Em seus 46 anos de vida pública, o judeu Sul-africano Aubrey Solomon Meir Eban, consagrado como o israelense Abba Eban, foi a voz mais eloqüente, fascinante e impositiva em defesa de seu país. A oratória de Abba Eban continua, até hoje, sendo incomparável tanto em israel como no resto do mundo.

Abba Eban, então Ministro das Relações Exteriores de Israel, esteve no Rio de Janeiro em agosto de 1973, quando compareceu a um grande jantar na sede da Manchete, empresa que editara em português seu livro “A História do Povo de Israel”. Coube-me recepcioná-lo e saudá-lo porque, na ocasião, o Adolpho Bloch estava no exterior.

Tenho registrado o memorável discurso que ele fez naquela noite, do qual destaco um trecho:

“A comunidade internacional reúne 127 nações das quais apenas uma nação fala o mesmo idioma, conserva a mesma fé e habita o mesmo território que ocupava três mil anos atrás. Não há paralelo na história da humanidade para essa força e esse mistério de continuidade. Agora, em seus 25 anos de existência, Israel é para nós um estado que reafirma uma soberania que prescinde de qualquer explicação ou de apresentar qualquer desculpa. É algo que deve ser proclamado como parte inexorável da realidade histórica e aqueles que planejam um futuro sem a sua presença estão construindo conceitos em castelos de areia”.

Abba Eban nasceu na Cidade do Cabo, na África do Sul, no dia 2 de fevereiro de 1915, filho de Abraham Meir Solomon, oriundo da Lituânia. Levado ainda criança para a Inglaterra, estudou em duas escolas em Southwark, onde se destacou nas matérias dos clássicos e da língua inglesa. Com a idade de 14 anos, participou de forma tão assombrosa em um debate colegial que deixou perplexos os professores. A diretora da escola elogiou-o pela forma como organizou e expôs seu pensamento, mas mandou chamar sua mãe e lhe disse que o jovem havia sido desonesto no debate porque não havia enumerado as pesquisas e as fontes das quais se valera. Era impossível, segundo a diretora, que alguém com apenas 14 anos de idade pudesse formular por conta própria argumentos tão brilhantes.

A mãe de Eban desafiou a mulher e sugeriu-lhe marcar outro debate no mais curto espaço de tempo possível, sem que seu filho sequer soubesse qual o tema a ser discutido. Dito e feito. Mais uma vez, a participação do jovem judeu foi excepcional e a diretora pediu desculpas à mãe.

Esta trabalhava no escritório da Agência Judaica em Londres, sob a direção de Chaim Weizmann, que, um dia, em 1917, pediu-lhe que traduzisse para o russo e o francês a Declaração Balfour. O documento assinado pelo chanceler britânico dizia que “Sua Majestade via com bons olhos o estabelecimento de um lar nacional para os judeus na então Palestina”. Em suas memórias, Eban anotou que a tradução de um documento pode parecer algo banal, mas a tarefa cumprida pela mãe ficou para sempre na memória da família, “e fez com que o sionismo conquistasse o meu mundo interior”.

O precoce debatedor cumpriu a carreira escolar e acadêmica com bolsas de estudo às quais concorreu e sempre ganhou. A par dos estudos convencionais, a cada fim de semana era tutorado em judaísmo e no idioma hebraico por seu avô materno, Eliahu Sacks. Em 1930, matriculou-se no Queen’s College da Universidade de Cambridge, onde, no decorrer dos estudos, especializou-se em literatura e idiomas do Oriente Médio. Sete anos depois, compareceu ao Congresso Sionista Mundial, realizado em Zurique, Tinha apenas 22 anos de idade, razão pela qual não podia votar nenhuma resolução, pois só valiam os votos dos maiores de 24 anos. Naquele congresso foi abordada a questão de uma possível partilha da então Palestina, tese defendida com ardor por Weizmann e Ben Gurion, que nem sempre estavam de acordo. Anotou: “Foi a minha primeira experiência em uma polêmica sionista de alto nível”.

No ano seguinte, a publicação Cambridge Review transcreveu um debate ali realizado, onde se lê: “O senhor A.S. Eban propôs que a Câmara dos Comuns condene o governo Chamberlain por seu efetivo fracasso na defesa dos interesses do país e por não ter preservado a independência da Checoslováquia”.

Nos anos universitários, Eban foi uma voz constante contra a Alemanha nazista que, no seu lúcido entender, iria desencadear uma guerra na Europa. Referindo-se a Goebbels, disse em um de seus discursos: “Cada vez que este homem abre a boca, subtrai parte da soma do conhecimento humano”.

Já aclamado por sua notável oratória, escreveu em suas memórias: “A habilidade para motivar e emocionar platéias e indivíduos é a mais potente capacidade humana. Foi nos meus estudos hebraicos que fiquei cativado por diferentes modelos de eloqüência oratória, como, por exemplo, as profecias de Isaías, formuladas como declarações públicas. Ao mesmo tempo, debrucei-me sobre os discursos de Cícero e Demóstenes, que são memoráveis. Seu propósito era conduzir os ouvintes a novos níveis de reação e comportamento sem levar em conta as apreciações de ordem estética”.

Em 1939, quando estourou a 2a Guerra Mundial, Eban foi trabalhar com Chaim Weizmann no escritório da Organização Sionista Mundial, em Londres. Àquela altura, Weizmann era um bioquímico que havia atuado em sua especialidade durante oito anos, em Manchester. Ele ocupava uma posição relativamente modesta na hierarquia do movimento sionista que, conforme Eban anotou, “tinha noventa por cento de fantasia e dez por cento de realidade”. Entretanto, Weizmann se apegava de forma obsessiva ao conteúdo da Declaração Balfour e possuía uma extraordinária capacidade de persuasão. Quando ganhou vulto sua contribuição para o esforço de guerra inglês, por ter criado um novo tipo de explosivo à base de acetona, Weizmann ascendeu aos altos círculos do poder britânico. Eban escreveu: “No posto de observação da minha escrivaninha, constatei que Weizmann não era apenas uma figura central da vida judaica; era parte integrante do cenário diplomático internacional. Fui testemunha de como os chefes de estados tratavam-no com respeito e os ministros com acentuada cortesia”.

O trabalho desenvolvido por Abba Eban chamou a atenção de Winston Churchill, que o convocou para servir nos serviços britânicos de inteligência. Foi designado para uma missão no Egito, cabendo-lhe a tarefa de apurar de que maneira os países árabes poderiam aliar-se ao Reino Unido na guerra que estava começando. Sobre a estadia no Egito, Eban escreveu: “Em 1942, quando cheguei ao Cairo, pude constatar o que era de fato o perigo nazista porque as tropas de Rommel estavam a um passo de nós”. No mesmo ano, Eban foi transferido para o quartel-general aliado em Jerusalém, servindo como oficial de ligação com a população judaica, ao mesmo tempo em que se envolveu na formação da Brigada Judaica que viria a combater o nazismo sob bandeira britânica. Coube-lhe, também, treinar voluntários para resistirem a uma possível invasão alemã na então Palestina. Essa iniciativa tornou-se desnecessária quando Rommel foi derrotado em El Alamein, mas rendeu bons frutos. Aqueles que haviam recebido treinamento militar, mais tarde se integraram à Haganá, o exército judeu clandestino na então Palestina, que primeiro lutou contra os mandatários britânicos e depois na Guerra de Independência de Israel.

Em Jerusalém, Eban aproximou-se de Moshe Shertok (depois Sharett), amigo de sua família e que viria a ser primeiro-ministro de Israel, “um homem dotado de impressionante combinação de energia intelectual e um refinado senso moral”. Ainda sobre Sharett, Eban escreveu: “Ele não tinha o carisma de Weizmann nem o poder de decisão que caracterizou Ben Gurion. Entretanto, mais do que Ben Gurion, ele sabia avaliar as implicações morais, as conseqüências imediatas de quaisquer decisões e seus desdobramentos. Acima de tudo, era uma pessoa com devotada fidelidade à razão”. Foi no transcorrer de longas conversas com Sharett que Eban concluiu que não haveria possibilidade de um entendimento com os árabes. Convenceu-se de que, ao contrário do pensamento dos primeiros sionistas, as empobrecidas massas árabes não se importavam com os possíveis benefícios econômicos resultantes da imigração judaica para a então Palestina. A propósito, escreveu: “A idéia segundo a qual uma nação trocaria por vontade própria sua independência por benefícios econômicos era uma ilusão tipicamente colonialista”.

Quando a ameaça da invasão nazista se esvaiu, Abba Eban foi mandado de volta ao Cairo, onde conheceu a mulher com a qual se casaria, Shoshana Ambache, ou Suzy, filha de um comerciante judeu que deixara a então Palestina. Sua irmã, Aura, casou-se com Chaim Herzog, que foi Embaixador de Israel nas Nações Unidas e o sexto Presidente do país. Os Eban tiveram dois filhos, Eli, músico que hoje reside nos Estados Unidos, e Gila. Em família e pelos amigos mais íntimos, sempre foi chamado de Aubrey, nunca Abba. Finda a guerra, o jovem casal radicou-se em Jerusalém, onde ele passou a lecionar em um centro de estudos árabes. Embora ainda fosse oficial britânico, passou a escrever artigos, sem assinatura, para o jornal Palestine Post, denunciando a política inglesa de impedir a imigração dos sobreviventes judeus do Holocausto. Os líderes sionistas pressionavam Eban para que se engajasse totalmente no movimento, mas ele continuava dando preferência à carreira acadêmica. Em 1946, os ingleses prenderam, em uma ação até então inédita, toda a liderança sionista em Latrun, de onde Sharett conseguiu lhe enviar um curto e eloqüente bilhete: “Nu?”, uma expressão em iídiche que significa “e então?” Eban também respondeu da forma mais breve possível: “Yes”. Pediu baixa do exército inglês e se tornou um dos membros da direção da Agência Judaica para a então Palestina. Nessa função, começou a preparar a argumentação que seria apresentada nas Nações Unidas em favor da partilha da então Palestina e, no ano seguinte, integrou a delegação judaica à Assembléia Geral da ONU. Já escrevi longamente sobre a extraordinária participação de Abba Eban naqueles dias históricos de novembro de 1947 (Morashá, abril de 2004 e dezembro de 2007), mas vale destacar a menção que ele faz à atuação do estadista brasileiro Oswaldo Aranha, o presidente da Assembléia Geral: “Nós tínhamos bons aliados. O presidente da Assembléia, Oswaldo Aranha, do Brasil, era um homem com uma disposição apaixonada e romântica e também religiosamente exaltado pela idéia de um estado judaico”. E mais adiante: “Quando os oradores e a platéia estavam exaustos, o Embaixador Aranha reviveu nossas esperanças. Ele disse que o dia seguinte correspondia a um feriado nacional americano, o Dia de Ação de Graças, e que não seria cortês privar os funcionários americanos de celebrarem seu feriado. Afinal de contas, nada impediria que a votação fosse no dia 29 de novembro. Antes que os protestos pudessem ser ouvidos, ele dispersou a Assembléia Geral. Aranha era veloz na batida do martelo, de uma forma como eu jamais vi igual”. Colocada em votação, a partilha da então Palestina foi aprovada por 33 votos a favor, 13 contra, dez abstenções e uma ausência. Assim nascia o embrião do futuro Estado de Israel.

Foram gloriosos aqueles tempos de Abba Eban nas Nações Unidas. Seu discurso a favor da partilha e outro, em maio de 1948, após a proclamação da independência de Israel motivaram não somente os judeus do mundo inteiro, mas também os não-judeus que admiravam sua poderosa e refinada oratória. Em seguida, Eban foi nomeado primeiro embaixador de Israel na ONU. Era o mais jovem de todos os embaixadores, com apenas 33 anos de idade. Ele dizia que o momento mais emocionante de sua vida ocorrera no dia 11 de maio de 1949, quando hasteou a bandeira de Israel em frente ao prédio das Nações Unidas: “Até hoje sinto as ranhuras da corda em minhas mãos”. Nos anos seguintes, falando incessantemente nos mais diferentes foros internacionais, Eban tornou-se um imbatível campeão em defesa da justiça da causa de Israel: “Vejam no mapa os países árabes com suas infindáveis terras férteis, seus imensos rios ainda não aproveitados, seus poços de petróleo bombeando poder e riqueza, suas múltiplas soberanias e forte representação internacional. Agora, vejam o mapa de Israel, com seus mínimos recursos territoriais e econômicos. E perguntem-se francamente: os povos árabes devem ser objeto de condolências ou de congratulações? O mundo lhes deve alguma desculpa, ou são eles que devem ao mundo paciência e moderação?”

Por ocasião do décimo aniversário de Israel, em 1958, Eban foi entrevistado por  Mike Wallace no programa 60 Minutos, o jornalístico de maior prestígio na televisão americana. Wallace começou batendo forte:

“O historiador Arnold Toynbee disse que as ações malignas cometidas pelos judeus contra os refugiados árabes são comparáveis aos crimes cometidos pelos nazistas contra os judeus. O que o senhor tem a dizer sobre isto?” Eban respondeu: “Trata-se de uma monstruosa blasfêmia. O professor compara o massacre de nossos milhões de homens, mulheres e crianças com os refugiados que se encontram sob angústia, é verdade, mas em suas próprias terras e dotados da suprema dádiva da vida. Comparar o massacre dos judeus com este sofrimento temporário equivale à distorção de qualquer perspectiva histórica”.

Dez anos mais tarde, após ocupar postos ministeriais e uma cadeira no Parlamento, Eban teve uma série de encontros secretos com o Rei Hussein, da Jordânia, que generosamente lhe disse ser seu grande admirador. O propósito de Eban nessas conversas, conforme ele mesmo admitiu, era passar da utopia para a realidade, ou seja, buscar um canal de entendimento direto com os inimigos de Israel. Em seguida, anotou: “Foi Hussein, e não Sadat, o verdadeiro pioneiro do realismo da percepção árabe com relação a Israel. Ele foi também o único líder árabe que absorveu refugiados em sua sociedade em vez de deixá-los à míngua nos campos. Entretanto, ele jamais conseguiu fazer valer seus conceitos no contexto do mundo árabe”.

Em 1956, quando aconteceu a Guerra de Suez, na qual Israel aliou-se à França e à Inglaterra para ocupar o canal de Suez, Eban era embaixador de Israel nos Estados Unidos e nas Nações Unidas. Os americanos ficaram furiosos por não terem sido informados daquela ação militar e exigiram a imediata retirada das tropas estrangeiras do Egito. Coube a Eban a difícil tarefa de transformar aquela vitória militar em uma equivalente vitória diplomática. Depois de inúmeras negociações com o Secretário de Estado John Foster Dulles, obteve dos americanos o seguinte comprometimento: se o Egito impedisse a navegação israelense através do Mar Vermelho, Israel teria o direito de atacar para se defender.

Nove anos depois, em 1967, aconteceu justamente o que Israel temia: Nasser, o ditador do Egito, bloqueou os estreitos de Tirã impedindo a passagem de navios israelenses pelo Mar Vermelho. Segundo o acordo firmado com os americanos, era um autêntico casus belli, motivo de guerra. Antes, porém, de qualquer iniciativa de caráter militar, Abba Eban buscou uma solução diplomática. Na França, conforme suas próprias palavras, recebeu uma ducha de água fria do presidente De Gaulle: “Antes que trocássemos amenidades, ele foi logo dizendo: Ne faites pas la guerre! – não façam a guerra! E completou: é preciso que haja uma reunião entre os quatro grandes!” De Paris, Eban rumou para Washington, onde foi recebido pelo presidente Lyndon Johnson. É saboroso seu relato sobre este encontro: “Ele me perguntou o que De Gaulle havia dito. Transmiti-lhe a idéia do encontro entre os quatro grandes. Aí, Johnson explodiu: “Quem, diabo, são os outros dois?” A negociação menos espinhosa foi em Londres, onde o primeiro-ministro Harold Wilson foi muito cortês e lhe disse que nada poderia fazer sem o apoio americano.

Eban voltou a Washington e finalmente Johnson lhe deu o sinal verde. No dia 5 de junho, Israel deslanchou uma guerra vitoriosa que duraria apenas seis dias. Logo no dia 6, perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, Eban pronunciou um de seus mais memoráveis discursos: “O problema do papel a ser desempenhado pelas Nações Unidas em um conflito como este começa a ser muito debatido. Mas, devemos perguntar-nos a nós mesmos uma questão que resulta da atual experiência. Em nosso país e em muitos outros as pessoas indagam: de que vale a presença das Nações Unidas como um guarda-chuva se este é retirado assim que começa a chover?” E mais adiante: “Quando o Conselho discute o  que vai ocorrer depois do cessar-fogo, ouvem-se diferentes fórmulas: de volta a 1956, de volta a 1948 e percebo que nossos vizinhos gostariam de voltar o relógio para 1947. Acontece que os relógios andam para a frente e não para trás. Creio que assim se apresenta a questão do Oriente Médio: não atrás para a beligerância, mas para a frente no rumo da paz”.

Quando eclodiu a guerra do Yom Kipur, em 1973, Eban encontrava-se em Nova York na qualidade de Ministro das Relações Exteriores de Israel. Seguiram-se dias de intensas e controvertidas negociações com o Secretário de Estado Henry Kissinger, ao cabo das quais os americanos concordaram em implantar uma ponte-aérea que levou para Israel os equipamentos militares que o país necessitava de forma desesperada. Em 8 de outubro, as tropas invasoras sírias foram contidas no Golã e o exército egípcio contido no Sinai. Naquele dia, Eban falou perante a Assembléia Geral: “Não há uma só pessoa neste recinto, ou fora dele, que não saiba no fundo de seus corações que o Egito e a Síria desferiram um golpe contra a mais venerada das causas humanas – a causa da paz internacional. O ataque premeditado e não provocado que ambos lançaram, no dia do Yom Kipur, sobre as linhas do cessar-fogo, ficará na história como um dos mais odiosos atos pelos quais esses governos tiveram responsabilidade. Que não reste dúvida: o Egito e a Síria se aproveitaram da vulnerabilidade física que é parte de uma vocação espiritual à qual o povo judeu jamais renunciará”.

No ano seguinte, em conseqüência das controvérsias internas referentes às responsabilidades na guerra do Yom Kipur, caiu o governo de Golda Meir e Eban perdeu seu posto de chanceler. Durante um tempo foi professor-visitante da Universidade de Colúmbia, em Nova York, e depois foi eleito para o Parlamento de Israel. Valeu-se dessa tribuna para criticar a ação militar israelense no Líbano, em 1982, e, em outros episódios, conflitou-se com Itzhak Rabin e Shimon Peres. Assim selou sua trajetória na política israelense. Nas eleições seguintes, teve seu nome excluído da lista do partido trabalhista. A partir dos anos 80, deixou de ter o reconhecimento que, por todos os títulos, merecia em Israel. Vi-o, algumas vezes, sozinho, tranqüilo, sem o séquito ou o aparato que por tantos anos o acompanharam, comprando publicações estrangeiras na banca de jornais do Hotel Hilton de Tel Aviv. Boa parte dos eleitores, assim como seus próprios companheiros do partido trabalhista, julgavam-no arrogante e esnobe, inclusive ironizando sua forma erudita de falar inglês, ao estilo de Cambridge, e até minimizando o fato de que ele era notavelmente fluente em dez idiomas. Em 1979, quando foi assinada a paz de Israel com o Egito, Suzy, sua mulher, fez uma nostálgica visita aos lugares de sua infância no Cairo. À noite, recebida por Sadat em um jantar, este lhe disse: “Eu esperava que a senhora e seu marido tivessem vindo muito antes. Eu o convidei muitas vezes”. Ela respondeu: “Eu sei, mas Aubrey preferiu esperar que primeiro a paz fosse assinada”.

Abba Eban foi um humanista e liberal durante toda a sua vida. Ele possuía um dom fora do comum para a objetividade, para avaliações racionais do passado e do presente do povo judeu e detinha uma visão do mundo nunca alcançada por qualquer outro homem público de Israel. Nas centenas de discursos que pronunciou e nos livros que escreveu sempre se preocupou com o destino dos seres humanos em face da história e sempre procurou relacionar causas e efeitos nos acontecimentos internacionais da segunda metade do século vinte.

Quando ele morreu, aos 87 anos de idade, no dia 17 de novembro de 2002, o jornal inglês The Guardian escreveu em seu obituário: “Vergonhosamente, Abba Eban não tem um verbete na maioria dos dicionários biográficos britânicos. Entretanto, ele foi um dos maiores filósofos políticos do seu século e sua influência de longo alcance só pode ser comparada aos sucessos que teve em vida”.

Trajetória política e literária

1946-7 
Responsável pelo setor de comunicação da Agência Judaica em Londres.

1947 
Oficial de ligação entre a Agência Judaica e o Comitê Especial das Nações Unidas para a então Palestina e membro da delegação da Agência Judaica à Assembléia Geral das Nações Unidas.

1948 
Representante nas Nações Unidas.

1949 
Representante permanente de Israel nas Nações Unidas.

1950-59 
Embaixador em Washington e representante permanente nas Nações Unidas.

1952 
Vice-presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas.

1958-66 
Presidente do Instituto Weizmann de Ciências.

1959 
Eleito para o Knesset (Parlamento de Israel).

1959-60 
Ministro sem pasta.

1960-63 
Ministro da Educação e Cultura de Israel.

1963-66 
Vice-Primeiro Ministro.

1966-74 
Ministro das Relações Exteriores.

1974 
Professor visitante da Universidade Colúmbia em Nova York.

1974-91 
Presidente do Conselho de Diretores do Centro de Pesquisas Políticas Beit Berl.

1974-84 
Membro do comitê do Knesset para Assuntos Externos e Segurança.

1984-88 
Presidente do comitê do Knesset para Assuntos Externos e Segurança.

Abba Eban foi membro da Academia Americana de Ciências. Sua obra literária inclui os seguintes livros: “A Voz de Israel”, “A Corrente do Nacionalismo”, “Labirinto da Justiça”, “Meu Povo”, “Meu País”, “Uma Autobiografia”, “A Nova Diplomacia”, “Testemunha Ocular” e “Diplomacia Para o Novo Século”.

Citações de Eban

Visitando a ONU anos depois da independência de Israel
“Quando eu aqui estive pela primeira vez, tinha a vantagem de ser perdedor. Agora tenho a desvantagem de ser vitorioso”.
“Um ponto básico quando se discute a diferença entre anti-semitismo e anti-sionismo é afirmar que não há nenhuma diferença”.

Rebatendo um adversário no Parlamento
“Sua ignorância é enciclopédica”.

Rebatendo outro adversário no Parlamento
“Todos sabem que o seu vocabulário é de 300 palavras. Só não sei por que o senhor só usa 150”.
“Se a Argélia apresentar uma resolução nas Nações Unidas declarando que a terra ficou plana e que a culpa é de Israel, a votação seria 164 a favor, 23 contra e 26 abstenções”.
“Melhor não ser querido do que ser lamentado”.
“Nem sempre os líderes políticos pensam o oposto do que estão dizendo”.
“O consenso se dá quando as pessoas concordam coletivamente e discordam individualmente”.
“A história nos ensina que os homens e as nações só se comportam de forma inteligente depois de terem esgotado todas outras alternativas”.

Depois da Guerra dos Seis Dias 
“Esta é a primeira guerra na história em cujo desdobramento os vitoriosos pedem paz e os derrotados exigem rendição incondicional”.

Sobre o comportamento dos inimigos de Israel
“Repetidamente esses governos rejeitam as propostas de hoje com a esperança de que elas aconteçam amanhã”.
“Os palestinos nunca perdem a oportunidade de perder uma oportunidade”.

Eban e sua segurança

Dias antes do jantar que aconteceu na Manchete, recebi a equipe de segurança de Eban junto com o então ainda secretário e hoje embaixador aposentado, Marcos Azambuja, designado pelo Itamaraty.  Os agentes julgaram desaconselhável que Eban desembarcasse na porta do edifício, porque o local era muito aberto e acessível a estranhos. Depois de muitas trocas de idéias chegamos a uma conclusão. O carro que o conduziria entraria por um portão lateral e seguiria para a garagem no subsolo, já esvaziada de outros veículos. Pararia em frente a um elevador exclusivo onde um ascensorista de plantão o levaria diretamente ao terceiro andar. Esse percurso foi ensaiado com sucesso algumas vezes. Na noite do jantar, o carro de Eban parou na porta do prédio. Ele e a mulher desceram, atravessaram tranqüilamente o saguão e até esperaram o elevador junto a um grupo de convidados, com os quais confraternizaram. Quase ao fim da festa, fui, indignado, na direção dos seguranças: “Então, vocês nos deram aquele trabalhão e acabaram fazendo tudo ao contrário?” Sorrindo, um deles respondeu: “Claro, a manobra da garagem poderia ter sido vista por alguém suspeito”. Z.G.

Abba Eban foi um humanista e liberal durante toda a sua vida. Ele possuía um dom fora do comum para a objetividade, para avaliações racionais do passado e do presente do povo judeu.