Já que este assunto é muito complexo e comentado, submetemos dez perguntas essenciais ao Rabino David Weitman a fim de conhecer a sua opinião sobre a relação existente entre a clonagem e o judaísmo.

Quatro anos após o nascimento da ovelha Dolly, a clonagem de mamíferos é uma realidade incontestável. Será que tal realidade contradiz a fé judaica?
É verdade que Dolly se tornou o símbolo da clonagem animal, mas é bom lembrar que este campo de análise não é perfeito ainda. Todas as tentativas de clonar macacos, primatas, fracassaram; até o momento, mostraram-se infrutíferas. Vemos, então, que a técnica utilizada ainda está longe da perfeição, mesmo quando aplicada em animais.

Agora, se isto contradiz a fé judaica, a resposta é não, de forma alguma. Parece-me que a grande novidade na tecnologia da clonagem é o fato de que, pela primeira vez na ciência moderna, descobriu-se um meio de originar uma criatura sem a necessidade do macho. Para tanto, basta possuir o núcleo de uma célula até de uma mulher e inseri-lo em um óvulo. Se observarmos atentamente as fontes judaicas, veremos que esta “novidade” já está prevista em nossos livros. Maimônides, grande legislador e filósofo do século XII, escreve em sua obra Sefer HaMitsvot (lei proibitiva nº.- 179): “Aqueles que pensam que formigas ou insetos não podem ser gerados do apodrecimento dos alimentos são ignorantes, pois não possuem conhecimento científico bastante e imaginam que as espécies apenas podem procriar-se quando há macho e fêmea.”

Vemos, então, que apesar de Maimônides abordar um tema com que os cientistas atuais não concordam (a geração espontânea), isso não subtrai nada do vigor de suas palavras, de que existe a possibilidade de procriação sem o elemento masculino. Ou seja, Maimônides não se preocupou se este fato contradizia a Torá ou a fé judaica. Aliás, também o Rabi Menachem Meiri (século XIII) escreve em seu comentário ao Talmud (Sanhedrin 67b) o seguinte: “Tudo o que é feito de forma natural não está sujeito à proibição de feitiçaria. Mesmo que consigam criar belas criaturas sem recorrer ao acasalamento — como a ciência sustenta ser possível — é permitido fazê-lo, porque este é um caminho natural.” Percebemos aqui não haver dúvidas sobre a possibilidade da geração de uma criatura desta forma, uma vez que D’us, na verdade, participa do milagre e da grande maravilha do nascimento. E isto pode ocorrer de várias maneiras, quer um nascimento normal, quer uma outra forma de concepção. Este fato não contradiz o judaísmo. A pergunta que tem de ser feita é se esta seria a vontade do Criador, já que há muitas tecnologias que Ele não deseja que utilizemos. Nem tudo o que é possível é o que D’us quer.

Qual a sua opinião sobre a clonagem de seres humanos?
Não há dúvida que a grande discussão a respeito da clonagem não envolve a sua aplicação em animais, mas sim em seres humanos. Existem dois tipos de clonagem: a clonagem da reprodução, que procura auxiliar casais que não têm filhos há muitos anos, buscando oferecer-lhes esta possibilidade. Há também a clonagem terapêutica. Recentemente, foi muito divulgada quando dois médicos, um italiano e outro americano, anunciaram que estavam aproximando-se da clonagem humana. É muito importante entender, e talvez pouca gente o saiba, que para chegar à ovelha Dolly foram utilizados 276 óvulos, dos quais apenas 29 sobreviveram. Estes foram introduzidos no útero de várias ovelhas e, dos 29 embriões, somente Dolly conseguiu nascer saudável. Assim, testar conhecimentos em seres humanos é algo muito perigoso, algo realmente gravíssimo, porque sabemos que se trata de uma técnica que pode resultar em uma grande quantidade de abortos, fetos deformados ou natimortos.

Todos os cientistas são unânimes em afirmar que dos 100 primeiros embriões humanos clonados e implantados em várias mães de aluguel, 98 serão abortados espontaneamente por causa das anomalias genéticas. E mesmo que nascessem, seriam seres alterados, com um peso bem maior do que o normal, portadores de problemas cardíacos, circulatórios, com pulmões subdesenvolvidos, diabetes e outras insuficiências. Por esta razão, não apenas os humanistas como também os cientistas, concordam que tentar aplicar e testar em seres humanos uma tecnologia perigosíssima, que ainda não é dominada, é um ato criminoso. Até mesmo em uma situação onde um casal esteja tentando fazer uma “cópia”, uma clonagem de uma criança falecida prematuramente, é ilógico que uma criança falecida “gere” muitas outras crianças ou embriões mortos. Para alcançar este objetivo seria preciso destruir muitos embriões humanos que, conforme o judaísmo, já têm vida.

No que diz respeito ao segundo tipo de clonagem, a terapêutica, a ciência afirma que é a grande promessa em matéria de clonagem. Não se trata de “copiar” aqueles que faleceram, mas salvar os que estão doentes. Sabemos que a técnica consiste em fabricar embriões geneticamente idênticos à pessoa em tratamento e tais células troncos, como são chamadas, após serem cultivadas, poderão ser induzidas a formar células cardíacas, pancreáticas, cerebrais etc. Isto, obviamente, poderia ajudar no tratamento do Mal de Parkinson e outras doenças. Porém para nós, judeus, este procedimento é imoral e absolutamente inaceitável. Existem inúmeras objeções morais a respeito, pois o ser humano não pode ser visto apenas como um depósito de peças avulsas. Fiquei profundamente chocado ao ler que um cientista teria dito que, afinal, “o embrião não passa de um amontoado de células, de uma pequena bola, menor do que a cabeça de um alfinete”. Desde quando a vida tem tamanho? Se é grande ou pequena, é uma vida! Um embrião existe para gerar filhos, bebês, e não para fabricar peças de reposição. Quem sabe quantos embriões vamos ter de “matar” para obter uma célula tronco? Teremos, no processo, uma matança maciça de embriões, D’us nos livre.

Será que as legislações e a moral das nações estão prontas para este passo?
Sem dúvida, a ciência evoluiu em um ritmo de acúmulo de conhecimentos e isto não depende, necessariamente, de princípios morais. Muitas vezes o conhecimento está desvinculado da ética adequada. Assim, já que estamos vendo que, mesmo na clonagem animal, menos de 3% de todos os esforços obtiveram êxito, e que a clonagem humana pode gerar anomalias genéticas perigosas para a vida além de outros problemas imprevisíveis, não há duvida que as nações deveriam proibi-la. Muitos países, como por exemplo os E.U.A., proibiram qualquer ajuda financeira federal à pesquisa na área de clonagem humana. O Brasil, me parece, também proíbe esta tecnologia.

Não podemos pisar em cima de bebês mortos ou deformados somente para a glória de alguns cientistas obcecados em obter fama mundial. Isto é muito perigoso. Por outro lado, do ponto de vista legislativo, também acho que as nações não estão preparadas para a clonagem. Várias perguntas ainda perduram. Por exemplo, quem seria o dono do DNA dos filhos? O pai ou a mãe? Isto, no caso de um dos dois não querer fazer a clonagem. Ou então, como deve proceder alguém que não queira ser clonado? Dependeria do seu testamento ou deveria constar na sua carteira de identidade? E o que aconteceria se realmente nascessem pessoas com graves anomalias? Se nascerem com metade de um rim ou sem sistema imunológico, quem seria o responsável? De acordo com a lei, a grande questão que os legisladores enfrentariam seria, certamente, saber quem é a mãe da criança clonada. Neste caso, vejo cinco possibilidades: a) aquela que deu à luz (no caso de utilizar uma barriga de aluguel), b) aquela que forneceu o óvulo vazio, c) aquela que deu o núcleo com todas as informações genéticas, caso fosse uma mulher, d) todas as três que participaram parcialmente, ou parte delas, ou e) nenhuma delas, já que cada uma exclui a outra. Estamos percebendo várias dúvidas! Uma outra situação ocorreria caso uma mulher resolvesse se autoclonar. Ela utilizaria o seu núcleo com o seu respectivo óvulo esvaziado. A questão é: essa mulher teria a função legal de pai e mãe?

Tudo isto pode ter conseqüências em matéria de responsabilidade, herança etc. De acordo com a Lei judaica, o homem que der o núcleo de sua célula para a clonagem será considerado o pai da criança. Não fará diferença se a procriação ocorrer mediante uma célula reprodutiva (o sêmen) ou por meio de uma célula adulta. Assim, não caberá recorrer a um outro judeu que não seja o marido, pois mesmo que não tenha havido adultério (uma vez que não houve relacionamento), permanece a suspeita de que esta criança possa vir um dia a se casar com a sua meia-irmã, já que o seu pai é o doador do núcleo, podendo ele ter também outros filhos biológicos.

Na sua opinião, quais são os perigos da clonagem humana?
Há o perigo óbvio de que os neonazistas, saudosos da guerra, queiram clonar Hitler ou um outro anti-semita. Mas, é claro, existem outros perigos. Por exemplo, falamos antes que no processo haverá muitos fetos mortos. Para concretizar a clonagem são necessários muitos óvulos. A clonagem terapêutica precisa de muitas células troncos retiradas de embriões. O que pode vir a acontecer com o tempo é o comércio, um grande comércio de óvulos e de embriões. Todos os restos de embriões provenientes das clínicas de fertilização poderiam ser comercializados, D’us nos livre. O pior de tudo, sem dúvida, é que o ser humano passaria a ser tratado como matéria-prima barata. Como disse o cientista francês, Professor Axel Kahn, é preciso ficar bem claro que “um embrião não serve para criar um gatinho; o embrião existe para criar um bebê, um ser humano”. Reduzir o homem à condição de matéria-prima, um simples depósito de peças, como se fosse um automóvel ou uma máquina, motivaria um comércio absolutamente assustador.

Por outro lado, há também uma competitividade muito perigosa entre os países e os pesquisadores. Quem será o primeiro a ganhar a fama e a glória de conseguir uma clonagem humana? D’us nos livre que os fins justifiquem os meios.

Mas o maior perigo que o judaísmo vê na clonagem humana é o fato de poder colocar filhos no mundo sem a necessidade de uma família ao seu redor, o que é muito grave. De acordo com o judaísmo, é preciso amar o próximo como a si mesmo, dar a ele a possibilidade de uma vida digna e saudável. Todos concordam que os recém-nascidos, as crianças e os adolescentes precisam dos pais para educá-los. Precisam de calor humano e precisam das figuras masculina e feminina que vão formar o seu caráter, dar-lhes a segurança e os valores necessários à vida adulta. Por esta razão temos de tomar muito cuidado ao trazer ao mundo filhos que não vão ter, necessariamente, pais, já que é possível clonar uma célula a partir de uma mulher, ou da própria mulher e assim por diante. Aliás, o problema de filhos crescerem sem os pais ocorre também com a utilização da técnica da fertilização in vitro. A ciência e a tecnologia não estão muito longe de criar e fabricar um útero artificial em que seja possível abrigar o feto até o nascimento. Neste caso, vamos ter um bebê de proveta na acepção da palavra, desde o início até o fim, sem pais que acompanhem a gravidez e aguardem o nascimento dessa criança. Temos aqui graves riscos para a sociedade. Imagino até se alguns iriam usar a técnica para fins comerciais, políticos ou outros, D’us nos livre. É obrigação de todos os homens ligados à moral e às leis da sociedade, incluindo os homens de halachá, os grandes sábios judeus, proclamar de forma clara e objetiva que criar crianças sem pais é um pecado grave com conseqüências absolutamente devastadoras para a sociedade, a moral e a ética. A sociedade deve proibir tal procedimento da melhor forma possível com uma legislação que envolva sanções apropriadas.

Rabino, o Sr. frisou bastante as falhas da clonagem humana; mas e no caso de a ciência conseguir, daqui a alguns anos, que a clonagem seja tão perfeita como a reprodução natural? Será que isto continuará sendo contra a vontade Divina?
O homem não pode fazer nada que vá de encontro às leis da natureza. Se a clonagem genética obtiver sucesso com seres humanos, é uma prova de que a leis das natureza criadas por D’us no Seu mundo permitem que isto ocorra. Em outras palavras, a própria técnica da clonagem não está proibida em nenhum lugar, nem na Torá, nem no Talmud. Por esta razão, não há motivo para crer que seja contrária à vontade Divina. E se for, realmente, bem-sucedida, podemos considerar como um sinal de que deve haver algo de positivo nisso, algo que poderá ser usado para o bem.

No Talmud (Sanhedrin 38a) encontramos o seguinte: “Veja a diferença entre o Rei de todos os reis e o ser humano: o homem, quando estampa uma moeda a partir de um molde, obtém-nas todas iguais; mas D’us, o Todo-Poderoso, estampou todos os seres humanos a partir do molde de Adão, o primeiro homem, e não há um homem igual ao seu semelhante”. O Talmud se estende, dizendo que é a vontade de D’us que os homens sejam diferentes a fim de nos proteger de incestos, roubo etc. Quando aceitamos que a peculiaridade de cada ser, de cada criatura, é realmente um dos objetivos básicos do Criador, percebemos que a clonagem contradiz este princípio.

Por outro lado, não podemos esquecer que a clonagem pode ser a solução para muitos casais estéreis. Vários casais que não têm filhos por causa da esterilidade do marido poderiam, mediante a utilização de uma célula adulta, ter um filho. Não desconhecemos a dor que um casal experimenta ao não poder ter filhos e, com certeza, o judaísmo leva tal sofrimento em consideração. Sabemos também dos graves problemas haláchicos e emocionais que decorrem de tratamentos, biópsias e injeções de hormônios. Sem dúvida, a clonagem pode vir a se tornar a solução para tudo isto. Do ponto de vista da halachá, a clonagem (tão somente de uma célula do marido e do óvulo da esposa) pode vir a ser muito mais aceitável do que a fertilização in vitro, uma vez que essa envolve muitos problemas haláchicos.

Como expus acima, se a clonagem obtiver sucesso é porque deve ter o seu lado positivo. Aparentemente, este lado positivo será ajudar os casais sem filhos, contanto que sempre ocorra uma clonagem homogênea de uma célula do marido para a própria esposa, bem diferente das teorias atuais de armazenar peças de reposição a partir de embriões etc. Mesmo quando o sucesso chegar, teremos de consultar e ouvir as opiniões dos grandes rabinos, das autoridades rabínicas competentes no assunto.

Seria o caso de os sábios da Torá proibirem a tecnologia da clonagem?
Como já mencionamos, uma vez que não há menção na Torá e no Talmud que a técnica seja proibida, não podemos proibir essa tecnologia pelo fato de que é contra o caminho natural. Já mencionamos também o famoso comentarista do Talmud, Rabi Menachem Meiri, que sustenta, claramente, que se um dia for possível gerar criaturas bonitas sem acasalamento, conforme encontrado nos livros científicos, é permitido fazê-lo. Por isto, proibir a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico é algo absolutamente impossível. O homem possui uma natureza que o impele a saber cada vez mais. Ele tem a curiosidade de aprender o que o mundo contém e de usá-lo, como diz o salmista no capítulo VIII: “Tu o fizeste [o homem] somente um pouco menos que os anjos, e o coroaste com uma alma e um esplendor. Tu lhe deste domínio sobre as obras de Tuas mãos, Tu colocaste tudo sob seus pés.” Qualquer conhecimento adicional pode trazer grandes benefícios e bênçãos para a humanidade, da mesma forma que pode trazer, infelizmente, prejuízos e tragédias. Por exemplo, a descoberta da eletricidade trouxe benefícios para o mundo, que se traduzem em conforto, iluminação etc., mas trouxe também o perigo da eletrocução e o curto-circuito. Será que os sábios da Torá deveriam proibir o seu uso por causa disto? Claro que não! Seria um absurdo. O que se exige do homem, porém, é que seja responsável pelos seus atos e que utilize tudo o que descobrir em suas pesquisas unicamente para o bem. Tentar impedir a utilização de uma descoberta científica por aqueles que dela necessitam, por suspeitar que algumas pessoas mal-intencionadas poderão fazer mal uso dela, é uma decisão muito difícil pela halachá. Como disse o grande legislador desta geração, Rabino Shlomo Zalman Auerbach, não há razão para ser rigoroso e proibir o que é permitido para as pessoas boas e idôneas por causa de alguns perversos e levianos.

Até que ponto o homem pode modificar a natureza que D’us criou?
D’us é chamado o Arquiteto do Universo, como diz o Talmud em Berachot: “Ein tsaiar kelokeinu”, não há desenhista como o nosso D’us. A pergunta é se nós, que somos o desenho, também podemos, de vez em quando, “desenhar”, auxiliando D’us a “melhorar” a Sua obra. Observamos dois aspectos nesta questão. Por um lado, encontramos na Torá a proibição dos cruzamentos. É proibido cruzar espécies diferentes de animais, e também espécies diferentes de sementes. Não se pode cruzá-las, sendo tal proibição denominada kilaim. Nachmânides explica uma das razões: “Porque aquele que mistura as espécies nega a criação de D’us. É como se pensasse que D’us não fez o suficiente, que a obra não é perfeita e que precisa ajudá-Lo a acrescentar vários tipos de criaturas ou animais”. O Sefer HaChinuch explica a razão pela qual D’us proibiu certas misturas: “Porque Ele sabe que são nocivas para o homem, e D’us, que quer o bem do homem, pede a ele não fazê-las”.

Encontramos um episódio na Bíblia em que a Torá critica um homem chamado Aná (Gênese, XXXVI:24) que cruzou uma jumenta com um burro, vindo a nascer uma mula. Sabemos que todos os híbridos, inclusive a mula, são estéreis. Isto pode ser encarado como uma reação da natureza contra aquele que desrespeita a vontade Divina, contra aquele que transgride a proibição sobre o cruzamento das espécies. Este é um aspecto que nos ensina a não mexer na criação.

Mas, por outro lado, não podemos esquecer que no mundo e no Universo há muito espaço para descobrimentos, para as ciências e desenvolvimentos em geral. Aliás, este é um outro aspecto enunciado já no início da criação. No sétimo dia está escrito “Asher bará Elokim laasot” — “Esta criação que D’us criou para fazer”. O Talmud explica que D’us deixou espaço para o homem melhorar e desenvolver a criação, contribuindo com a obra Divina. Afinal, porque deixaria de ser permitido já que o homem assim procede com a sabedoria que D’us lhe deu? Em outras palavras, estas descobertas do homem também são de D’us, como diz o profeta (Yeshaiau, XXVIII:29): “Gam zot meim Hashem Tsevakot yatsa hifli etsá higdil tushia” — “Também isto é de D’us, admirável em juízo, excessivamente sábio”. Então, se D’us nos deu a sabedoria para encontrar cura e soluções, teremos de prestar contas caso não a utilizarmos para o bem da humanidade.

Isto explica o ponto de vista judaico que sempre apoiou a busca pela cura (ao contrário de muitas outras religiões e filosofias). O Zohar escreve (parte III, página 299) que “O doente é como um preso em uma prisão da doença, e se você perguntar ‘mas, afinal, como pode um médico curar se é a vontade de D’us que se encontre nessa situação?’, é a vontade do Criador que o médico adentre a casa do doente para tirá-lo das doenças físicas”. E assim é a halachá judaica: há a obrigação de curar o próximo e a si mesmo e, se a pessoa não procede desta forma, ela simplesmente faz jorrar sangue em vão. Mas mesmo o médico que está curando tem de se cuidar e se lembrar de que imitar D’us não é igual a ser D’us. O médico precisa conhecer as suas limitações. Existe, aliás, um dito talmúdico muito impopular nos meios médicos. Ele diz o seguinte: “O melhor dentre os médicos está destinado ao inferno” (Kidushin 82a). Isto significa que se o médico se vir como o melhor dos médicos, agindo com vaidade, sem moral e sem cautela, poderá cometer erros gravíssimos, inclusive fatais. Por isto, o caso específico da clonagem pode vir a ter lados positivos, como mencionado, e servir eventualmente como cura para casais estéreis.


Então, concluindo, qual é a recomendação da Torá no caso da engenharia genética em geral e a clonagem em particular?
Parece-me que para extrairmos uma conclusão sobre a modificação da natureza pela clonagem precisamos levar em consideração alguns detalhes importantes. Por um lado, trata-se de uma solução para que as pessoas estéreis possam ter filhos. Um verdadeiro alívio para essas famílias. Por outro lado, não podemos esquecer de que se trata de uma decisão que pode criar uma absoluta anarquia no conceito da concepção, transformando o nosso mundo em um grande laboratório comercial. Isto pode criar graves problemas principalmente na estrutura familiar e, em geral, na forma e nos direitos do ser humano. Pode, inclusive causar um retrocesso de centenas de anos na humanidade. Como já demonstrou o Rabino Yigol Shafran (do Departamento de Medicina e Halachá do Rabinato de Jerusalém). Esta situação lembra muito um caso descrito no Talmud (Pessachim, capítulo IV): “O Rei Chizkiahu (Ezequias) pegou o Sefer HaRefuot, o livro das curas, e o enterrou, e os sábios concordaram com ele”. Este livro era uma tradição passada de pai para filho. De acordo com o Midrash, após o dilúvio, um anjo ensinou a Noé os remédios naturais que existem nas plantas e nas ervas, que são a cura para qualquer doença. Este é o conteúdo deste livro que foi passado para Abraão, até chegar às mãos do Rei Chizkiahu. Maimônides explica: “Por que Ezequias ocultou este livro, já que nele não constavam apenas as curas para as doenças, mas também uma lista de todos os venenos fatais para o homem? E quando certos homens começaram a fazer mal uso dele, matando-se uns aos outros, o Rei Chizkiahu o ocultou”. Aqui surge uma pergunta: por que os sábios judeus, conhecendo o livro, esperaram que o Rei fizesse isso e só depois concordaram com ele? Por que eles mesmos, conhecendo a situação imoral reinante, não proibiram o uso do livro? A resposta é que os sábios judeus só podem se opor a algumas proibições pela Torá (ou através de uma proibição momentânea, provisória, que é chamada de horahat shaá). Todavia, uma proibição emitida pela própria Torá é uma proibição eterna, atemporal e independente. Não podiam os sábios proibir o livro das curas, pois, afinal, ele continha a cura para muitas pessoas. O problema não era o livro, mas o mal uso feito dele. Por esta razão, os sábios esperaram o Rei Chizkiahu ocultá-lo. E como o Rei representa uma autoridade governamental, a proibição dele oriunda é uma proibição provisória. Então, os sábios dizem que o Rei ocultou o livro (e não o queimou), pois ocultação é como uma “inspeção federal e governamental” da parte do rei e, Tsadik Chizkiahu, assim procedeu a fim de vislumbrar as metas do conhecimento científico, para que não se fizesse mal uso dele.

Existem certos conhecimentos, principalmente na área da tecnologia, em nosso caso da engenharia genética, que devem permanecer ocultos. Uma vez caindo em domínio público podem acarretar conseqüências tão desagradáveis quanto irresponsáveis. Esta me parece a recomendação da Torá. Precisamos de soluções para a infertilidade. Queremos melhorar muitas coisas e, sem dúvida, isso pode ser feito pela engenharia genética e, quem sabe, através da clonagem. Porém, é necessário um controle, uma inspeção rigorosa para que isto não seja explorado para o mal, D’us nos livre.

A obrigação da sociedade, mediante as suas leis, é garantir que os recursos científicos e a tecnologia (que exige, obviamente, muitos recursos e muito conhecimento) não caiam em mãos de indivíduos. Todos os tipos de tratamento referentes à fertilização artificial, toda a engenharia genética, tem de estar apenas nas mãos de instituições oficiais, de laboratórios competentes, e inspecionadas para que ajam de acordo com a lei, permitindo soluções para casais que queiram filhos e que assumam a responsabilidade de serem os pais desde o momento da fertilização.

O Sr. tem algum exemplo positivo do que podemos aprender da clonagem?
O décimo terceiro princípio da fé judaica é crer na ressurreição dos mortos. Após a revelação messiânica, virá o dia em que D’us ressuscitará os mortos. Os falecidos se levantarão. Quando ensinava este conceito aos meus alunos, muitos me perguntavam: “e como é que ficam os corpos que foram cremados pelos nazistas ou pelos inquisidores nos atos de fé?” A resposta que eu dava, conforme consta nos livros profundos, é que em cada corpo humano existe um pequeno elemento que em hebraico se chama luz. Ele se encontra na espinha dorsal e nunca se acaba; é sempre preservado. A partir deste elemento, D’us irá reconstituir todos os corpos exatamente como eles eram. Quando eu falava isto, os meus alunos ficavam céticos, pois, afinal, de um corpo cremado não sobra nada. Parece ficção reconstituir um corpo a partir de um pequeno elemento. Hoje, graças à engenharia genética e, principalmente, à clonagem, estamos tendo um exemplo prático deste processo, em que se retira apenas um núcleo pequenino, ínfimo, que contém toda a informação genética, todo o DNA da pessoa, e a partir dele podemos clonar um ser humano. Este é um exemplo de como a ciência nos ilustra coisas já claras e escritas em nossos livros.

Quais as suas últimas considerações sobre o assunto?
Existe uma mitzvá na Torá em que o noivo deve dedicar o primeiro ano do casamento à sua esposa, conforme está escrito: “Vessimach et ishtó asher lakach.” — “E alegrará sua esposa que tomou a si”. (Deuteronômio, XXIV:5). Explica o Sefer HaChinuch, (mitsvá 582): “Fomos ordenados que o noivo alegre a sua esposa no primeiro ano porque D’us, Todo-Poderoso, teve a intenção de criar o mundo, e a Sua intenção é que ele fosse habitado por criaturas bonitas, que nascem de pai e mãe, e por isso ordenou ao povo escolhido que se dedicassem às esposas durante o primeiro ano para aumentar a vontade e a empatia entre eles, até o fundo do coração, de tal forma que quaisquer outras mulheres seriam estranhas para eles”. Estamos vendo, em um texto antigo, que a vontade do Criador é que o mundo seja habitado por criaturas que nasçam de pai e mãe, apesar de que possam existir outros métodos. Porém, não é este o mundo que D’us quer que estabeleçamos. A Torá almeja um mundo de bondade e de benevolência, assim como diz o Rei David nos Salmos (LXXXIX:3): “Ki amarti olam chessed yibane”. — “Pois o mundo está construído sobre a bondade e a benevolência”.


Rabino David Weitman