Eram músicos, escritores, pintores, atores, cientistas, matemáticos, arquitetos, médicos, fotógrafos, dançarinos, empresários e até palhaços de circo, policiais e técnicos de futebol. Todos refugiados e refugiadas do nazifascismo, que buscaram salvação a partir de 1933. São relembrados em 300 biografias ilustradas, representando os milhares de fugitivos que fizeram ou refizeram a vida e a carreira em nosso país e muito contribuíram para a sociedade brasileira. Cada trajetória uma epopeia, desde o nascimento e a formação no Velho Mundo, os terríveis perigos e sofrimentos enfrentados com a chegada do nazismo, as lutas e peripécias para conseguir escapar, obter vistos e embarcar rumo à liberdade. O Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil, coordenado pelo historiador Israel Beloch, relata tudo isso. É mais uma publicação da Casa Stefan Zweig, sediada em Petrópolis, voltada para a divulgação e o estudo da obra do grande escritor austríaco aqui falecido e do papel dos refugiados que, como ele, escaparam do totalitarismo. A biografia do pintor, desenhista e gravador Walter Max Lewy está contida no Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil, livro que está sendo traduzido ao inglês e publicado com o patrocínio do Banco J. Safra Sarasin.

Pintor

Alemanha, 10/11/1905

No Brasil, de 1937 a 1995

Walter Max Lewy era filho único de uma família judia alemã de classe média, que lhe proporcionou uma educação liberal e laica. Ainda criança, mudou-se com os pais para Dortmund, onde diplomou-se pela Escola de Artes e Ofícios em 1927. Sua formação artística foi fortemente influenciada pela chamada Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade), movimento estético que marcou a vida cultural da Alemanha durante a República de Weimar (1918-1933), identificando-se especialmente com sua vertente conhecida como Realismo Mágico.

Após concluir seu curso, trabalhou como designer gráfico e, paralelamente, iniciou uma carreira de pintor, participando de exposições coletivas em várias cidades alemãs no final da década de 1920. Em 1929, com a crise econômica, perdeu o emprego de designer e voltou a morar com os pais, que, a essa altura, haviam se mudado para a pequena cidade de Bad Lippspringe. Ali, Lewy produziu ilustrações humorísticas para jornais locais e realizou sua primeira exposição individual como pintor. Por conta da perseguição aos judeus promovida pelo regime nazista, mudou-se em 1935 para a cidade holandesa de Roterdã, onde morou com parentes. Assustado com o crescimento do antissemitismo por toda a Europa, embarcou no final de dezembro de 1936 para o Brasil, onde já morava um primo seu, com um visto de turista obtido junto ao consulado brasileiro em Hamburgo. Praticamente toda a obra artística que produzira até então foi deixada na Europa, e se perdeu durante a Segunda Guerra Mundial. Lewy nunca mais veria seus pais, que seriam confinados no campo de concentração de Theresienstadt, em 1942, posteriormente deportados para Auschwitz e executados em maio de 1944.

Chegando ao Brasil em janeiro de 1937, Walter Lewy fixou-se em São Paulo, onde trabalhou por alguns anos como diagramador e arte-finalista em agências de publicidade. Em 1939, retomou sua atividade como pintor e logo travou contato com vários artistas brasileiros, especialmente os paulistanos do Grupo Santa Helena. Participou então ativamente dos salões promovidos pelo Sindicato dos Artistas Plásticos na década de 1940, e realizou sua primeira exposição individual no Brasil em 1944, no ateliê do pintor Clóvis Graciano.

A retomada de sua carreira artística no Brasil praticamente coincide com sua adesão ao surrealismo, estilo a que permaneceria vinculado pelo restante da vida e de que seria um dos principais expoentes no país. Anos mais tarde, o próprio Lewy constataria que a vinda para o Brasil foi um marco importante em sua trajetória artística, relacionando-a inclusive com a opção pelo surrealismo: “Na verdade eu ainda não estava resolvido, precisava conhecer melhor o Brasil. Porque assim que pisei aqui me tornei brasileiro, esqueci a Alemanha, que tinha deixado de existir. Nessa época eu comecei a saber tudo sobre Magritte, Max Ernst, e decidi começar a pintar novamente.”

Tendo conquistado prestígio no cenário artístico nacional, Walter Lewy participou da I Bienal de São Paulo, em 1951, e de diversas outras edições do evento até 1975. Integrou também o Salão Nacional de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, em 1952 e 1957; e várias edições do Salão Paulista de Arte Moderna nas décadas de 1950 e 1960, tendo sido por diversas vezes premiado. Individualmente, expôs com frequência na capital paulista, com destaque para a mostra realizada em 1956 no Museu de Arte Moderna de São Paulo, mesmo local que abrigaria, em 1974, a retrospectiva “Lewy: 35 anos de pintura no Brasil”. Em 1976, expôs na Galeria Debret, em Paris. Sobre sua obra, escreveu o crítico de arte José Roberto Teixeira Leite: “A despeito de absurdas, suas rochas suspensas no ar e mulheres-cactos são de uma realidade pictórica a toda prova, impondo-se pela construção, pela qualidade do desenho e pela sensibilidade do colorido, sem deixar de lado o apuro da execução e sua extrema tipicidade. Porque, se é justo detectar, em sua arte, influências de outros pintores, notadamente Max Ernst e Tanguy, não menos justo é constatar a mestria com que as aglutinou Lewy, sobrepondo-lhe sua própria personalidade.”

Walter Lewy trabalhou também como ilustrador de livros, destacando-se nesta área os desenhos produzidos para a obra Metamorfose, de Franz Kafka, em edição lançada pela Editora Civilização Brasileira, em 1956. Dedicou-se também à gravura e ao paisagismo.

Foi casado com a pintora Dirce Pires, que durante muito tempo fora modelo de Di Cavalcanti.

Em 2013, realizou-se na Estação Pinacoteca, na capital paulista, a mostra retrospectiva Walter Lewy: mestre do Surrealismo no Brasil, que contou com 134 obras, entre pinturas, gravuras, desenhos e ilustrações de livros. Foi a primeira exposição de sua obra desde sua morte, em 1995.

por Rogério Alves de Barros