Todas as listas, a propósito de quaisquer assuntos, nas quais se pretenda apontar os dez melhores de algum setor, são passíveis de contestações. É simplesmente impossível obter unanimidade ou consenso. O mesmo se aplica a esta lista, destinada a apontar os dez melhores filmes com temática judaica, realizados desde o advento do cinema falado.

A seleção aqui apresentada não corresponde necessariamente ao meu gosto pessoal. Elaborei uma longa lista com filmes de contexto judaico e preocupei-me em destacar aqueles que transcenderam, foram importantes por diferentes motivos na época de suas realizações e, desde então, vêm tocando a mente e o coração das pessoas.

Neste sentido, um filme emblemático é "O Grande Ditador " (The Great Dictator), de Charles Chaplin, que, a rigor, só tem como referência judaica a circunstância dos protagonistas serem judeus. Entretanto, Chaplin foi o primeiro grande produtor cinematográfico a denunciar com as armas do humor, antes ainda do início da Segunda Guerra, a perseguição aos judeus na Alemanha nazista e a ameaça que Hitler representava para o mundo.

No tocante à luta pela criação do Estado de Israel, há três filmes com conteúdo significativo: "Adaga no Deserto" (Sword in the Desert), "O Malabarista" (The Juggler) e À Sombra de um Gigante (Cast a Giant Shadow). Os três juntos, porém, não chegam a alcançar a dimensão de "Exodus". O primeiro, que aborda a imigração ilegal para a antiga Palestina, é pioneiro em matéria de endosso de Hollywood à causa sionista, tendo sido lançado em 1949, apenas um ano depois da independência israelense. O segundo, de 1953, filmado em Israel mesmo, conta a história de um refugiado do Holocausto, vivido por Kirk Douglas, que não consegue se adaptar às novas e precárias condições de vida do estado judeu. O terceiro, de 1966, conta a história verdadeira do coronel do exército americano, David Marcus (novamente Kirk Douglas), que lutou como voluntário na Guerra de Independência de Israel e foi um dos principais responsáveis pela vitória na batalha pela abertura da chamada "Burma Road", que rompeu o cerco imposto pelos jordanianos à cidade de Jerusalém. O coronel Marcus foi morto, por acidente, por um sentinela judeu quando, à noite, não soube responder em hebraico a uma senha que lhe estava sendo pedida.

Além da lista dos dez mais, vale destacar as inúmeras e divertidas menções judaicas existentes nos filmes de Woody Allen (principalmente uma cena antológica em Broadway, Danny Rose que mostra velhos atores e empresários judeus reunidos na mesa de uma delicatessen). O universo chassídico revelado em "O Eleito" (The Chosen). Os índios que falam ídiche em "Banzé no Oeste" (Blazing Saddles), de Mel Brooks. A pungente Madame Rosa interpretada por Simone Signoret. A imponência de Charlton Heston como Moisés, em "Os Dez Mandamentos" (The Ten Commandments). A ingenuidade política dos aristocratas judeus italianos em "O Jardim dos Finzi-Contini". A adaptação para o cinema de Focus , o único romance de Arthur Miller, no qual o principal personagem é humilhado e perseguido por ter a aparência de judeu, embora não fosse. A impetuosidade do personagem Duddy Kravitz, vivido por Richard Dreyfus, na transposição para a tela de um romance do canadense Mordecai Ricler. O belo trabalho de Rod Steiger em "O Homem do Prego" (The Pawnbroker), dirigido pelo judeu Sidney Lumet, o primeiro filme americano de ficção a encenar os horrores de um campo de concentração. A luta pela sobrevivência e o comportamento contraditório de um jovem judeu, durante o Holocausto, no filme alemão Europa, Europa. A excepcional atuação de Zero Mostel em "Testa de Ferro por Acaso" (The Front), filme sobre a época do macartismo, que perseguiu atores, diretores, roteiristas e outros profissionais do cinema e do teatro americano, resultando numa lista negra de supostos comunistas, a maioria judeus. O próprio Mostel, aliás, esteve nessa lista e, quando foi chamado para depor perante o comitê do senado americano, perguntaram-lhe para qual estúdio trabalhava e ele respondeu: "19th Century Fox".

Com referência ao processo Dreyfus, que denuncia o anti-semitismo na França já no século 19, há dois filmes expressivos: "Eu Acuso!" (The Life of Emile Zola), de 1937, com Paul Muni, ator consagrado no teatro ídiche de Nova York, no papel central, e "A Ilha do Diabo" (I Accuse), de 1958, com José Ferrer. Ainda em matéria de anti-semitismo, é muito importante o filme "O Homem de Kiev" (The Fixer), de 1968, baseado num romance do americano Bernard Malamud, que narra a história espantosa e verdadeira do judeu Mendel Beiliss, acusado, em 1912, de assassinar uma criança cristã para extrair seu sangue para um ritual secreto. Beiliss foi absolvido e alguns historiadores associam este fato ao início da derrocada do czarismo na Rússia.

Ficou fora da lista a excelente minissérie "Holocausto" (Holocaust), por se tratar de uma produção para a televisão (475 minutos de duração), que foi exibida dublada no Brasil, prejudicando a avaliação da qualidade de interpretação de um elenco de peso. A mesma questão da dublagem se aplica a outras boas realizações para a televisão como Rebelião em "Sobibor" (Revolt in Sobibor), "A Casa da Rua Garibaldi" (The House on Garibaldi Street), que conta a captura do criminoso de guerra Adolf Eichmann, em Buenos Aires, a minissérie com 880 minutos "Os Ventos da Guerra" (The Winds of War), que contém um dramático segmento sobre o campo de concentração de Theresienstadt, "A Amarga Sinfonia de Auschwitz" (Playing for Time), roteiro de Arthur Miller, e "Vidros Quebrados" (Broken Glass), também de Miller (ainda não exibido no Brasil e, se for, que não seja dublado), cuja ação gira em torno da infame "Noite dos Cristais". Feitas essas ressalvas, a par de muitas outras que decerto ficaram faltando, segue a lista dos dez mais, em ordem alfabética, para que a colocação não signifique prevalência.

Adeus, Meninos

O diretor Louis Malle assistiu, quando criança, a um episódio dramático ocorrido em sua escola primária: a Gestapo prendeu um padre católico e três meninos judeus por ele acobertados. Foi esta a gênese de seu filme, de 1987, que retrata o drama vivido pelos judeus durante a ocupação nazista da França. De certa maneira, há no filme uma conotação autobiográfica na medida em que Malle imagina como teria sido sua amizade com um daqueles colegas judeus que viria a ser deportado para Auschwitz. Antes, ele já havia dirigido o filme Lacombe Lucien, a história de um colaboracionista francês com uma jovem judia. Em ambas realizações, Louis Malle parte do particular para o geral, ou seja, transforma um drama de consciência individual em vergonha nacional.

Em "Adeus, Meninos" (Au Revoir, les Enfants) tudo é visto através da inocência da infância, uma condição que vai sendo perdida enquanto se avoluma a tragédia da guerra. Essa inocência pode ser resumida no diálogo de uma cena, quando um menino não-judeu pergunta ao irmão mais velho de que os judeus estão sendo acusados e este responde: "De serem mais inteligentes do que nós e de terem crucificado Jesus".

A Lista de Schindler

Além deste filme ser baseado numa história rigorosamente verdadeira, Schindler's List é do ponto de vista artístico o melhor filme até hoje realizado sobre o Holocausto. A par das cenas de atrocidades e assassinatos cometidos pelos nazistas, a sabedoria do diretor Steven Spielberg foi limitar-se a descrever a trajetória de Oskar Schindler (Liam Neeson), sem aprofundar-se em sua alma ou motivações.

Schindler, na vida real, era um industrial alemão corrupto, devasso, trapaceiro, jogador viciado, aproveitador da guerra e membro do partido nazista. As circunstâncias levaram-no a ser o proprietário de uma metalúrgica na Cracóvia onde empregou mais de mil prisioneiros judeus. Ganhou muito dinheiro com esse trabalho escravo e acabou renunciando a tudo para salvá-los de um campo de extermínio, através da elaboração de uma lista apresentada às autoridades nazistas com o argumento de que se tratava de gente indispensável para o funcionamento da fábrica.

A propósito dele, conforme assinala a estudiosa americana Kathryn Bernheimer, vale dizer que os canalhas sempre se transformam nos melhores heróis porque suas mais nobres ações são tão inesperadas quanto inexplicáveis. Durante todo o filme, Schindler aparece como um personagem ambíguo, embora suas atitudes não sejam, e ele chega ao ponto de mandar fabricar peças defeituosas de artilharia para sabotar o exército alemão. O filme, de 1993, é baseado no relato de Leopold Page, integrante da lista de Schindler, ao escritor Thomas Keneally. O diretor Steven Spielberg havia adquirido os direitos do livro onze anos antes, mas não se julgava emocionalmente preparado para a tarefa de transpô-lo para o cinema. Quando, por fim, aos 45 anos de idade e redescobrindo o judaísmo, conforme ele mesmo revelou, decidiu enfrentar o desafio. Partiu de um orçamento de 23 milhões de dólares, envolvendo mais de cem atores, 30 mil extras, 210 técnicos e 148 cenários, em 35 locações diferentes, no leste da Europa. Filmou em preto e branco para adensar o drama e só cedeu à cor num final emocionante, quando parte dos sobreviventes da lista e seus descendentes (são cerca de seis mil, hoje, em todo o mundo) se reúnem num cemitério em Israel e prestam homenagem ao indecifrável Oskar Schindler, junto a seu túmulo.

A Luz É Para Todos

Na década de 40, embora os maiores estúdios de Hollywood pertencessem a judeus, estes se colocavam à margem de qualquer tema referente a eles ou ao judaísmo, por conta do enorme esforço que faziam para erradicar sua imagem de imigrantes e serem aceitos pela sociedade americana. Entretanto, depois da guerra, as primeiras informações referentes ao Holocausto começaram a mudar seu comportamento, mas foi Darryl F. Zanuck, de religião metodista, conservador e republicano convicto, diretor de produção da Fox, quem decidiu abordar com inusitada coragem, em 1947, o tema do anti-semitismo existente nos Estados Unidos. O roteiro do filme (Gentleman's Agreement, título original), baseado num romance de Laura Z. Hobson, coube ao judeu Moss Hart e ao não-judeu Elia Kazan, que já despontava como um dos maiores nomes de Hollywood, a direção.

A história e simples: um jornalista cristão (Gregory Peck) é designado para escrever uma reportagem sobre o anti-semitismo e, para sentir de fato o problema, se faz passar por judeu. Nas memórias que escreveu, Kazan diz que o filme poderia ter abordado o tema com mais profundidade, mas o fato é que A Luz é Para Todos mexeu com a consciência das platéias e expôs um "acordo de cavalheiros" (daí o título original) existente na elite americana, através do qual os judeus deveriam ser barrados de seu meio.

Como sempre acontece nessas circunstâncias, grupos judaicos se opuseram à realização do filme, argumentando que falar de anti-semitismo acabaria provocando mais anti-semitismo. A resposta do roteirista foi criar um personagem ridículo, um rico industrial judeu, que sustenta este ponto de vista. O filme contou com a participação do ator John Garfield, que começou no teatro ídiche e cujo nome verdadeiro era Julius Jacob Garfinkel.

Protagonista de expressivas realizações cinematográficas, ele aceitou um papel secundário por julgar o tema do filme da maior importância.

Exodus

A par da maestria do diretor Otto Preminger, da impecável adaptação para o cinema do monumental best-seller de Leon Uris e do excelente elenco liderado por Paul Newman, o filme "Exodus", de 1960, com três horas e meia de duração, teve o mérito de revelar para milhões de espectadores, em todos os continentes, que era imperativa a criação de um estado judeu após a tragédia do Holocausto. E também mostrou ao mundo que o movimento sionista e os pioneiros da Terra Santa haviam criado um tipo até então desconhecido de judeus: fortes, determinados, vitoriosos e dispostos a lutar para atingir seus objetivos, opostos àqueles que, pouco tempo antes, haviam caminhado submissos para as câmaras de gás.

Baseado no episódio verdadeiro do navio de refugiados de nome Exodus, barrado pelos mandatários ao aproximar-se da costa da antiga Palestina, o filme narra os eventos cruciais ocorridos em 1947 que culminaram com a criação do Estado de Israel. Até hoje, nenhuma outra produção do cinema abordou este tema com tanta acuidade, tendo inclusive criado dois importantes personagens inspirados em Menachem Begin (David Opatoshu) e David Ben Gurion (Lee J. Cobb). O primeiro, promovendo atos terroristas contra os ingleses, o segundo, buscando uma solução diplomática para a antiga Palestina. Além disso, o filme também aborda o problema entre árabes e judeus, mostrando que ambos são vítimas de um conflito e animosidade que, em princípio, não desejavam.

O Cantor de Jazz

Antes de tudo, um fator histórico: The Jazz Singer, produzido pela Warner em 1927, foi o primeiro filme falado. Em seguida, outro importante fator sociológico: foi o primeiro filme a revelar o conflito de gerações entre imigrantes judeus nos Estados Unidos, a primeira apegada a seus valores tradicionais, a segunda, de seus filhos, querendo se integrar na sociedade como americanos natos, mas sem perder sua identidade nacional e religiosa.

Inspirada num conto literário depois adaptado para o teatro, com sucesso, a fita conta a história do jovem Jacob Rabinowitz (Al Jolson), filho de um rabino, que muda o nome para Jack Robin e se torna um astro de sucesso na Broadway. Na noite da estréia de um novo espetáculo, que coincide com o Yom Kipur, Jack decide deixar o teatro e ir para a sinagoga ocupar o lugar do pai moribundo, com quem havia cortado relações. As cenas seguintes, configuradas num lacrimoso dramalhão, mostram o rapaz cantando o Kol Nidrei enquanto o pai está morrendo. Na noite seguinte, ele volta para o teatro e arrebata o público cantando My Mammy, a marca registrada do grande Al Jolson, e sendo aplaudido por sua estereotipada "ídiche mame" na platéia.

Em suma, O Cantor do Jazz, uma realização de quintessência judaica, pretendia mostrar que um filho de imigrantes judeus tanto podia ser fiel à sua religião como ser um bom cidadão americano, inclusive tendo uma companheira não-judia. A produção deste filme se deve ao empenho pessoal de um dos quatro irmãos Warner, Harry, que, ao contrário dos demais magnatas de Hollywood, sempre esteve comprometido com o judaísmo e com o sionismo. Mesmo assim, ele teve dúvidas angustiantes quanto ao projeto, julgando que se tratava de um tema étnico demais. Quem o convenceu a seguir em frente foi Darryl F. Zanuck, que antes de ser o dono do estúdio Fox, trabalhava para a Warner. Ele convenceu Harry de que a história entre um filho dividido na sua lealdade e uma mãe amorosa e compreensiva, tinha apelo universal.

O filme estreou em Nova York no dia 6 de outubro de 1927, véspera do Yom Kipur, arrecadou portentosas bilheterias, mas os irmãos Warner não puderam comparecer. Um deles, Sam, tinha morrido um dia antes. O Cantor do Jazz teve suas refilmagens. Uma, em 1953, medíocre. Outra, em 1980, com o cantor Neil Diamond como Jack e na qual Laurence Olivier interpreta o rabino, de forma soberba.

O Diário de Anne Frank

Este filme, de 1959, foi o primeiro de Hollywood a abordar diretamente o Holocausto. A partir do livro da jovem holandesa, também adaptado para o teatro, emocionou e continua comovendo milhões de pessoas em todo o mundo, abrangendo até hoje mais de 30 milhões de exemplares, em 55 idiomas.

O diretor George Stevens tinha uma afinidade especial com o tema porque, na qualidade de documentarista cinematográfico a serviço do exército americano durante a guerra, havia presenciado a libertação do campo de concentração de Dachau, onde captou impressionantes imagens.

Os produtores da Fox passaram meses à procura de uma intérprete para o papel de Anne e acabaram se decidindo por uma novata, Millie Perkins, não-judia, cuja interpretação foi recebida com reservas pela crítica. Em compensação, o ator judeu Joseph Schildkraut, que havia recebido um Oscar por seu trabalho em "Eu Acuso!", quando viveu o capitão Dreyfus, foi aclamado no papel do pai.

O Diário de Anne Frank, realizado em preto e branco, ganhou seis prêmios da Academia, inclusive o de melhor atriz coadjuvante, para a atriz judia Shelley Winters. Mesmo assim, sofreu inúmeras restrições por falta de fidelidade ao Diário, tentando fazer prevalecer um sentimento universal de sofrimento sobre a tragédia específica a que os judeus estavam sendo submetidos, já que o filme não alude aos extermínios nos campos de concentração. De qualquer maneira, O Diário de Anne Frank resultou num filme importante, ao tempo de sua realização, por ter aberto uma porta que permanecia fechada por quase quinze anos.

O Grande Ditador

Os magnatas judeus dos estúdios de Hollywood permaneceram em silêncio quando os judeus começaram a ser perseguidos pelos nazistas, após a ascensão de Hitler ao poder. O primeiro homem de cinema a denunciar o que estava acontecendo na Alemanha foi o não-judeu Charles Chaplin, que muita gente pensava que fosse, mesmo porque ele jamais disse que não era.

Ele começou a filmar The Great Dictator em 1938, um ano antes, portanto, da invasão da Polônia. O projeto arrepiou Hollywood e Chaplin teve que resistir a inúmeras pressões para desistir, inclusive oriundas de grupos extremistas de direita e simpatizantes do nazismo, que lhe faziam ameaças violentas. Foi nesse clima que ele recebeu um representante do presidente Roosevelt, garantindo-lhe proteção pessoal contra quaisquer eventuais boicotes, instando-o a prosseguir com as filmagens.

Com financiamento provido pelo próprio bolso de Chaplin, dois milhões de dólares, uma fortuna na época, o filme conta a história de um soldado judeu que é ferido na Primeira Guerra, passa a sofrer de amnésia e, anos depois, retorna à sua profissão de origem numa barbearia, sem saber que a imaginária Tomania estava sendo governada por um louco chamado Hynkel. Acontece que o barbeiro é sósia do ditador e daí decorrem todas as cômicas confusões do filme. Chaplin não poupa Hitler numa cena extraordinária em que este brinca com um globo terrestre, sentindo-se o dono do mundo, nem figuras patéticas como Herring (Goering), Garbitsh (Goebbels) e Napaloni (Mussolini).

Em sua autobiografia, Charles Chaplin escreveu que se ele pudesse ter imaginado que o nazismo viria a atingir tamanho grau de crueldade homicida, não teria feito uma sátira sobre Hitler, mas o teria atacado de forma frontal. O final do filme é condizente com o tempo em que foi realizado. Num grande comício, igual aos promovidos por Hitler, o barbeiro judeu acaba assumindo o lugar do ditador e faz um discurso pacifista, um tanto melodramático, bem ao estilo de Chaplin.

Entretanto, assim como o mundo ignorava para onde caminhava, os personagens do filme também não têm um final conclusivo, restando apenas a imagem da amada do barbeiro, a atriz judia Paulette Goddard, chegando a uma terra onde poderia viver em paz.

Shoah

Realizado pelo jornalista e cineasta francês Claude Lanzmann, em 1985, com oito horas e meia de duração, este é o documentário definitivo sobre o Holocausto. O diretor não se preocupou em mostrar a evolução do anti-semitismo na Alemanha, não mostrou em que circunstâncias se deram sobrevivências ou aconteceram rebeliões, como a no campo de concentração de Sobibor, nem incluiu imagens de arquivo. Seu único foco é a chamada "Solução Final", o meticuloso plano elaborado e executado pelo nazismo para erradicar os judeus da Europa.

O filme contém depoimentos de judeus que sobreviveram aos campos de extermínio, de pessoas, sobretudo poloneses, que moravam nas proximidades dos campos, sabiam o que estava acontecendo, ouviam os gritos das vítimas, e permaneceram indiferentes a tudo e, surpreendentemente, de oficiais da SS que serviram nos campos e concordaram em falar perante a câmera, enquanto outros foram filmados com uma câmera oculta enquanto falavam com o entrevistador.

Nesse documentário sobre a Shoah, palavra que passou a ser sinônimo do Holocausto e que em hebraico significa aniquilação, Claude Lanzmann jamais indaga porque o genocídio aconteceu, mas tenta desvendar como aconteceu e revela como seis milhões de judeus foram deixados à própria e trágica sorte por toda humanidade.

As oito horas e meia de Shoah são o resultado de um material bruto de 350 horas, após um trabalho de pesquisa que consumiu onze anos. Lanzmann se dedica aos menores detalhes do processo de aniquilação: como, quando e onde os crimes ocorreram. Ele começa com as deportações, as peculiaridades dos transportes nos trens, o confisco dos bens, as câmaras de gás, os crematórios e as disposições dos restos mortais.

É curioso assinalar que enquanto os americanos trataram do Holocausto em obras de ficção, os franceses se especializaram em excelentes documentários como Nuit et Bruillard, de Alain Resnais, Le Chagrin et la Piété e Hotel Terminus, ambos de Marcel Ophuls, e Les Armes de l'Esprit, de Pierre Sauvage, que conta como a minúscula cidade de Chambon, com cinco mil habitantes, escondeu cinco mil judeus durante a invasão nazista.

Um Violinista no Telhado

O personagem central de Fiddler on the Roof, Tevye (Topol), filme de 1971, é mais do que um judeu: ele encarna o próprio povo judeu. Seu relacionamento com o Criador se faz de forma direta e franca num pacto de mútua confiança. As vicissitudes e indagações com as quais Tevye se defronta são universalmente judaicas. Até que ponto os judeus conseguem resistir? Como conciliar as tradições com um mundo em constantes transformações? Quais são os laços mais fortes, aqueles que nos unem à família ou os que nos remetem ao Criador? Onde começa a condescendência e onde termina a acomodação?

O filme retrata, de forma admirável, como era o cotidiano nas pequenas aldeias (shtetl), na Europa central, no início do século, nas quais a maioria dos habitantes era de judeus e onde sua riqueza espiritual contrastava com a pobreza de suas existências. Tudo isso foi encenado com músicas e concepções coreográficas de excepcional inspiração, atingindo seu ponto culminante com a canção "Se eu fosse rico", cuja interpretação pelo ator Zero Mostel, criador do papel de Tevye, foi considerada como o maior momento do teatro musical americano no século XX.

Além do sucesso no cinema, "Um Violinista no Telhado", concebido a partir de um conto do escritor ídiche Sholem Aleichem, teve excepcional carreira na Broadway. Estreou em 1964 e saiu de cartaz em 1971, com um total de 3.242 representações e mais de 20 milhões de dólares de arrecadação na bilheteria. Além dessa montagem, muitas outras se sucederam, inclusive em dezesseis idiomas diferentes, em 32 países. Há um destaque especial para a remontagem de 1994, quando foi celebrado o trigésimo aniversário da produção, tendo Topol no principal papel, numa excursão que percorreu de costa a costa os Estados Unidos.

Yentl

Assim como "Um Violinista no Telhado", "Yentl ", produzido, dirigido e protagonizado por Barbra Streisand, também corresponde a uma visão cândida, ingênua e apaixonada da vida judaica na shtetl. O filme se baseia num conto do escritor Isaac Bashevis Singer, detentor do Prêmio Nobel de Literatura, e conta a história de uma jovem que, devotada à religião e seus ritos, se faz passar por rapaz, caso contrário não poderia freqüentar a yeshivá, a escola voltada para os estudos da Torá e do Talmud.

O filme tem, ainda, a particularidade de ser o único que conta com uma mulher no papel central; uma mulher que, a rigor, é amorosamente feminina ao mesmo tempo em que é feminista por intuição. Barbra Streisand conta que foi longo o caminho que percorreu até chegar à realização de Yentl e até reincorporar o judaísmo em sua vida. O ponto inicial foi o bar mitzvá de seu filho Jason (com o ator Elliot Gould), em 1980.

Em seguida, a artista dedicou-se a profundas pesquisas sobre este assunto e declarou numa entrevista que o filme seria uma homenagem ao pai, que não chegou a conhecer e a quem dedica a mais bela canção do filme, "Papai, você pode me ouvir?". Na verdade, Yentl não alcançou a repercussão que Streisand esperava, tanto do ponto de vista artístico como financeiro. Muitos críticos julgaram que o conflito interno da personagem não chegou a ser bem explicitado na tela e o próprio Bashevis Singer torceu o nariz, dizendo que "Barbra Streisand está sempre presente, enquanto a pobre Yentl está ausente".

Mesmo assim, juntando forma e conteúdo, "Yentl " se afirma como um dos mais importantes filmes de temática judaica na história do cinema.

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista