Circunstâncias diversas levaram o povo judeu, mensageiro primeiro de uma fé monoteísta, a sofrer contínuas discriminações e perseguições que o forçaram a constantes fugas, fator determinante de sua presença nos mais antigos movimentos migratórios mundiais.

Migrando dos antigos domínios gregos e romanos, os judeus estabeleceram-se em terras européias e asiáticas e nas do continente africano. Pode-se afirmar que, antes mesmo da destruição do Segundo Templo de Jerusalém, no ano 70, significativa parte do povo não mais se encontrava em terras do Oriente Médio.

As históricas migrações do povo judeu passaram a ser conhecidas como Diásporas. De todas, a primeira, ocorrida em 586 a.e.C, decorrente da destruição do Templo de Jerusalém, foi a mais importante, pois na Babilônia - cidade do primeiro exílio - sábios, tomando consciência da realidade religiosa do seu povo, explicitaram a fé e sistematizaram os princípios básicos do judaísmo. Foi nos recintos da Grande Sinagoga do Iraque, na então Babilônia, que antigos sábios redigiram, no século V, textos talmúdicos, comentando-os de forma completa, profunda, final.

A milenar dispersão dos judeus por vários espaços geográficos, assimilando costumes e valores, produziu um povo de 16 grupos, culturalmente diferenciados. No conjunto, o asquenazita, utilizando-se do iídiche (idioma oriundo de palavras alemãs, eslavas, russas e hebraicas), seguido pelo sefaradita, proveniente da Península Ibérica, expressando-se em judezmo/español ou ladino (idioma composto de termos espanhóis, portugueses, árabes, turcos e franceses), o judeu-oriental, expressando-se em árabe, os judeus da Itália de variada origem, os do Magrebe (Norte da África), os iraquianos, os sírios, os iemenitas, os persas, os de Bukhara do Uzbequistão, os falashas da Etiópia e outros poucos constituem exemplos da variada riqueza absorvida pelo povo judeu em diversos espaços culturais.

Além de substituir o hebraico por outros idiomas, um judeu diferencia-se de outro pela aparência física, comportamento, vestimenta, gosto musical, culinária e mais características culturais absorvidas no Ocidente e Oriente.

A expulsão dos judeus da Espanha, em 1492, e a Conversão Forçada de 1497, em Portugal, produziram a "Diáspora Sefaradita", levando judeus e cristãos novos a buscar refúgio em terras como as do Norte da África e as do extenso Império Otomano. No Mediterrâneo, os judeus ibéricos posicionaram-se em núcleos urbanos na Itália e nos Bálcãs, compondo formidável rede familiar de relações sócio-econômicas, que tornou válida a idéia do Mediterrâneo como o "Mar Sefaradita" ou o "Mare Nostrum Sephardicum", expresso por alguns historiadores.

Bayasid II e seus sucessores, a partir do século XV, acolheram os sefaraditas no domínio otomano e valeram-se de seus préstimos e conhecimentos não só para a expansão e desenvolvimento do comércio regional e internacional, mas também para o incremento das finanças, diplomacia, negócios bancários, corretagem e ourivesaria. Os refugiados de origem ibérica foram designados pelos dirigentes otomanos a importantes cargos político-administrativos, participando, inclusive, da estratégia de colonização de diversas áreas do vasto Império. Os positivos contatos mantidos entre sefaraditas e otomanos permitiram que laços de identidade se solidificassem com o tempo, em convivência de mútuo e duradouro respeito. O sistema político-administrativo otomano permitiu às minorias a preservação da religião, do idioma, das tradições e costumes.

Em meados do século XVII, novas conquistas levaram os otomanos a ampliar seus domínios, colocando sob sua égide diferentes comunidades judaicas, além da dos moçárabes, hoje conhecidos como judeus orientais. Estes viviam nas terras árabe-muçulmanas conquistadas pelas "Guerras Santas", iniciadas no século VII. A convivência de 13 séculos entre judeus e árabes aproximou-os em larga medida, alimentando uma tradição judaico-islâmica paralela à judaico-cristã do mundo ocidental1.

Curioso foi o encontro cultural entre os sefaraditas e os diversos grupos de judeus do Oriente Médio. O orientalista Issachar Ben Ami, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, estudando a interação cultural produzida, assinalou que os contatos entre os sefaraditas e os judeus orientais seguiram três caminhos distintos: o da assimilação total dos exilados com os autóctones; o da preservação completa ou parcial da cultura dos exilados e o da influência direta e recíproca entre os dois grupos 2. Ben Ami acrescentou que os processos de interação dependeram da aproximação e afastamento dos envolvidos, em função de sua realidade numérica e condições locais.

Além das terras mediterrâneas e otomanas, os sefaraditas estabeleceram-se em cidades da Europa Ocidental e Central, entre as quais as da França, Países Baixos e Inglaterra. Na cidade de Viena, ponto de passagem dos judeus espanhóis para Istambul, capital do Império Otomano, religiosos sefaraditas passaram para o ladino algumas preces judaicas 3.

A decadência otomana e a ingerência do imperialismo europeu em terras do Oriente Médio levaram famílias de negociantes sefaraditas, procedentes de Istambul, Esmirna, Ilha de Rodes, Egito e de outras comunidades a buscar estabelecer-se em terras da Europa Ocidental, em diáspora à que chamamos de "Retorno ao Ocidente".

Em fins do século XV, judeus e cristãos novos ligados à epopéia dos Grandes Descobrimentos Marítimos participaram da colonização das terras ibero-americanas, africanas e asiáticas. Em 1636, uma comunidade judaica de origem portuguesa fixou-se no Nordeste brasileiro, procedente de Amsterdã. Dezoito anos depois, expulsos dos domínios batavos no Brasil, os sefaraditas que não retornaram a Amsterdã criaram os primeiros centros judaicos da América Central e de Nova Amsterdã, núcleo comunitário inicial da atual cidade de Nova York.

Em meados do século XIX, movimentos migratórios leste-oeste-sul intensificaram-se e a maioria dos povos buscou a América. No contexto, o judeu, mais do que qualquer outra etnia, esteve presente em todos eles: cerca de sete milhões de judeus, de uma população total de doze milhões, passaram da Europa, Norte da África e Oriente Médio para a América. Além do Norte da América, grande número de sefaraditas buscou o México, Uruguai, Chile e Argentina, em especial por dominarem o ladino, idioma próximo do espanhol. Desconhecendo a proximidade do idioma materno com o português, poucas famílias sefaraditas buscaram o Brasil.

Um dos movimentos migratórios sefaraditas foi o do retorno à Espanha. O político Angel Pullido, autor de "Espanhóis sem Pátria"4, buscando reconciliar a Espanha com os sefaraditas, expulsos em 1492, conseguiu-lhes a cidadania espanhola, após terminada a 2a Guerra Mundial. Finalmente, em 31 de março de 1992, comemorando os 500 anos do Édito dos reis Fernando e Izabel, o rei Juan Carlos proclamou: "Si Sefarad desterró a sus judíos, ellos non desterraron a Sefarad ni de su corazón, ni de su mente".

1 Avigdor Levy. The Jews of the Ottoman Empire. N. Jersey: The Darwin Press, Inc., 1992.

2 Ben Ami Issachar. Sephardi and Oriental Jewish Heritage. Universidade Hebraica de Jerusalém, 1982. In, Identidade Sefaradi: Aculturação e Assimilação. Novinsky e Kuperman. Ibéria Judaica. Roteiros da Memória. São Paulo, EDUSP, 1996, p.343 e seg.

3 Anna Barki Bigio. Ladino e Hakitia: fontes, trajetórias e dichos. In: Confarad II, no prelo.

4 Obra publicada em Madrid, 1980.

Rachel Mizrahi é autora de A Inquisição no Brasil: Miguel Telles da Costa, O capitão judaizante de Paraty. (2a.Ed., no prelo) e Imigrantes no Brasil: Os judeus. São Paulo: Lazuli/Ed. Nacional, 2005