Projeto Genoma Humano, representa um marco histórico fundamental para a humanidade. O computador nos introduziu à era da informação. A aplicação da informática nas ciências biológicas e na medicina tem causado uma verdadeira revolução.


Somos uma geração privilegiada por poder testemunhar este momento mara-vilhoso em que "o livro da vida" ou a "linguagem com que D'us criou a vida", como disse Bill Clinton, começa a ser desvendado.

Todos os organismos vivos, vírus, plantas, animais e seres humanos são projetados a partir de um código genético específico. O DNA ou ácido desoxirribonucléico é a molécula que guarda essas informações na forma de genes. Todas as células do organismo possuem compactado em seu núcleo o DNA completo. Este, na espécie humana, é organizado em 23 pares de cromossomos, onde se situam os genes. O DNA forma uma dupla hélice retorcida constituída pela seqüência de quatro bases nitrogenadas, adenina (A), timina (T), guanina (G), citosina (C). O genoma humano possui cerca de 3,2 bilhões de pares dessas bases.

O gene é um trecho de DNA que codifica uma proteína: em média um gene agrega 40.000 pares de bases ou letras.

Não se sabe de quantos genes é constituído o genoma humano, mas hoje se acredita que seja por volta de 50.000 genes, 3% correspondendo a todas as letras, o restante teria função reguladora ou não teria função alguma.

O DNA possui as propriedades de se duplicar fielmente no ato da divisão celular e de codificar a síntese das proteínas que ocorre no citoplasma onde a transcrição de sua informação é "lida" e cada seqüência de três bases nitrogenadas (códon) corresponde um aminoácido específico, que é a unidade que compõe as proteínas.

O que foi anunciado recentemente em Washington é o término do seqüenciamento dos 3,1 bilhões de pares de letras.

Enquanto o consórcio público acaba de divulgar os 225 genes do cromossomo 21, decodificando o genoma aos poucos, a Celera trabalhou de outra forma: primeiro usando a técnica da detonação, fragmentou o DNA em pedaços menores, de 500 a 1000 letras; em segundo lugar seqüênciou esses trechos. Hoje trabalha na terceira fase de colocar as letras em ordem com a ajuda do supercomputador civil mais veloz do planeta. A quarta fase, que consiste em interpretar os resultados, identificar os genes, sua função, seus defeitos e a relação desses com eventuais doenças é a tarefa mais difícil, que se estenderá por várias décadas.

A Celera, empresa privada da nova economia, vive do seu capital intelectual representado pelo seqüenciamento do genoma e pelo sistema de software que permite navegar pelo mesmo. Em Wall Street recebeu ofertas de um bilhão de dólares. Vários assinantes como a Pfizer e a Novartis, pagam 5 milhões de dólares por ano para usar seus dados.

A empresa depositou pedido de patente para seus genes humanos, o que acendeu uma grave polêmica.

Benefícios futuros

As informações genéticas serão a base de novos negócios que poderão revolucionar a agricultura, a alimentação e especialmente a saúde humana.

Ter finalizado o seqüen-ciamento de um gene não significa que sabemos qual proteína produz, qual a sua função nem como interage com outras proteínas.

Mas identificar os genes e situá-los nos 23 pares de cromossomos humanos é o primeiro passo necessário. Em seguida, os cientistas poderão desvendar os erros genéticos ou mutações à base de centenas de doenças, como diabetes, hipertensão, mal de Alzheimer, câncer e doenças cardíacas.

Com a ajuda da genética poderão ser vislumbrados testes diagnósticos mais sensíveis e específicos. A indústria farmacêutica poderá produzir medicamentos sob medida próprios para o perfil genético do paciente, ampliando sua eficácia e reduzindo seus efeitos colaterais.

A genômica, ou medicina genética, estuda desde a base genética das doenças, até as respostas individuais, geneticamente determinadas a certos tratamentos; uma ênfase é dada hoje para o estudo de diferenças genéticas de uma única letra na seqüência do DNA. Entre algumas doenças associadas a um defeito genético, além das já citadas lembramos a leucemia mielóide aguda, a coréia de Huntington, o câncer de cólon e reto, a fenilcetonúria, a doença inflamatória do intestino, que inclui a síndrome de Crohn e a colite ulcerativa (freqüentes entre judeus), o câncer de mama tipo 1, a Síndrome de Imunodeficiência Combinada, a Síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21 (mongoloidismo).

Outra promessa para o futuro é a terapia genética que consiste na inserção, através de um vírus, de um gene que corrigiria alguma doença. Esse método foi utilizado com êxito há cerca de um ano na França em dois bebês portadores de Síndrome de Imunodeficiência Combinada.

O próximo desafio será a Proteonômica, ou seja, o trabalho de catalogar e analisar todas as proteínas do nosso organismo.

Questões éticas

Uma pesquisa feita telefonicamente entre adultos americanos encontrou os seguintes resultados:

1) A pergunta: "Mapear o código genético é moralmente errado?
41% responderam sim, 47% responderam não.

2) A pergunta: "Se você tiver acesso a seu código genético, você gostaria de saber a quais doenças está predisposto?
61% responderam sim, 35 % responderam não.

3) Você gostaria que seu seguro saúde soubesse?
22% responderam sim, 75% responderam não.

4) E o governo?
14% responderam sim, 84% responderam não.
As implicações sociais e ético-filosóficas que acompanham os recentes avanços da genética são muito importantes. Por exemplo, pode haver a tentação de invadir a privacidade do indivíduo apossando-se do seu genoma. Podem ser divulgadas informações sobre sua propensão a contrair uma doença que podem ter por conseqüência alguma forma de discriminação por parte de terceiros, seja o estado, ou o sistema educacional, ou o empregador. Portanto é imprescindível a promulgação de leis que garantam a privacidade absoluta da informação genética.

Outros ponto importante é o de atribuir aos genes um deter-minismo que eles na realidade não possuem. Os genes determinam apenas uma predisposição. Falta estudar e compreender as interações dos fatores ambientais e sua influência sobre os fatores genéticos.

Um ponto polêmico é o das patentes: a informação genética é patrimônio da humanidade e quem quiser deveria poder ter acesso a ela, ou é ético patentear os genes? As patentes não desestimularão futuras pesquisas sobre como usar genes para curar doenças?

Mas a questão ética mais espinhosa e delicada diz respeito a eugenética: se é correto modificar genes para transmitir determinadas características aos filhos. Não podemos esquecer que esse conceito trouxe muitas desgraças num passado recente. E enquanto a informação genética e o diagnóstico não forem acompanhados por avanços terapêuticos, o aborto seletivo, com todas as questões morais que acarreta, permanecerá como única opção.

É desconcertante pensar que mal começamos a decifrar o código genético, que se manteve inalterado desde os primórdios da vida, e já pensamos em intervir para aprimorá-lo.

A modificação do material genético hereditário deveria ser proibida pelo menos enquanto a sociedade não amadurecer o suficiente para usar esse recurso com bom senso. Até compreender bem como funcionam os genes e como interagem entre si, não saberemos o que realmente estamos fazendo ao acrescentar um gene a um organismo ou ao manipular os genes de forma a afetar as futuras gerações.

Paira uma responsabilidade enorme sobre nós que, ainda ignorantes, já pensamos em adicionar, subtrair ou alterar as páginas do livro da vida.