Um dos maiores violinistas do mundo transmitiu sua experiência musical de toda uma vida à uma nova geração, em Jerusalém.


No dia 25 de setembro de 2001 faleceu ,em Nova York, aos 81 anos de idade Isaac Stern .Um dos maiores violinistas do século XX Stern nasceu em uma pequena cidade da Rússia mas vivia desde os dez meses nos Estados Unidos. Com mais de cem títulos gravados, foi um músico de repertório clássico e contemporâneo e um eterno incentivador de novos talentos. Realizou várias gravações e, desde 1948, excursionou pelo mundo todo. Sua viagem à República Popular da China foi documentada no filme De Mao a Mozart — Isaac Stern na China, que ganhou um Oscar, em 1982.

Mas apesar de sua agenda cheia e de seus inúmeros compromissos em todo o mundo, Stern dedicava quatro semanas por ano a ministrar um curso especial para jovens músicos judeus, em Jerusalém.

Local: uma sala de concertos em Jerusalém.
Personagens: dois violinistas e uma pianista

Cena 1 - Isaac Stern está sentado, silenciosamente, em um lado do palco de um auditório, semi-envolvido pela escuridão, enquanto ouve duas jovens executarem a Sonata nº 6 para violino, de Beethoven - uma no piano e a outra no violino. Ocasionalmente, interrompe-as, dando-lhes instruções ou apenas dizendo: “Eu não posso lhe dizer como...”. Apesar de ambas tocarem bem, Stern parece insatisfeito.

Cena 2 - Stern levanta-se, pega o seu violino e, ainda de costas, começa a tocar. Em seguida, vira-se, encara as duas jovens e, lentamente, anda à sua volta, aproximando-se cada vez mais, tocando com uma intensidade crescente. O reflexo da luz brilha sobre seus cabelos, a tensão que dele emana é enorme e seu modo de tocar, insuportavelmente belo.

Cena 3 - De repente, Stern pára e pede desculpas: “Eu não tocava esta partitura havia vinte anos”. Ri...e as estudantes também.

Situações como esta eram muito comuns na vida de jovens músicos que tinham a oportunidade de participar dos cursos ministrados por Isaac Stern uma vez por ano, em Jerusalém. Considerado um dos maiores violinistas deste século, era também chamado de embaixador musical dos Estados Unidos. Em mais de 50 anos de carreira, apresentou-se nos mais prestigiados auditórios do mundo, não se limitando, no entanto, a ser apenas mais um grande artista preocupado com o próprio sucesso. Estimular jovens músicos, apoiando-os no início da carreira e obter o reconhecimento da arte nacional e internacional eram objetivos que sempre o acompanharam.

Sua vida

Nascido em Kreminiecz, na Rússia, em 1920, Stern chegou aos Estados Unidos aos dez meses, com os pais, fugindo da Revolução Russa. Vivendo em São Francisco, começou a tocar violino aos 8 anos, fazendo o seu primeiro recital aos 13, passando então a estudar com Naomi Binder, um dos grandes maestros da cidade. Em relação ao seu amor pelo violino, Stern costuma dizer: “Eu não o escolhi. Foi ele que me escolheu”.

Três anos após iniciar os estudos com Binder, fez sua primeira apresentação com a Orquestra Sinfônica de São Francisco, transmitida por todo o país. Era o ano de 1936 e, segundo a crítica, “foi uma performance perfeita de um concerto para violino de Brahms.

Em 1937, aos 17 anos, Stern fez um recital no New York Town’s Hall, ao qual seguiram-se seis anos de apresentações contínuas. Em 1943, aos 22 anos, fez a sua entrada triunfal no Carnegie Hall. Stern era, então, sinônimo de solista proeminente, atuando em orquestras dentro e fora dos Estados Unidos.

Como presidente do Carnegie Hall por mais de 30 anos, patrocinou inúmeros artistas principiantes. Teve, ainda, uma atuação fundamental em 1960, evitando a destruição deste auditório e, em sua restauração, em 1986. Aclamado internacionalmente por suas interpretações de repertórios clássicos, Stern era um admirador confesso da música contemporânea, tendo lançado e gravado trabalhos para violinos de vários compositores do século 20, incluindo Bernstein, Penderecki, Rochberg, Schumann, Dutilleux e Maxwell Davies. Gravou, também, as primeiras composições americanas de Bartok e Hindemith.

Além de ter conquistado fama pelas suas apresentações nos palcos dos grandes auditórios de todo o mundo, Stern fez sucesso no cinema e na televisão. O filme “De Mao para Mozart: Isaac Stern na China” ganhou o Oscar de melhor documentário longa-metragem em 1981, recebendo, também, a menção especial no Festival de Cannes.

Artista conceituado, manteve-se sempre ligado aos seus princípios religiosos. Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, apresentou-se com a Filarmônica de Israel, sob regência do maestro Leonard Bernstein, no topo do Monte Scopus, em Jerusalém. O concerto, que não foi interrompido sequer pelas sirenas que anunciavam os ataques aéreos, foi mais tarde transformado no documentário “A Journey to Jerusalem”.

Foi o autor da trilha musical do filme “Violinista no Telhado”. Sua biografia, o musical “Isaac Stern, uma vida”, foi lançada em vídeo pela coleção “Clássicos da Sony”. Com mais de cem títulos com sua assinatura, Stern é um dos músicos mais gravados da atualidade. Já foi homenageado pela CBS com o título “Artista Laureado”, sendo o primeiro a receber tal prêmio na história da empresa.

Dentre suas obras estão Quarteto para piano completo de Brahms, com Emanuel Ax, Jaime Laredo e Yo-Yo-Ma, em CD e vídeo. O lançamento recebeu o prêmio de Grammophone de 1991 como “Melhor Gravação do Ano”.

Uma vez por ano, 33 jovens músicos judeus, entre 18 e 30 anos, de todo o mundo, tinham a oportunidade de participar de um curso especial em Israel, com professores consagrados no mundo artístico. Era o Encontro Musical Internacional de Jerusalém, realizado no Centro Musical de Jerusalém, criado pela Fundação Rothschild e presidido por Stern. O curso que tinha a duração de aproximadamente quatro semanas e as aulas eram ministradas por profissionais conceituados, entre eles, os violoncelistas Yo-Yo-Ma e Pamela Frank, os pianistas Emanuel Ax e Yefin Bronfman, além do próprio Stern. Diferentemente dos cursos que duram apenas alguns dias, este era consagrado a apenas um compositor: Beethoven.

Para participar das aulas, os interessados passavam por uma seleção feita através da análise de um vídeo de uma audição. Eram todos músicos que já tocaram em duetos e trios para piano, violino e violencelo. Os estudantes arcavam somente com as despesas de viagem e hospedagem, pois o curso era totalmente financiado pela Fundação Charles Bronfman, CRB e pela Fundação Rothschild.

Quando perguntado sobre porque dá essas aulas em Israel, Stern tornava-se pensativo e dizia : “Eu tenho dado aulas por 20 anos, mas este é o curso mais longo que já ministrei. Nunca estive tanto tempo tão intensamente envolvido”.

Referindo-se as permanente ameaças que pairam sobre Israel, Isaac Stern costumava dizer: “Há um grande sentimento de amor neste país. Eu amo Israel e é melhor ser construtivo do que destrutivo. Este é um pequeno país que possui mais talentos musicais do que países quatro vezes maiores. O seu futuro repousa no talento de seus jovens. Os jovens são a arma secreta de Israel. O meu campo de conhecimento é a música. Portanto, eu tento ajudar, patrocinando inúmeros artistas israelenses e também de outros países”, e acrescenta, brincando, referindo-se aos jovens violinistas que introduziu aos palcos da música através dos anos: “A minha luta foi muito maior porque eu não tinha um Isaac Stern para me ajudar”.

Stern conheceu sua segunda esposa, uma refugiada européia, em Jerusalém, em 1951, casando-se com ela alguns dias depois. Tem dois filhos e uma filha que atua como rabino em New Jersey. Stern definia-se como uma pessoa que se impacientava facilmente com as perguntas dos jornalistas e sempre dizia que a sua biografia já fora reescrita mais de mil vezes.

Preocupa-se com os mínimos detalhes, desde os físicos até os conceitos filosóficos e artísticos..Observá-lo enquanto leciona é sentir a música através da tensão concentrada em seus músculos. “O corpo inteiro toca um instrumento e não apenas os dedos e as mãos”, costuma dizer aos alunos. Era capaz de concentrar-se durante horas sobre uma única nota musical.

Uma cena vai ficar para sempre na mente dos que assistiam a seu curso : sentado em sua cadeira, em meio ao auditório semi-escuro, Stern começava a tocar e deixava-se levar totalmente. “A música possui tanta beleza quanto uma flor recém-aberta. Não a destrua”, dizia a seus alunos o violinista.