Paladino da liberdade individual e da igualdade de direitos, incansável na luta contra as injustiças sociais, foi o primeiro judeu a ser indicado para a Suprema Corte americana.

É difícil imaginar que tenha havido uma época em que os judeus americanos não estivessem comprometidos com Israel. Porém, era esta a situação antes da Primeira Guerra Mundial. O apoio da maioria dos líderes judeus à criação de um Estado Judaico na então Palestina era, na melhor das hipóteses, tímido. Foi Louis Brandeis quem conseguiu mudar esta atitude. Seu prestígio e influência deram um novo dinamismo ao movimento sionista americano.

A ele se deve o pioneirismo em defender a idéia de que era possível apoiar abertamente a criação de um Estado Nacional judaico sem diminuir a lealdade ao seu país de origem, os Estados Unidos. Foi a partir de sua atuação que a maioria de seus compatriotas e correligionários passaram a ver a criação de um Estado como fator essencial para salvar os judeus oprimidos espalhados pelo mundo, e, o sionismo, como o meio de fortalecer o judaísmo americano, que se esvaía.

Sua vida e carreira

Nascido em 13 de novembro de 1856 em Louisville, ele era o caçula de quatro irmãos. Seus pais, Adolph e Frederika Brandeis, saíram de Praga para recomeçar a vida nos Estados Unidos. Judeus liberais, os Brandeis valorizavam grandemente a ética e o desenvolvimento intelectual, mas o judaísmo não lhes despertava grande interesse, por conseguinte, não era muito presente na vida do jovem Louis. Nos Estados Unidos, os Brandeis prosperaram e puderam pagar os estudos dos filhos em conceituadas escolas particulares. Em 1872, quando Louis estava com 15 anos, a família decidiu passar um tempo na Alemanha, onde permaneceram até 1875.

De volta aos EUA, após obter seu bacharelado na Universidade de Louisville, Brandeis foi aceito na Faculdade de Direito de Harvard. Aluno brilhante, formou-se antes de completar 21 anos, em 1º lugar da turma, obtendo as maiores notas de que se tem registro em toda a história da conceituada Harvard Law School.

Em 1879, em parceria com Samuel D. Warren, amigo e colega, abriu a firma de advocacia Brandeis-Warren, em Boston, que graças a suas habilidades extraordinárias, rapidamente se tornou uma das mais importantes no estado de Massachusetts. O sucesso de sua banca de advocacia lhe trouxe prestígio e um respeitável patrimônio. Na época, Boston era uma cidade de duas faces, onde conviviam, de um lado, grandes empresas e, de outro, operários muitas vezes injustiçados por um sistema jurídico obsoleto. Neste contexto, viveu e atuou Louis Brandeis. A princípio, sempre que atendia, pro bono, ou seja, gratuitamente, os clientes economicamente menos privilegiados - que não eram poucos - Brandeis via nisso mais um ato de bondade do que de justiça. Mas a luta travada por pessoas comuns contra as injustiças impostas pelos monopólios que, na época, dominavam a economia americana, convenceu-o de que era preciso lutar para preservar o direito de cada indivíduo a um tratamento justo, quer no trabalho quer perante a lei. Tal convicção fez com que dedicasse cada vez mais de seu tempo profissional para representar aqueles cujos direitos não eram adequadamente defendidos. Respeitado entre clientes e adversários que o enfrentavam nos tribunais, passou a ser chamado de "Advogado ou Procurador do Povo".

Escolhas decisivas

O ano de 1890 foi determinante em sua vida. Já era reputado como um dos melhores advogados dos Estados Unidos quando se casa com Alice, uma prima distante com a qual teve duas filhas, Susan e Elizabeth. Vinda de uma família de judeus liberais, Alice compartilhava seus ideais, também possuindo idêntico espírito combativo. Naquele mesmo ano, o país presenciou a violência perpetrada contra os operários durante a greve na indústria de aço, Homestead Steel. Chocado com o que viu, cada vez mais convencido de que a lei devia ser transformada em instrumento de justiça social, Brandeis se torna um dos principais paladinos da necessidade de reformas sociais e econômicas.

Consciente das desigualdades então vigentes na sociedade americana e das dificuldades enfrentadas pelas minorias, Brandeis jamais hesitou em aceitar a defesa de uma causa que considerasse justa, por maior que fosse o desafio. Se para os amigos era um profissional apaixonado movido por seus ideais, para os vários inimigos era "um traidor de sua classe social". Para denegri-lo, recorreram a todo tipo de acusações mentirosas.

Nessa fase de sua carreira, ele muda radicalmente a forma de advogar, tentando estancar a tendência da jurisprudência americana que muitas vezes privilegiava deduções decorrentes de noções preconcebidas ou preconceituosas, e abrir espaço para o raciocínio indutivo calcado em fatos concretos. Ele acreditava que nos tribunais a aplicação da lei deveria seguir métodos que permitissem o exame dos fatos. A justiça, afirmava, devia ser igual para todos, independentemente da origem ou condição sócio-econômica do réu, e cada caso merecia uma análise profunda, indutiva e isenta de pré-julgamentos ou tendenciosidades.

O estilo "Brandeis" surge, pela primeira vez, em 1908, durante o processo Muller contra Oregon. Precisava defender a adoção de uma lei estadual que limitasse a jornada de trabalho feminino e, para tanto, escreveu a conhecida "Súmula Brandeis". Para justificar a conveniência da lei não se baseou, de início, nos precedentes legais existentes, mas em argumentos de ordem social e moral, incluindo mais de mil páginas de dados estatísticos. A estratégia adotada abriu um precedente no sistema judiciário americano: a introdução e aceitação de dados estatísticos e sociológicos como "fato relevante" em defesas públicas, prática até então inédita.

A fama de Brandeis ecoava em todo o país; seu nome tornava-se mais conhecido a cada ano. Seu sucesso profissional o tornara rico, mas ele optara por uma vida simples, austera mesmo, pois tanto ele como a esposa, Alice, acreditavam que sua fortuna pessoal era como um truste a ser usado como fundo de ajuda aos que desta careciam.

Sionista convicto

Ainda que Brandeis não demonstrasse interesse pelo judaísmo nas primeiras décadas de sua vida, com o passar dos anos cresce sua admiração pela ênfase do judaísmo à ética e à moral.

Em 1911, começa a se envolver em assuntos comunitários judaicos, ao intermediar greves dos trabalhadores da indústria do vestuário, em Nova York. Como eram judias ambas as partes envolvidas na disputa trabalhista, as greves se tornaram, também, uma questão comunitária. Os operários têxteis, em sua maioria imigrantes do Leste europeu, exigiam de seus patrões uma melhora nas desumanas condições de trabalho da época. Brandeis ficou impressionado com o idealismo e espírito democrático que encontrara no meio desses imigrantes, na maioria judeus russos.

Foi nessa época que descobriu que seu tio, o juiz Lewis Dembitz, a quem tanto admirava e respeitava, era sionista convicto. De grande importância para o salto ocorrido em sua conscientização judaica foi o seu encontro com Jacob De Haas, então editor do Jewish Advocate, jornal de Boston. Ativista político e secretário de Theodor Herzl, em Londres, De Haas começou a atrair Brandeis para o universo judaico-sionista, familiarizando-o com a história de seu povo e, principalmente, com o movimento sionista. Amante da leitura, Brandeis literalmente devorava todo o material que lhe chegava às mãos.

Tornou-se sionista por inteiro, de corpo e alma. Seu prestígio e influência, além de seus extraordinários dons organizacionais, deram novo fôlego ao movimento sionista americano, que durante quase três décadas, desde sua fundação em 1897, carecia de prestígio e de recursos. Ao abraçar a causa, Brandeis a transformou numa das forças políticas vitais do judaísmo no país.

O "Advogado do Povo" passa a apoiar abertamente a criação de um Estado Judeu na então Palestina. A oposição a uma Pátria judaica naquela região vinha de judeus de todas as linhas de pensamento, religiosos ou não. Algumas origens de tão ferrenha oposição eram os judeus americanos assimilados e a organização American Jewish Committee. Acreditavam estes que se os judeus americanos apregoassem abertamente a necessidade de um Lar Nacional, seriam acusados de dupla lealdade ou, pior, "deslealdade" com os Estados Unidos da América.

A "Síntese Brandeisiana", como passou a ser conhecida sua tese, colocou um ponto final na discussão. Americanos judeus podiam manifestar seu apoio ao sionismo sem ter que escolher entre "duas lealdades". Costumava dizer: "O judeu americano que ajudar a fortalecer o estabelecimento judaico na Palestina, ainda que sinta que nem ele nem seus descendentes lá viverão, por assim agir estará sendo um ser humano mais digno e um cidadão americano melhor".

Pouco antes da 1a Guerra Mundial, tornou-se presidente do Comitê Provisório para Assuntos Gerais Sionistas, nos Estados Unidos - cargo que o tornava o líder, de facto, do sionismo americano e seu principal orador. Em 1916, a despeito da forte oposição, o Presidente Wilson nomeia Louis Brandeis para Juiz da Corte Suprema do país, ratificando o conceito de que um sionista podia perfeitamente ser um bom cidadão dos Estados Unidos da América. No ano seguinte, a Grã Bretanha anunciou sua intenção de criar uma Pátria judaica na Palestina. Antes de emitir um posicionamento favorável à reconstrução de um Lar Nacional Judaico, os ingleses queriam o apoio americano. E Brandeis consegue assegurar o apoio americano à idéia, apesar de, num primeiro momento, a posição do Presidente ter sido negativa. Brandeis encontra-se em pessoa com Wilson para convencê-lo a apoiar a Declaração Balfour. Desincumbiu-se da missão com o sucesso que lhe era característico, levando o presidente a passar por cima do seu secretário de Estado, pronunciando-se a favor. Ao receber a notícia, Lord Balfour manda redigir a declaração que afirmava que o governo inglês via com bons olhos a criação, na Palestina, de um Lar Nacional para o povo judeu.

O sionismo, anteriormente sonho de uma pequena minoria, era alçado ao centro do cenário mundial e da vida judaico-americana. Em 1917, o Movimento Sionista Americano chegou a ter 200.000 membros, aumentando dez vezes o seu número por volta de 1910. O Comitê Executivo Americano Provisório para Assuntos Gerais Sionistas, presidido por Brandeis, arrecadou milhões de dólares para auxiliar os judeus que sofriam na Europa devastada pela guerra. A partir de então, o judaísmo americano se torna o centro financeiro mundial do movimento sionista. Depois da 1a Guerra Mundial, Brandeis torna-se presidente honorário da Organização Sionista Mundial. No entanto, em função de divergências de opinião, o jurista americano rompe com Chaim Weizmann e com os líderes sionistas da Europa Oriental. Apesar de Brandeis e os americanos se terem retirado da OSM, continuaram apoiando ideológica e financeiramente seus objetivos e ideais.

Juiz da Suprema Corte

As habilidades jurídicas e a fama de progressista de Louis Brandeis levaram o presidente democrata Woodrow Wilson, eleito em 1912, a procurá-lo. Seu plano de governo incluía reformas sócio-políticas e, para viabilizar suas idéias, o presidente queria os conselhos jurídicos do "Procurador do Povo". Defensor de uma economia altamente competitiva, Brandeis foi um dos mentores da política de Wilson, denominada "New Freedom" (Nova Liberdade), cujo objetivo central era criar mais oportunidades para a economia americana mediante mudanças na política tributária.

Quando em 1916, abre-se uma vaga na Suprema Corte dos EUA, o presidente americano, indicou-o para a ocupar. Era o primeiro judeu da história americana a conquistar tal honraria. A nomeação, no entanto foi muito contestada e seis meses transcorreram antes que fosse confirmado no cargo. A idéia de um judeu progressista na Suprema Corte não era muito bem aceita entre os membros mais conservadores do Senado. Havia quem alegasse que "pairavam dúvidas se uma mente 'oriental' seria capaz de interpretar um sistema jurídico produzido por mentes ocidentais".

Nenhuma argumentação conseguiu demover o presidente Wilson de sua decisão. Defendia a indicação declarando: "Muitas acusações foram feitas contra Louis Brandeis; entretanto os relatórios das subcomissões já deixaram claro, a vocês e ao país, o quão infundadas são tais acusações... Eu próprio as analisei cuidadosamente, quando o indiquei para o meu gabinete, e concluí que tais acusações eram feitas, em geral, por aqueles que o odiavam por ele se ter recusado a servir a seus mesquinhos interesses...".

Brandeis acreditava que a Suprema Corte tinha um papel importante a desempenhar no campo das liberdades civis e devia sustentar a pluralidade de religiões, sistemas econômicos e opiniões. Durante seu mandato, o Juiz conseguiu colocar a doutrina de "jurisprudência sociológica" no centro da filosofia da lei federal e transformar o Supremo Tribunal dos EUA num corpo criativo de elaboração de leis. Foi também um dos poucos juízes que deu seu apoio ao "New Deal", plano elaborado pelo presidente Franklin D. Roosevelt para enfrentar a Grande Depressão que atingira a economia norte-americana, após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. Roosevelt o chamava de "Isaías", dizendo que, para ele, Brandeis além de grande mestre parecia-se, muitas vezes, a um profeta.

Durante os 23 anos em que atuou na mais alta corte de justiça de seu país, Brandeis foi um dos mais sábios juristas da história da Casa. Há quem acredite que, não fosse ele judeu, certamente teria sido elevado à presidência da Suprema Corte.Ao longo de sua atuação, Brandeis cunhou frases que refletiam as idéias nas quais acreditava profundamente - e que, ainda hoje, são freqüentemente citadas dentro e fora dos meios jurídicos. Entre estas, "O crime é contagioso. Se o governo rompe com a lei, o povo passa a menosprezar a lei"; ou ''Nosso governo é professor poderoso, onipresente. Para o bem ou para o mal, ensina a todo um povo com o seu exemplo''.

Fervoroso sionista e defensor da criação de um Estado judeu na terra de seus ancestrais, não viveu para ver a fundação de Israel, em 1948. Louis Brandeis morreu aos 85 anos, em 5 de outubro de 1941. Deixou sua vasta fortuna pessoal para ser usada em projetos humanitários, dando continuidade à prática que instituíra em vida.

A Brandeis University, na cidade de Waltham, próximo a Boston, é uma das inúmeras homenagens prestadas a esse extraordinário ser humano. Sua vida e seus valores inspiraram, em 1948, um grupo de filantropos judeus que fundaram o que se constituiria na única universidade judaica laica dos Estados Unidos, hoje entre as mais conceituadas do país. Sua filha Susan, que seguiu o caminho do pai tanto na carreira juridica quanto na atuação sionista, teve importante papel nos primórdios da universidade que leva o nome da família, como um de seus curadores.

Brandeis ficou, na história da justiça americana, como um símbolo de eqüidade social, do exercício da lei para os fins a que se destina. Em outras palavras, a promoção de um mundo melhor e mais justo para todos os homens.