Recentemente, dois livros foram escritos com base em traduções inéditas dos arquivos particulares de Lasar Segall (1889-1957) na língua iídiche. O primeiro é constituído por cartas de familiares, amigos e instituições. O segundo, por matérias sobre o pintor na imprensa judaica no Brasil, entre 1924 e 1958.

Segall veio para o nosso país em duas ocasiões marcantes. A primeira visita – em fins de 1912 – durou oito meses e coincidiu com a implantação de centros comunitários no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A segunda, definitiva, em fins de 1923, deu-se com as comunidades já consolidadas, graças ao aumento das imigrações. Justamente nesta ocasião foi lançado “O Semanário Israelita”, primeiro jornal iídiche, que perdurou por um bom período. As cartas e os jornais nesse idioma fornecem informações sobre o artista e importantes subsídios para a história da coletividade judaica brasileira. Há neles diversas referências e comparações a Marc Chagall (1887-1985), o primeiro nome que ocorre nas artes plásticas de temática judaica no século 20, justificando-se assim, que os dois artistas sejam revistos em conjunto. Chagall era só dois anos mais velho que Segall.

O sobrenome de ambos é praticamente idêntico, significando membro dos Levitas1, sacerdotes que assistiam aos Cohanim nas cerimônias dos Grandes Templos de Jerusalém. Em hebraico, o sobrenome se escreve da mesma forma, apenas três letras, samech ou shin2, guimel e lamed. A qualificação tanto dos Levitas quanto dos Cohanim era hereditária e honorífica, tanto assim que muitos Levi, Levy, Segal, Segalovitch ou Siegel ostentam nos seus túmulos (matzevot) figuras alegóricas, que representam a lavagem das mãos, ou então instrumentos musicais, devido à função dos Levitas no Templo Sagrado. É provável que nenhum dos dois desse muita importância ao fato. Chagall repousa no antigo Cemitério de Saint Paul de Vence, perto de Nice, onde passou seus últimos anos. No jazigo, muito simples, os turistas e aficionados deixam uma pedra, conforme o costume judaico.

No de Segall, no Cemitério Israelita de Vila Mariana, há uma inscrição do Deuteronômio (33:11), relativa a Levi, o personagem bíblico que deu nome aos Levitas, bem apropriada ao túmulo de um artista: “Abençoa, ó Senhor, o seu poder e aceita a obra de suas mãos”.

A cidade natal de Chagall, Vitebsk, situa-se na Belarus, país antes conhecido por Rússia Branca, e a de Segall, Vilna, é capital da Lituânia. As duas cidades, principalmente Vilna, tinham grande população judaica e eram centros de sua cultura. Se atentarmos para o fato de que, na época em que os pintores nasceram, as duas cidades faziam parte do Império Russo e de que também, historicamente, Vitebsk fez parte da Lituânia, poder-se-ia até imaginar se não seriam parentes distantes. O pai de Chagall, pequeno comerciante de arenque, era adepto do Chassidismo. Então, o filho, desde o berço, ficou imerso na tríade Halachá / Agadá / Cabalá3.

Por outro lado, o pai de Segall, Abel (Abraham), sofer (escriba da Torá), tornou-se uma forte influência em sua carreira. Cedo Segall interessou-se por aquele trabalho, atraído pelas formas do alfabeto hebraico. Graças aos seus dons, foi autorizado pelo pai a ornar as iniciais de cada versículo. Este fascínio permaneceu por toda a sua vida.

A infância de ambos os artistas foi semelhante: os estudos no cheder, onde aprendiam o hebraico e a liturgia; fora dele, o iídiche e o russo como línguas correntes e também a percepção do talento no desenho.

Na formação artística, no entanto, tomaram caminhos diversos. Chagall permaneceu em sua cidade natal e tomou aulas com Yehuda Pen (1854-1937), pintor naturalista de temas judaicos. Desta ligação restaram o conhecimento técnico, o gosto pelas cores e a amizade. Ali, estudava outro importante pintor judeu russo, El Lissitzki (1890-1941). Pen pintou dois soberbos retratos de Chagall jovem, antes de partir para São Petersburgo onde estudaria com Léon Bakst (1866-1924), famoso criador de figurinos e cenários dos Ballets Russes de Diaghilev, em Paris. Segall, por sua vez, teve aulas com Lev Antokolski (1872-1942), sobrinho do conhecido escultor Marc Antokolski, e embarcou cedo (em 1906) para a Alemanha, onde frequentou as Academias de Berlim e Dresden. Ambos se sentiram atraídos pelos novos caminhos da pintura, Chagall em Paris da pré-1ª Guerra e Segall na Alemanha, continuamente até 1923, com interrupções por viagens em 1912, 1913 (Europa Ocidental e Brasil) e Vilna (antes e depois da guerra).

Chagall encontrou a fama rapidamente e tornou-se referência para a nova geração de pintores judeus que estava surgindo. No círculo familiar de Segall, compreensivelmente, surgiu algo como rivalidade e comparações.

Por exemplo, numa carta postada em Nova York, um dos irmãos de Segall (Jacob) escreve: (...) Nós nos congratulamos com você pela grande repercussão que sua exposição obteve em Berlim. Envio-lhe um jornal local no qual escrevem que você foi reconhecido pela imprensa alemã, mais do que o mundialmente consagrado pintor Chagall (...)”.

Num texto sobre a mesma exposição de Berlim em 1926, em que Segall já exibe quadros feitos no Brasil, o escritor Schmaria Gorelik, seu amigo de longa data, também coloca Segall num grau superior: (...) Permitimo-nos ponderar que a fantasia chagalliana embala nossos sonhos, mas, no caso, trata-se de lendas que jamais ouvíramos falar. Os quadros dele (Chagall) são demasiadamente idílicos, figuras esvoaçantes numa sinfonia cromática. Nossos olhos não são poupados na explosão de violeta, púrpura e ouro. Ao contrário, a visão de Segall não é idílica. O velho da sinagoga, o jovem da ieshivá, o pai escriba da Torá, as ruelas estreitas e nevoentas, conduzem à elevação, ao êxtase, à religiosidade. Então a sua linguagem é moderada, discreta, parca no colorido. Os corpos retratados são negligenciados. Pés e mãos quase não aparecem, a ênfase é nas fisionomias, nos olhos tristonhos que refletem as tragédias e os segredos de suas vidas. Nas faces está estampado um mundo distante. Segall é um asceta. Raramente nos deparamos com um artista tão econômico no aspecto exterior das pessoas que retrata. (...)”.

Em palestra realizada em São Paulo em 1924 sobre o Expressionismo, o próprio Segall expressou-se com relação a Chagall, em termos bem mais benevolentes: (...) É um homem com fantasia mais forte do que o sentimento de formas. Ele sonha de olhos abertos, vê o mundo exterior, mas como um ser de outras esferas. Em seus quadros (falo dos trabalhos de Paris) há a infinidade russa, com todas as suas possibilidades. Ele separa a cabeça do corpo e a deixa flutuar no espaço, ou deixa flutuar animais acima dos telhados. O seu mundo exige dele tais fantasias e Chagall entrega-se sem filosofar ao seu mundo interior e acha formas por meio das quais cria, com força instintiva, visões de profunda significação. Ele, como todo outro artista forte, não precisa das leis da anatomia e da perspectiva (...)”.

Na mesma fonte, porém, encontramos o depoimento sobre Segall, do conceituado crítico Antonio Bento (1902-1988), quase meio século depois, em 1972: “(...) Tinha conhecimento de que sua obra tinha valor, e demonstrava ressentimento por não ter alcançado a popularidade de Chagall (...)”. Mas, como o próprio Segall sabia, radicar-se num país distante da efervescência cultural poderia custar-lhe esta “popularidade”, somada a cotações sensivelmente mais baixas no mercado da arte. Imagine-se, porém, qual o seu destino se tivesse continuado na Alemanha. Aqui ganhou segurança física e material. Paradoxalmente, este último fator fez com que vendesse menos, gerando menos divulgação. O que realmente importa, é que ambos conseguiram salvaguardar sua identidade artística própria e contam com lugares assegurados no panteão da cultura judaica. Além do mais, não se limitaram ao judaísmo e são reconhecidos universalmente.

Chagall fez sucesso em Paris, mas, foi ali, curiosamente, que as lembranças de Vitebsk se tornam mais intensas. Inúmeros quadros retratando essa aldeia foram pintados em Paris. Ele volta para a Rússia em 1914, para o grande amor de sua vida, Bella. Permaneceu lá,a princípio bloqueado pela guerra. Depois, ocupou cargos comissionados pelo regime soviético, até que exasperado pelas interferências em sua arte, volta em 1922 para a França, com a esposa e a filha Ida, onde fixou residência definitiva (exceto no período da 2ª Guerra).

Em 1917, Chagall incumbiu-se de ilustrar nova edição de Der Kuntsnmakher (O Mágico), obra de I. L. Peretz baseada numa lenda chassídica: o profeta Elias ajuda um casal muito pobre a prosperar. Foi quando Chagall tomou contato com a florescente literatura iídiche, numa época de grande procura por material folclórico. Era um tesouro à flor da terra e casava-se perfeitamente com tudo que lhe dizia respeito.

Chagall ilustra livros dos escritores Der Nister e David Hofstein. Estes livros foram pouco divulgados no Ocidente, sendo popularizados bem posteriormente por um museu suíço. A partir de 1921, Chagall foi incumbido de ser cenarista e figurinista do Teatro Iídiche de Moscou. Ali tomou contato com as peças de Scholem Aleichem, An-Ski e outros. O diretor da troupe era Alexander Granowski [Abraham Azarch (1890-1937)], seguido por Salomon Michoels (1890-1948), que se tornou um carismático líder comunitário e uma das primeiras vítimas de Stalin no “Genocídio Cultural”.Estas vivências não se refletem imediatamente nas suas obras. Na arte, as respostas nem sempre são rápidas. Só após longos anos em Paris, viagens por toda a Europa e exposição na América, ele recebe a incumbência redentora: a série de ilustrações do Tanach. Nada menos de 105 pranchas. As últimas só ficariam prontas muito depois, em 1956.

Mas tudo no seu tempo. Em 1931, estada de alguns meses em Tel Aviv. Agora começa a se refletir na arte de Chagall o amálgama da sua vida pregressa: Chassidismo, Pen, Bakst, Cubismo, Fauvismo, Bella, Literatura e Teatro iídiche, visita às obras de Rembrandt, o nazismo, também tolerância e diálogo com o mundo cristão; a morte de Bella e, afinal, a paz de um novo casamento, no sul da França, em 1952. É o Chagall que ficou para nós. O Chagall dos vitrais das Catedrais de Reims e Metz, do Hospital Hadassah de Jerusalém. O Chagall dos murais e do teto da Ópera de Paris. Mas ainda voltaremos a ele.

Segall esteve em São Paulo e Campinas, em 1912/1913, onde residiam seus irmãos e aqui deixaria sementes. Num curto esquete autobiográfico, podemo-nos inteirar das recordações do então jovem artista num meio onde quase nada se conhecia de arte moderna, mas já havia aficionados como José de Freitas Valle, Nestor Pestana e, principalmente, Mário de Andrade, que acompanhava os movimentos de vanguarda no exterior, tanto nas Artes Plásticas, como na Literatura e na Música. Segall já pressentia que também um dia faria parte da avant-garde brasileira, quando leu com satisfação, na sua segunda viagem, que a Semana de Arte Moderna de 1922, conforme o entendimento de Mário de Andrade, teve sua origem remota, naquela primeira exposição de suas obras, em fevereiro de 1913, à Rua de São Bento, 85, seguida de outra mostra, em Campinas, em junho do mesmo ano (no Centro de Ciências, Letras e Artes). Aliás, Segall esteve presente na Semana de 22, mesmo que não fisicamente, com uma coleção de gravuras expostas no Teatro Municipal de São Paulo, cedida por seu irmão Oscar, a pedido de Mário de Andrade.

Voltou à Alemanha às vésperas da 1ª Guerra, sendo internado como “russo inimigo”. Sentia-se perdido e solitário. Casa-se com Margarete Quack, uma atriz alemã de Dresden.Suas ligações com a família, em Vilna, só foram retomadas após a paz. Vilna havia sofrido muito durante a conflagração. Segall amadurece sua arte. Tinha amigos judeus na Alemanha (o escritor Gorelik, como vimos, era um deles). Entre os amigos e contatos com a pintura europeia, em sua permanência na Alemanha, podemos citar Alexander Striemer, Victor Rubin, Jacob Steinhardt, Efraim Lilien, Herman Struck, Lesser Ury e Ludwig Meidner, todos artistas ou aficionados. Também os pintores não judeus Alexander Neroslow, Otto Dix (importante pintor alemão antibelicista), Lionel Feininger e, particularmente, Vassily Kandinski, com quem se correspondeu (em russo), até 1939.

Segall pretendia seguir carreira como pintor europeu, mas continuou pintando e gravando temas judaicos. Enfrentou o período extremamente turbulento na Alemanha pós-1ª Guerra: nacionalismos exacerbados; assassinatos de Rosa Luxemburg e Walter Rathenau; pogrom no bairro em Berlim ocupado por imigrantes judeus da Europa Oriental; Nazismo; putsch da cervejaria; inflação galopante. Uma das irmãs de Lasar, Luba, casara-se com Salomão Klabin, em São Paulo. Foi graças a ela que portas cerradas da ainda provinciana capital se abriram. Emigra com Margarete em novembro de 1923. Suas telas estavam na bagagem, o que possibilitou uma exposição em São Paulo já em fevereiro/março de 1924.

O líder do grupo Klabin, Maurício, morrera em 1923. Desfaz-se o enlace de Lasar e Margarete. Novo casamento com Jenny Klabin, em 1925. Exposição no Rio. Viagens à Europa com novos quadros e nascimento dos filhos. Segall torna-se um pintor ligado ao movimento modernista brasileiro. Mas nunca deixará de ter contato com o judaísmo. Surgem duas obras de vulto: Pogrom (1937) e Navio de Emigrantes (1940), este com longa gestação de 15 anos. Colabora como ilustrador com autores como Elias Lipiner e, mais tarde, Shmerke Katcherguinski.Também com diretores teatrais como Zygmunt Turkow.

Marc Chagall e Lasar Segall se conheciam?

Conheceram-se em Paris, em 1928, mas seus destinos tomaram rumos bem diversos. Sempre expuseram individualmente, mas, com a irônica mão do destino, os dois figuravam na exposição da Entartete Kunst, arte degenerada, que o governo nazista expôs em 1937, em Munique e em outras cidades alemãs, para denegri-los, mas que hoje só repercute em favor de ambos.

Um dos primeiros artigos da imprensa iídiche a ser traduzido para o português foi “Existe uma arte judaica?”, escrito pelo próprio Segall. Este texto, ainda hoje em dia polêmico, talvez fosse apenas resposta ao aparecimento de grande número de obras menores, artesanais, com intuito mercadológico, que não tinham nada a ver com artistas do seu porte.

Entretanto pode ter havido uma motivação mais profunda, pois não se dissocia da época em que foi escrito, num momento crucial da vida dos judeus e da sua própria, levando-os a hesitações e dúvidas. Segall expõe a mesma perplexidade que muitos já tiveram, inclusive na Literatura e na Música, com relação à capacidade de um povo sem território, perseguido, muito autocrítico, com apenas um século de participação no mundo artístico, de encontrar uma expressão própria, inconfundível. Ele mesmo estava imerso nos sofridos Pogrom e Navio de Emigrantes. Testemunhara as garras do antissemitismo chegarem ao Brasil, impossibilitando-o de integração plena com o ambiente artístico que ele ajudara a criar. Seria apenas um desabafo? O assunto não encontra eco em mais nenhuma manifestação posterior do artista. Mas Segall não deixa terminar sua peroração sem um facho de esperança, vislumbrando a “contribuição ímpar dos judeus no campo da arte”.

Reagindo às perseguições, ao Holocausto?

Cada um à sua maneira, mas sem deixar dúvidas quanto a seus profundos envolvimentos. Chagall estava em Nova York, sofrendo ali, em 1944, a perda da sua querida Bella. Mas pintou a tocante tela O rei David e sua harpa. Segall, por sua vez, em São Paulo, realiza Visões da Guerra e Campo de Concentração.

A plêiade de artistas judeus da mesma geração, que teve muitos pontos em comum, viu seu universo tragicamente submergir no Holocausto. Grande parte deles, proveniente de vários pontos da Europa, residia na França. Foram atraídos pelos movimentos artísticos de Paris e pereceram quando da invasão da França e o estabelecimento do governo de Vichy que colaborava com os nazistas. Segall radicara-se definitivamente no Brasil muito antes. Chagall e sua esposa só foram salvos, em cima da hora, em 1941, embarcando para os EUA. Chagall voltou só, em 1948,à Paris.Veja-se como ele escreveu em 1950, com emoção e poesia, a introdução da obra pungente Nossos Artistas Mártires (Unzere Farpainikte Kinstler) de Hersh Fenster:

“(...) Eu vejo o fogo, a fumaça, o gás subindo ao azul do céu e tornando-o negro. Vejo os cabelos e dentes arrancados; esta visão me esmaga contra minha raivosa paleta. Permaneço no deserto diante das pilhas de sapatos, roupas, cinzas, detritos e murmuro o Kadish. Então desce das minhas telas o Rei David com a harpa nas mãos, para me ajudar a chorar e recitar alguns dos Salmos (...)”.

Em 1964, Chagall recebeu, inesperadamente, talvez o seu maior prêmio, a consagração de O Violinista no Telhado. Chagall havia pintado um quadro em 1911, (vide quadro O Violinista) que 50 anos depois se transformaria no título e símbolo do musical e filme de sucesso, baseado na obra Tévie, o Leiteiro, de Scholem Aleichem, retrato do judaísmo nas cidadezinhas da Europa Oriental.

Os artistas e Israel

Lasar Segall, embora não fosse um sionista engajado (e não o era em nenhuma outra tendência política), queria conhecer Israel. Já tinha programado esta visita para 1952, depois de transportados seus quadros para Paris, onde faria uma exposição. Com novo traslado para Israel, mais curto, ali poderia expor seus trabalhos.

“Ele mesmo concordava que deveria aprofundar seus conhecimentos sobre a vida judaica, pois fora muito jovem estudar na Alemanha e ali permanecera até a idade adulta. Em Israel poderia, sobremaneira, enriquecer a sua inspiração”. Infelizmente, ele que esteve em tantos países, não conheceu Israel, pois a exposição programada para Paris, acabou não se realizando. Mas a de Israel aconteceu, postumamente, um ano após o seu falecimento, graças aos esforços de D. Jenny, com patrocínio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Quanto a Chagall, esteve várias vezes em Israel, onde era sobejamente conhecido.

Terminamos este breve passeio com uma poesia de Chagall, em tradução livre, publicada no início dos anos 1950, no Di Goldene Keit (A Corrente de Ouro), revista literária editada em Israel entre as décadas de 1950 e 1990, sob direção do poeta Abraham Sutskever (1913-2010), partisan e combatente do gueto de Vilna (a Vilna de Segall!):

 

Somente nesta terra que me pertence,

Adentrarei seu portal,

Levando comigo, minha alma,

Meus valores e crenças.

Quando meus pés cansados pisarem a areia macia,

Conduzirei pelas mãos, a minha noiva,

Para que a vejam, linda, santificada no céu.

Poderei cochilar e sonhar com ela, pois,

 

Somente nesta terra que me pertence,

Sentindo meu desalento e solidão, ela me fará

Cair num sono profundo, e me cobrirá ternamente,

Com uma lápide envolta em flores perfumadas.

 

1   “Segall” éum sobrenome Levita, acrônimo de Segan Levi, que significa “Levita Adjunto”.

2    A letra shin quando leva o pontinho em cima, como no caso de Segal, tem som de S, o mesmo som da letra samech, mas é uma variação da letra shin.

3   Halachá é o conjunto de leis judaicas. Agadá é o conjunto de textos na literatura talmúdica e rabínica que ilustram e interpretam a Torá. Cabalá é o misticismo judaico.

BIBLIOGRAFIA

Querido e Fiel Lasar (traduções de cartas recebidas em iídiche: parentes, instituições e personalidades), Nachman Falbel e Vera d’Horta - Museu Lasar Segall, SP. 2019.

Segall visto pela Imprensa Íídiche do Brasil, (a ser lançado brevemente pelo MLS, SP). Traduções realizadas pelo grupo de voluntários do iídiche do CDM-MJ - direção geral de Nachman Falbel.

Chagall en Russie - en provenance des musées et collections privées en URSS, Fondation Pierre Gianadda - Martigny, Suisse, 1991.

Bibliografia na íntegra disponível no site www.morasha.com.br

 

Abrahão Gitelman é engenheiro civil. Durante muitos anos, pertenceu aos quadros diretivos do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro. Atualmente é voluntário do Centro de Memória do Museu Judaico.