A cidade de Kishinev, no sul da Rússia, entrou para a história judaica há cem anos quando um sangrento pogrom, incentivado e provavelmente organizado pelas autoridades russas, foi lançado sobre a população judaica da cidade.

Em abril de 1903, turbas enfurecidas assassinaram brutalmente 45 judeus e feriram outros 700, destruindo centenas de casas e lojas. 
Mulheres e crianças foram vítimas das mais horrendas violências. O nome Kishinev ficou desde então associado a uma indizível selvageria e esse primeiro pogrom do séc. XX mudou o curso da história dos judeus – pois a retomada da violência anti-judaica na Rússia czarista levou milhares deles a emigrar para a Terra de Israel e para os Estados Unidos. 

Os antecedentes 

Na Rússia czarista, o mau tratamento aos judeus era sistêmico. Desde seus primórdios, o regime dos czares encarou os judeus com hostilidade implacável. Enquanto outras autocracias, como a Áustria e mesmo Roma, sempre tiveram atitude ambivalente em relação aos judeus – às vezes, protegendo-os e os usando; em outras, perseguindo-os – os russos sempre trataram os judeus como estrangeiros não aceitos. No final do séc. XIX e início do séc. XX, em todo o território russo o anti-semitismo era uma política oficialmente sancionada pelo governo, algo que não acontecia na Europa central e ocidental e muito menos nos Estados Unidos.

Nesse período o anti-semitismo russo assumiu inúmeras formas, desde a organização de pogroms até a falsificação e a publicação dos famigerados “Protocolos dos Sábios de Sião”. A violência era abertamente instigada pelo governo, que passou a manipular abertamente o sentimento anti-judaico das massas russas com dois objetivos. O primeiro era tentar reduzir a população judaica da forma a mais rápida e drástica possível. O segundo, canalizar a insatisfação popular, especialmente entre os camponeses, alimentando o seu ódio contra os judeus para, assim, controlar uma onda revolucionária muito mais abrangente, que acabaria, em 1917, por destruir o regime czarista. É interessante notar que o termo pogrom, usado praticamente em todas as línguas para definir os ataques a judeus ou a suas propriedades, é uma palavra russa que significa “tempestade“ ou “destruição“.

Durante todo o século XIX, acumulou-se na Rússia uma enorme massa de legislação discriminatória contra os judeus. Somente durante o reinado do czar Alexandre II, quando a Rússia teve um grande progresso econômico, os judeus russos conseguiram ter algumas regalias. Foi uma fase relativamente liberalizada, que terminou abruptamente em 1881, quando Alexandre II foi assassinado por revolucionários. A partir de sua morte, a vida dos judeus na Rússia piorou consideravelmente. 

Ao assumir o poder, o novo czar Alexandre III entregou as rédeas do governo a Pobedonostzev, um reacionário nacionalista, Procurador do Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa. Com sua subida ao poder, suas “idéias“ sobre os judeus russos converteram-se em política ofi-cial do governo. Pobedonostzev arquitetara uma fórmula para se livrar dos milhões de judeus do Império russo: “um terço da população judaica seria expulsa; a outra terça parte morreria exterminada pela fome e a última seria absorvida por força de conversão”.

Sob a proteção de chauvinistas “eslavófilos” – cujo credo centrava-se no conceito da “Santa Madre Rússia” e da “Rússia para os russos”, da igreja Ortodoxa – que deu sua aprovação religiosa – e do governo – que agia nos bastidores – o anti-semitismo tornou-se um movimento bem organizado, “respeitável” e temido por todos. 

Um claro exemplo da política oficial referente aos judeus do Império Russo foram os pogroms de 1881-1882. A onda de violência teve início seis semanas após a morte do czar Alexandre II, por ocasião da Páscoa, no sul da Ucrânia. Os pogroms duraram dois anos, espalhando terror e derramamento de sangue por cerca 150 localidades. Enquanto matavam os judeus e suas propriedades eram saqueadas e destruídas, a polícia e o exército eram mantidos afastados, por vários dias, antes de receber ordens para intervir. Segundo vários historiadores, inclusive Paul Johnson em sua “História dos Judeus”, os pogroms “foram iniciados, acobertados ou organizados pelo Ministro do Interior”. Na época, o governo russo negou qualquer responsabilidade, mas não há dúvida de que se não há “provas” de uma participação direta do governo, houve, no mínimo, sua conivência, haja vista o alastramento rápido e simultâneo dos pogroms por toda a Rússia. Os oficiais do governo cinicamente justificavam-nos afirmando que os pogroms eram “culpa” dos próprios judeus, já que não passavam de “uma explosão de raiva dos camponeses contra a população judaica”.

O choque emocional provocado pelos pogroms de 1881-82 teve várias conseqüências. Entre outras, acelerou a formação do movimento sionista e a fuga de judeus russos para o Ocidente. Calcula-se que entre 1881 e 1918, cerca de 1 milhão e 300 mil judeus deixaram o Império Russo. 

As violentas ocorrências geraram uma onda de protestos públicos internacionais, desencadeada pela França, Inglaterra e Estados Unidos. Mas, apesar de toda essa pressão, em 1882 o governo czarista deu mais um passo contra a população judaica, elaborando uma nova política que perdurou até a Revolução de 1917. O novo conjunto de leis, intitulado as “Leis de Maio”, era extremamente discriminatório e cruel, restringindo ainda mais a liberdade de movimento e de residência de judeus.Tornava extremamente difícil, se não impossível, seu acesso à educação e à atividade econômica. Os judeus russos não podiam comprar terras, ter cargos públicos, ser professores universitários. Pressionada de todos os lados, a grande maioria deles viviam em condições críticas. 

Desde que assumiu o poder, em 1894, até sua queda, em 1918, o czar Nicolau II – conhecido na história judaica como o “czar dos pogroms” – adotou, como seus predecessores, a tão arraigada política de atribuir aos judeus a culpa por todos os males. Usava-os para “distrair” as massas russas da miséria e opressão em que viviam. Em todas as cidades eram distribuídos panfletos e jornais que incitavam à violência, impressos em sua grande maioria nas tipografias do governo. Para se ter uma idéia do nível a que chegou a barbárie, no período de 1903 a 1907, quando a Rússia passava internamente por grande instabilidade política, ocorreram 691 pogroms que deixaram milhares de vítimas. O primeiro deles ocorreu justamente em Kishinev.