrutura comunitária oficial argelina foi-se desintegrando. Cada comunidade passou a girar em função dos costumes e tradições locais.

Quando irrompe a guerra, a comunidade judaica não toma partido, mantendo cautela em assumir uma posição política. Se, de um lado, ainda sentiam na pele o antissemitismo dos colonos e o sofrimento dos anos de Vichy, do outro mantinham uma forte ligação cultural e emocional com sua “pátria”.

Mas os nacionalistas muçulmanos queriam um posicionamento. No início de novembro de 1954, a FLN “convida” todos os habitantes, independentemente de sua religião, a lutar contra o exército francês. Dois anos mais tarde, lança um apelo específico aos “argelinos de origem judaica”, que “ainda não venceram sua consciência perturbada, ou não se decidiram sobre que lado escolher” a “optar pela nacionalidade argelina”. A resposta da comunidade judaica foi: “Somos franceses, somos republicanos, somos liberais, somos judeus”.

Nos anos que se seguiram, os assassinatos e ataques contra os judeus, bem como a profanação e destruição de sinagogas por integrantes do movimento nacional argelino, fazem com que cada vez mais se posicionem a favor da França. Em 1955, o rabino de Batna é agredido. No ano seguinte uma sinagoga de Orã é incendiada. Dois rabinos, um de Nedroma, em 1956, e um de Médéa, no ano seguinte, são assassinados.

Em maio de 1956, o Mossad executa uma ação de represália contra os muçulmanos de Constantina. Era um aviso aos muçulmanos argelinos para não envolver os judeus em sua luta com os franceses.

Os temores judaicos aumentam quando, em 18 de fevereiro de 1958, dois emissários da Agência Judaica são assassinados pela FLN. Em dezembro de 1960, a grande sinagoga de Argel e o cemitério judaico de Orã são, mais uma vez, profanados. E uma granada é lançada em uma sinagoga de Boghari. O filho de William Levy, líder judeu, é morto pela FLN. Em seguida, o próprio Levy é assassinado pela OAS (Organisation Armée Secrète).

O reinado de terror e contraterrorismo da FLN e OAS, em 1961 e 1962, tiveram consequências catastróficas. Atentados são realizados nos bairros judeus em 1957, 1961 e 1962, em Orã e Constantina. E, em junho de 1961, Cheikh Raymond Leyris, cantor do estilo maalouf e sogro de Enrico Macias, é assassinado em Constantina por um muçulmano. Os eventos abalaram os judeus argelinos. Cada vez mais a lealdade emocional e as predisposições culturais são francesas. Cada vez mais temem que o ódio muçulmano contra o colonialismo francês seja direcionado contra eles, não apenas como europeus, mas como judeus e sionistas. Consequentemente, apesar da comunidade não ter adotado uma posição oficial contra a independência, em março de 1961 uma delegação do Comitê Judaico-Argelino insiste que as negociações entre a França e os grupos nacionalistas incluam o reconhecimento oficial sobre a natureza francesa de sua comunidade.

Na França, a Guerra da Argélia provocou uma verdadeira guerra civil entre grupos a favor e contra a presença francesa na colônia. Causou estragos suficientes para provocar o colapso da Quarta República e a instalação da Quinta República, chefiada por Charles de Gaulle. Em 1962, de Gaulle promove um referendo sobre a autodeterminação argelina, que é aprovada pela maioria da população, na França e na Argélia. Finalmente, em 18 de março de 1962, são assinados os Acordos de Évian, trazendo consigo uma nova Argélia independente e pondo fim a oito anos de guerra.

Após a independência do país, todos os judeus com cidadania francesa decidem mantê-la. No fim de julho de 1962, 70 mil judeus já haviam deixado a Argélia para a França e outros 5 mil para Israel. A França tratou os judeus argelinos em pé de igualdade com os repatriados não-judeus.

O regime de Mohamed Ahmed Ben-Bella, no poder de 1962 até 1965, manteve um relacionamento amigável com os judeus, apesar de ter aprovado o Código de Nacionalidade de 1963, que concedia a cidadania apenas a muçulmanos cujos pais e avós paternos também fossem muçulmanos.

Mas, após a subida ao poder de Houari Boumédienne, em 1965, a situação rapidamente se deteriora. Os judeus voltam a ser perseguidos, enfrentando discriminação política e social, além de pesados impostos.

Em junho de 1967, ao eclodir a Guerra de Seis Dias, a mídia argelina lança um violento ataque contra Israel e os judeus. As paredes das sinagogas de Argel e outras comunidades judaicas são totalmente pichadas. Cemitérios judaicos do país são novamente depredados.

Após a independência, a Argélia se filiara à Liga Árabe e, em junho de 1967, juntamente com outros países árabes, declara guerra a Israel, enviando ajuda militar. Até a aceitação do cessar-fogo pelo Egito foi denunciada pelas multidões argelinas. Naquele ano, o governo desapropria todas as sinagogas do país, excetuando-se apenas uma, e as converte em mesquitas. A Suprema Corte declara também que os judeus já não estavam sob a proteção da lei.

Dos aproximadamente 130 mil judeus que deixam a Argélia, após a independência, estima-se que cerca de 80% deles se estabelecem na França. Os judeus marroquinos que viviam na Argélia e os do Vale de M’zab, no Saara argelino, que não possuíam cidadania francesa, e um pequeno grupo de judeus argelinos de Constantina, emigram para Israel.

A Argélia adota uma atitude extrema anti-Israel, dando total apoio aos terroristas palestinos. Em 23 de junho de 1968, a FPLP (Frente Popular de Libertação da Palestina) sequestra um avião da El Al e pousa na Argélia, com a aprovação do governo. O avião, tripulação e passageiros israelenses do sexo masculino são detidos durante semanas. E só são libertados em troca de terroristas presos em Israel.

Em 1969, menos de mil judeus ainda permaneciam na Argélia e, na década de 1990, apenas 50, todos em Argel. Havia uma sinagoga em funcionamento, porém sem rabino. As demais foram desapropriadas e usadas como mesquitas, ou caíram em ruínas.

Desde 2005, o governo argelino vem tentando reduzir a discriminação contra os judeus, aprovando uma lei que reconhece a liberdade de credo. Também permitiu peregrinação judaica aos locais judaicos sagrados mais importantes, proibida desde 1962. Em 2014, o Ministro para Assuntos Religiosos, Mohammed Eissa, anunciou que o governo do país promoveria a reabertura de sinagogas – o que nunca se tornou realidade.

Nesse ano de 2018, 80 anos após terem sido perseguidos pelos nazistas e pelo Regime de Vichy, cerca de 25 mil judeus argelinos foram declarados “vítimas do nazismo” pelo governo alemão. Há muito Israel admitiu que os judeus argelinos também foram vítimas do Terceiro Reich, mas não o governo alemão, até agora. Tão importante quanto o montante em dinheiro que irão receber, é o reconhecimento de seu sofrimento. Ainda que não fossem assassinados, os judeus argelinos foram privados de seus direitos e humilhados sob as leis antissemitas de Vichy.

No cargo de Ministro da Educação, Jules Ferry (1832-1893) tornou a escola francesa laica e republicana. Em 1881, torna o ensino primário gratuito; e, em 1882, obrigatório.

BIBLIOGRAFIA

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A History of Jews in Muslim Lands
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