Os Jogos Olímpicos de Berlim, de 1936, foram uma das páginas mais vergonhosas do esporte mundial de nossa era.

Em janeiro de 1933, Hitler se torna chanceler da Alemanha e o Partido Nacional-Socialista chega ao poder. Um nacionalismo e autoritarismo exaltados, acrescidos de uma ideologia racista e anti-semita, eram os elementos essenciais da campanha política e da visão de mundo do Führer. Mal chegado ao poder, ele começa a montar um sistema ditatorial e a pôr em prática seu programa anti-semita. O incêndio do prédio do Reichstag, o parlamento alemão, em fevereiro de 1933, logo atribuído aos comunistas, serve de pretexto para que fossem aprovadas leis que o levariam ao poder absoluto.

Passo a passo, os judeus foram despojados de seus direitos individuais e civis. Um ano antes da realização dos Jogos Olímpicos, as Leis de Nüremberg tinham excluído os judeus da sociedade alemã. O esporte não foi uma exceção. Os atletas judeus foram proibidos de freqüentar os clubes em que treinavam. E os que se haviam qualificado nas várias modalidades e treinavam para participar dos jogos de 1936 foram sumariamente dispensados pelos respectivos comitês olímpicos, ainda que seu desempenho fosse excelente. A delegação alemã não queria judeu algum em suas fileiras.

Mas a política repressiva e anti-semita da Alemanha nazista provocou reações na mídia e na opinião pública mundial. Houve uma campanha para mudar a sede dos jogos, mas o Comitê Olímpico Internacional (COI), com o argumento de que o esporte olímpico não deveria sofrer interferência política, manteve Berlim como sede.

Boicote aos jogos

Pressionados pela opinião pública, vários paises ameaçaram boicotar os jogos, entre os quais Estados Unidos, Inglaterra e França. Várias associações atléticas norte-americanas e inglesas condicionaram sua presença nas Olimpíadas de Berlim ao direito dos judeus alemães de treinar e fazer parte da delegação olímpica de seu país.

Mas o esporte mundial não estava unido frente à arbitrariedade nazista. Havia os que concordavam com os nazistas no tocante aos judeus. Apesar de que uma pesquisa de opinião pública, realizada em 1935, mostrara que 43% dos norte-americanos estavam a favor do boicote, o presidente do influente Comitê Olímpico Americano, Avery Brundage, estava determinado a enviar a delegação olímpica de seu país a Berlim. Apesar de serem contundentes as provas da política nazista contra os judeus, Brundage insistia publicamente que os protestos e a idéia do boicote haviam sido orquestrados "por agitadores judeus e comunistas". O escritor Richard D. Mandell em seu livro "A Nazi Olympics" aponta para o fato de Julius Streicher, amigo de Hitler e editor do jornal Der Sturmer, nitidamente anti-semita, ter escrito, na época: "Judeus são judeus. E, no esporte alemão, não há lugar para eles. A Alemanha é a pátria dos alemães, não dos judeus".

Como Mandell observa, Brundage estava deslumbrado pelos nazistas e afirmara, de público, que "O mundo tem muito o que aprender com a Alemanha" e que "...nenhuma outra nação, desde a Grécia antiga, mostrara tamanho interesse nacional no espírito olímpico como o que se vê, hoje, na Alemanha". Convidado a visitar Berlim dois anos antes das Olimpíadas, dera-se por satisfeito quando os alemães lhe asseguraram que 23 atletas judeus seriam convidados a treinar nos centros olímpicos. Brundage não era o único membro do Comitê Olímpico Americano a favorecer os alemães e a desprezar os judeus. O General Charles E. Sherrill disse que "nunca houve na história um atleta judeu de destaque". Frederick Rubien, secretário do Comitê Olímpico Americano, afirmara: "Os alemães não estão discriminando os judeus. Os atletas judeus foram eliminados porque não têm nível para competir". Infelizmente, nem mesmo o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, apesar das Leis de Nüremberg, pronunciou-se sobre o boicote ou sobre a atitude nazista com os atletas judeus alemães.

O Comitê Olímpico Internacional fez de tudo para evitar o boicote. Historiadores concordam que mais dois influentes membros do COI, além de Brundage, eram anti-semitas, Graf Henry, da Bélgica, e J. Sigfried Edstrom, da Suécia. Edstrom afirmara que a campanha na imprensa norte-americana era orquestrada pelos judeus dos EUA e que era "necessária a ação nazista contra os judeus para que a Alemanha continuasse a ser uma nação branca".

Mas a opinião pública norte-americana e inglesa continuava a se manifestar contra a política nazista. Hitler, então, para silenciar a comoção internacional e não tirar o brilho do espetáculo, resolveu dar uma trégua aos atletas judeus. Permitiu que a esgrimista Helen Mayer e o jogador de hóquei, Rudi Ball participassem da delegação alemã. Loura de olhos azuis, Helen, que desde 1932 vivia na Califórnia, era filha de pai judeu e mãe cristã. Segundo o "Livro Completo das Olimpíadas", de autoria de David Wallechinsky, "Os nazistas aceitaram a esgrimista porque, pelo menos, dois de seus avós eram arianos...".

Mayer ganhou medalha de prata. Ao voltar para casa, afirmou ter sido bem tratada pela Alemanha de Hitler e passou a acusar a mídia norte-americana de manter uma postura anti-germânica. A presença de outro elemento em parte judeu, Theodor Lewad, no comitê responsável pela organização dos jogos de Berlim, também foi utilizada para mostrar ao mundo que a mídia estava exagerando quanto as atitudes alemãs. Apesar de Theodor ter sido forçado a se demitir da presidência do Comitê Olímpico em 1934, conseguiu permanecer no cargo do Comitê Internacional até 1937.

Hitler estendeu a trégua "olímpica". Por ordem expressa do Führer, durante os jogos foram retiradas todas as evidências de anti-semitismo, tais como cartazes e folhetos. Joseph Goebbels, ministro da propaganda, ordenou que toda a propaganda anti-judaica fosse removida das ruas de Berlim. Um memorando secreto, transmitido a todas as forças de segurança, em 18 de julho de 1936, advertia: "O desenvolver grandioso e sem incidentes dos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, é da maior importância para a imagem da nova Alemanha aos olhos de nossos convidados estrangeiros". Mas as suásticas e as saudações nazistas estavam por toda parte. Uma edição especial do Der Sturmer para as Olimpíadas exibia uma caricatura com os dizeres "Os judeus são nosso infortúnio". A trégua para os judeus e para o mundo era apenas temporária.

A estratégia de Hitler dera certo; o mundo liberal respirou aliviado, auto-congratulando-se pelo resultado obtido com sua pressão. E, em 1936, os times de todos os países convidados compareceram a Berlim. Foram 49 países, com 4.066 atletas - dos quais, 328 eram mulheres - em 19 modalidades esportivas.

Perante um público de 110 mil pessoas, os nazistas provaram ao mundo sua superioridade tecnológica. Todas as grandes indústrias alemãs colaboraram, visando fazer dos jogos um momento histórico para a glória de Adolf Hitler. O monumental estádio havia sido construído no mesmo local que deveria ter sediado os Jogos de 1916, cancelados em função da 1ª Guerra Mundial. Tudo foi registrado no filme "Olimpya", dirigido pela cineasta alemã Leni Riefensthal, a mando do Führer.

A Olimpíada começou em 1º de agosto, com um desfile de policiais da SS, ao som de bandas marciais e, tendo como pano-de-fundo, gigantescas suásticas. As mesmas que, num futuro bem próximo, seriam o símbolo da morte para milhões de judeus...

Os jogos foram iniciados com a entrada triunfal do Führer no estádio. Entusiasmado, tratou de não perder nenhuma competição importante. A Olimpíada de Berlim obteve grande êxito popular, comprovado pelos mais de três milhões de espectadores que assistiram aos jogos das arquibancadas. O evento também pôde ser acompanhado por meio de uma novidade: a televisão. Mais de 160 mil espectadores assistiram aos grandes momentos das Olimpíadas em salas com televisores espalhados por toda Berlim.

Os atletas alemães, escolhidos de forma que contrariava o espírito olímpico, tinham como objetivo provar ao mundo a superioridade da raça ariana. Apesar de terem dado a Hitler a satisfação de a Alemanha ser o país a receber o maior número de medalhas [86 contra 56 dos Estados Unidos], o Führer foi obrigado a engolir o fato de que quatro das medalhas ganhas pelos Estados Unidos foram para afro-americanos, entre eles o famoso Jesse Owen, e que os atletas judeus que competiam por outros países também ganharam medalhas olímpicas.

Três anos mais tarde, em 1939, as tropas nazistas invadiam a Polônia. Começava a II Guerra Mundial.

Atletas judeus ganhadores de medalhas olímpicas

Além de Helen Mayer, na competição de esgrima com florete, e Balter no time de basquete, havia outros dez atletas judeus agraciados com medalhas, nos jogos de 1936: Gerald Blitz, Bélgica, bronze no pólo aquático; Gyorgy Brody, da Hungria, ouro no pólo aquático; Ibolya K. Csak, da Hungria, ouro no salto em altura; Robert Fein, da Áustria, ouro no halterofilismo, peso-leve; Endre Kabos, da Hungria, ouro no sabre individual e ouro no sabre em equipe; Karoly Karpati, da Hungria, ouro na luta livre, peso-leve; Irving Maretzky, da Canadá, prata no basquete; Miklos Sarkany, da Hungria, ouro no pólo aquático; Ilona Shacherer-Elek, da Hungria, ouro na esgrima individual com florete; e Jadwiga Wajs, da Polônia, prata no arremesso de disco.