Morreu aos 87 anos, no dia 17 de novembro de 2002, Abba Eban, o último sobrevivente dos líderes da velha guarda israelense. Orador eloqüente, diplomata brilhante e negociador eficaz, ajudou a moldar o destino de sua Pátria nas difíceis três primeiras décadas que seguiram a independência, ganhando a simpatia e admiração do mundo por Israel.

Expressou, de forma elegante e apaixonada, o direito de Israel à existência, instilando orgulho e solidariedade entre os judeus da diáspora e debatendo habilidosamente com os inimigos de sua nação. Como afirmou o ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e atual ministro das finanças, Eban foi o fundador da diplomacia israelense.

Tinha somente 32 anos quando foi nomeado delegado da Agência Judaica nas Nações Unidas, para defender a causa sionista na disputa pela partilha da Palestina em dois estados soberanos. Logo em seguida, enfrentou o desafio ainda maior de convencer os membros da Assembléia Geral da ONU a reconhecer o Estado de Israel. Após verdadeira maratona diplomática, a independência do Estado de Israel foi declarada, em 14 de maio de 1948, com o reconhecimento simultâneo dos Estados Unidos e da União Soviética.

Eban lembrava-se desse período com emoção e lucidez. Afirmava que no início de 1947 a Nação se encontrava em seu pior momento; fechada à imigração, era uma comunidade estrangulada e sufocada. Dois anos depois, tudo havia mudado. As portas estavam abertas, o país fazia parte da família das nações, com acesso às organizações internacionais e aos fundos monetários. Havia sobrevivido a uma guerra contra seus vizinhos. Em meados da década de 1950, sua população havia dobrado. Eban estava maravilhado com a velocidade dessas transformações e achou muito triste que nas décadas seguintes as pessoas pensassem que tudo já estivesse garantido para sempre.

Além de culto e articulado, Eban era um fervoroso sionista. Seu pai, morto quando ele ainda era criança, foi membro ativo do movimento na África do Sul, onde Aubrey, seu nome de registro, nasceu em 1915. Sua mãe, uma jovem viúva, voltou à Inglaterra com os dois filhos e casou-se com o dr. Isaac Eban. Abba desenvolveu uma forte identidade judaica graças ao avô materno, que lhe ensinava a Torá e o hebraico.

Estudioso e professor de árabe na Universidade de Cambridge até 1940, Eban teria seguido a carreira universitária e permanecido em Cambridge se não fosse completamente obcecado com o destino de seu povo. Após servir no exército britânico na Palestina e no Cairo onde conheceu sua esposa, Suzy entrou para a Agência Judaica. Escolhi a opção poética , costumava afirmar, e nunca me arrependi de minha decisão.

Entre 1950 e 1959, Eban assumiu, ao mesmo tempo, os cargos de embaixador de Israel para os Estados Unidos e de delegado-chefe de seu país nas Nações Unidas. Aos historiadores que afirmam que nesse período houve oportunidades de paz com os árabes que não foram perseguidas por Israel por causa da política mais agressiva de David Ben-Gurion, Eban respondia que desde aquela época e até os acordos de Oslo, em 1993, jamais a paz esteve ao alcance de Israel. Isto porque seus vizinhos estavam convencidos de que poderiam destruí-lo e anular a decisão internacional que ratificara sua criação.

Nos anos em que a sobrevivência de Israel parecia estar sendo posta à prova, a atenção do mundo todo estava centrada nas Nações Unidas, de cuja tribuna Abba Eban defendia com orgulho sua nação com argumentos repletos de referências históricas e imagens idealizadas de um Oriente Médio pacífico.

A carreira de Eban chegou ao ápice em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, quando ele ocupava o cargo de ministro das Relações Exteriores. Na véspera da guerra, com Nasser (então presidente do Egito) apertando o cerco sobre Israel, fez visitas dramáticas a Paris, Londres e Washington para conquistar apoio para seu país: ‘’Era uma guerra que queria aniquilar-nos , dizia. Perigo e solidão eram as realidades daquele tempo”. Os norte-americanos estavam em guerra no Vietnã e não queriam envolver-se em outro conflito. Os europeus tinham uma atitude reservada, aconselhando a diplomacia a esperar pelo ataque inimigo para entrar no conflito. Eban conseguiu o apoio do presidente norte-americano Lyndon Johnson.

O discurso de Eban nas Nações Unidas, após a vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias que resultou na ocupação da Margem Ocidental do rio Jordão, do deserto do Sinai e das montanhas do Golã, e na libertação da Cidade Velha de Jerusalém é um clássico na história da diplomacia. Mostra que o conflito não concerne só a Israel, mas ao mundo inteiro e que o desafio a Israel, na realidade, ameaça os fundamentos da ordem internacional. Oferece a seus vizinhos livre negociação e uma paz justa e duradoura. Rejeitando a possibilidade de que o status quo anterior à guerra possa ser restaurado, vislumbra um futuro com um Oriente Médio maduro, farto da guerra e disposto a não perder as oportunidades de paz. Foi Abba Eban quem em 1973, durante a Guerra de Yom Kipur, ajudou a convencer o presidente norte-americano Richard Nixon a reabastecer Israel de armamentos e suprimentos.

Paradoxalmente Eban se tornou mais popular entre os judeus da diáspora do que em seu próprio país. Chegou à liderança do Partido Trabalhista, de cujo gabinete foi membro entre 1959 e 1974, inicialmente como ministro sem pasta, depois como ministro da Educação e Cultura, depois como vice do primeiro-ministro e, enfim, como ministro das Relações Exterioriores. Foi membro do Knesset (Parlamento) até 1988, mas nunca se tornou primeiro-ministro. Com um papel primordial nos bastidores da diplomacia internacional, não tinha a mesma ressonância em casa. 

Efetivamente, Eban parecia um pouco deslocado entre seus colegas do Knesset. Elegantemente trajando terno escuro e gravata, tinha um jeito nobre e formal que não combinava com as maneiras rudes e espontâneas de seus companheiros bronzeados, com camisa de manga curta e colarinho aberto. Estas diferenças foram-se acentuando com os anos, especialmente devido à guinada para a direita do eleitorado israelense e ao enfraquecimento do peso político da primeira onda dos imigrantes europeus seculares que fundaram o Partido Trabalhista.

Sobre o declínio de seu partido, que causou seu afastamento da política ativa, dizia: O único erro dos trabalhistas foi ter perdido as eleições em 1977.
Moderado, tinha o apelido de pomba.
Quando, na década de 1970, a primeira geração de líderes do Partido Trabalhista saía da cena política, os falcões da nova geração, liderados por Yitzhak Rabin, isolaram-no politicamente. Na década de 1980 o partido modificou o sistema de nomeação e Eban recebeu a humilhação de ficar fora da lista dos candidatos a aquele Knesset.

Fez sua afirmação mais famosa quando a então OLP (Organização para a Libertação da Palestina) rejeitou o plano para o controle palestino sobre a maior parte da Margem Ocidental e da Faixa de Gaza, conforme constava nos acordos de Camp David, assinados entre Israel e o Egito em 1978: Os palestinos nunca perdem a oportunidade de perder uma oportunidade.

Mesmo deixado de lado, continuava sendo uma voz de prestígio, com um público fiel no exterior, especialmente nos Estados Unidos. Além da cultura profunda, também chamava atenção a sua fluência em dez idiomas. Nos anos seguintes a seu afastamento político, Eban se dedicou a dar palestras e a escrever. Seus temas prediletos eram a expe-riência judaica, a política e as realizações de Israel. Em sua obra enfatizava a centralidade da história judaica e suas contribuições à civilização contemporânea. Enfatizava também a necessidade de envolver os palestinos na busca da paz. Membro da Academia Americana de Ciências, seus livros principais são: Herança, civilização e os judeus, que se tornou um aclamado programa de televisão em nove capítulos, com o próprio Eban como narrador; A Terra Prometida; Minha Terra: História do moderno Israel; Abba Eban; A voz de Israel; A corrente do nacionalismo; Meu Povo, uma história dos judeus; Testemunho pessoal: nasce uma nação, que também se tornou um programa de televisão produzido em cinco capítulos; e Diplomacia para o próximo século. Em 2001, recebeu o Prêmio Israel, mas este reconhecimento foi muito pequeno e muito tardio para tão notável personalidade.

Sua posição política era contrária à ocupação da Margem Ocidental e da Faixa de Gaza e favorável ao estabelecimento de um estado palestino. Dizia que a origem de Israel estava intrínseca e intimamente ligada à idéia de compartilhar território e soberania. Afirmava que em 1967 os territórios eram um grande trunfo na mão de Israel, por ser um instrumento de barganha muito útil, só que Israel não soube usar esta carta a seu favor. Foi um erro acreditar que podíamos manter os territórios do Golã ao Suez. É necessária uma compreensão mais profunda da realidade geopolítica.

Esta, em sua opinião, seria expressa pelos Acordos de Oslo. Mas, lamentavelmente, as lideranças atuais não aceitam que Israel esteja diante de uma nova realidade.

Embora não concordasse com os rumos recentes da política, Eban era um entusiasta das realizações obtidas por Israel – o país era definitivamente um estado judeu graças à força unificadora do judaísmo e ao sucesso da língua e da literatura judaicas. ‘’Vejo este sucesso como um motivo de orgulho. Nunca imaginei Israel com 5,8 milhões de habitantes, uma potência estratégica, um exército moderno, seguindo os avanços da tecnologia.

Foi lamentável o fato de Eban não ter sido aproveitado em todo seu potencial até seus últimos dias. Foi de extrema importância para Israel ter tido uma personalidade dessas como seu representante perante o mundo durante o governo de Ben-Gurion. Que sua memória como homem e como diplomata sirva de exemplo e de inspiração aos políticos atuais pelo sucesso e pelo profissionalismo com que conduziu os assuntos públicos.
Eban deixa a esposa Suzy, os filhos Eli e Gila, netos e sobrinhos.

Bibliografia:
• National Security Archives, George Washington Interview “Interview with Abba Eban”. Tel Aviv, 13/5/97
• Hadassah magazine. “Portrait of Abba Eban: The Poetic Option” by Rochelle Furstenberg 


Singela homenagem

Caro tio Aubrey,
Uma figura exemplar como você, admirada em Israel e no mundo, teve uma vida pessoal, particular, um círculo familiar que sempre foi parte de sua vida e o acompanhou o tempo todo.
Durante as décadas em que você esteve na linha de frente, sempre o acompanharam o amor e o apoio infinitos de sua família, especialmente de Suzy, sempre ao seu lado. Sua vida pessoal e sua vida pública eram uma só. As reuniões familiares das tardes de sábado eram sempre algo maravilhoso, viagens através da história, da política, dos povos e da cultura.

Caro tio, se eu tivesse que definir o que nós todos recebemos de você, além de sua rara e singular contribuição para a reconstituição da nação de Israel em sua terra, eu resumiria em uma única palavra: cultura. Você foi um homem de cultura: a cultura que impregnava seu estilo de vida, seja público ou pessoal, era a verdadeira cultura, no sentido pleno do termo. Você tratava as pessoas com lealdade, integridade e honestidade. Você respeitava a diversidade das pessoas e honrava as minorias em Israel. Você respeitava seus inimigos e adversários... Você tratava os poderosos e os destituídos com a mesma dignidade. Você transmitia esta sua cultura a todos seus ouvintes pelo mundo afora... Você era um homem de estilo e benevolência, erudição e senso de humor... Um encontro com você era uma experiência rara de humor, calor humano e sabedoria em uma palavra, cultura de verdade.

Este mesmo Abba Eban brincava com seus netos em cima do tapete e se emocionava com as realizações e com os sucessos dos filhos no campo da música. Nós, em seu lar caloroso, sempre o lembraremos como o marido, o pai, o avô compreensivo e amoroso, como nosso grande e especial tio Abba.
Possa sua alma descansar em paz.

Discurso pronunciado pelo sobrinho Isaac Herzog durante os funerais de Abba Eban