Indicam as pesquisas que há uma conexão direta entre o sistema imunológico e o cérebro. Em Israel, muitos pacientes e seus familiares, independentemente de seu grau de religiosidade, estão procurando o auxílio de rabinos.

Com base em sua própria experiência em consultórios e hospitais do país, os médicos não hesitam em afirmar que é cada vez maior o número de pessoas que procuram nos rabinos a chamada “segunda opinião”. Se por um lado não são capazes e nem têm como objetivo receitar remédios e tratamentos, os
rabinos, por outro, procuram reconfortar os pacientes e seus familiares, despertando-lhes a fé em D’us e ajudando-os a enfrentar a situação. Em uma reportagem publicada na edição de 20 de junho de 2001 do The Jerusalem Post Magazine, intitulada “Second Opinion”, vários especialistas das áreas de saúde e religião falaram sobre esta tendência que vem marcando a sociedade israelense nos últimos 15 anos.

“Os rabinos desempenham um papel muito importante, dando apoio moral e psicológico quando alguém está diante de uma situação difícil”, disse a professora Bracha Rager, imunologista e cientista-chefe do Ministério da Saúde de Israel, que se auto-define como uma judia secular. Segundo ela, cuidar da parte psicológica dos pacientes é tão importante quanto da física e ambas estão diretamente relacionadas. Para comprovar suas palavras, a cientista menciona as inúmeras pesquisas que revelam que o estresse emocional pode aumentar os riscos de doenças e infecções que prejudicam a recuperação dos pacientes. “Não há dúvidas de que há uma conexão direta entre o sistema imunológico e o cerébro”.

Deixando de lado suas crenças, os médicos procuram não interferir na maneira como seus pacientes lidam com a questão religiosa. O professor Felix Ulmansky, chefe do Departamento de Neurocirurgia do Hospital Universitário Hadassah, em Ein Kerem, conta que 90% dos seus pacientes – religiosos ou não, profissionais de diferentes segmentos – buscam o auxílio de rabinos nos mais diversos níveis, seja para pedir uma bênção ou um amuleto antes de uma cirurgia, ou até para se aconselhar com seu líder espiritual sobre a escolha do cirurgião. “Tal atitude não é muito coerente com a medicina, mas se as pessoas se sentem mais tranqüilas, então não há problema. Afinal, a experiência tem-nos mostrado que os indivíduos que se sentem mais respaldados emocionalmente têm uma recuperação mais rápida e melhor do que aqueles que estão deprimidos”.

É dentro desse princípio de apoiar e despertar a autoconfiança que atuam os rabinos, explica Yitzhak Barnea, rabino-chefe sefaradita de Ramat Gan. “Os amuletos não são racionais. Não ajudam o corpo, mas sim a alma. Algumas vezes, se a pessoa acredita que vai ter êxito, ela o terá. Cada geração possui tradições diferentes, mas se de alguma maneira estas funcionam, é por causa da crença que se tem”, explica o rabino Barnea. Para ele, um rabino pode e deve transmitir esperança e coragem, principalmente porque a maioria dos indivíduos só procura um líder espiritual quando os médicos não têm a solução para o seu problema. Brincando, diz: “Mesmo se sua fé não é muito profunda, dizem a si mesmos que mal não lhes fará e, afinal, não têm nada a perder”.

Para Menachem Friedman, professor de religião e sociologia da Universidade Bar-Ilan, na verdade, o que as pessoas desejam é sentir-se seguras e nem sempre os médicos podem garantir isso. Segundo ele, a morte é o que as pessoas mais temem na vida. Mas como não se pode, ainda, curar doenças como Aids e câncer – mesmo com todo o desenvolvimento da ciência – as pessoas voltaram-se para os rabinos, ressalta Friedman.

As relações entre religião e doença não se limitam, no entanto, ao apoio psicológico e moral aos pacientes e seus familiares, em momentos difíceis. Baseiam-se, também, em antigas tradições judaicas. Segundo o professor Moshe Akerman, fundador do Instituto Nacional de Judaísmo e Medicina do Estado de Nova York, é amplamente sabido que, desde os tempos bíblicos, as comunidades judaicas usavam talismãs contra as moléstias. Cita como exemplo a maneira como Moisés e o profeta Eliahu efetuavam curas através de preces.

Akerman afirma, ainda, que no Talmud há várias citações sobre amuletos, incluindo debates sobre sua eficácia e se o seu uso não estaria contrariando as leis judaicas. Embora muitos rabinos condenavam esta prática, seu uso era tão difundido que foram criadas leis para regulá-lo.

Muitos textos cabalísticos incluem regulamentos detalhados sobre como preparar e usar amuletos. Entretanto, alguns sábios, como Maimônides, sempre se opuseram ao seu uso.

Até os dias atuais, no entanto, não há consenso entre médicos nem religiosos sobre o poder da fé em casos de doença. Jay Levine, médico e estudioso das relações entre medicina e judaísmo, acredita que o tema deveria ser debatido com mais freqüência e profundidade. Para ele, a oração deve ser considerada a primeira e não a última opção e deve sempre acompanhar o tratamento médico convencional. “Há espaço para a Torá e para a ciência, mas esta não deve limitar-nos a ponto de não conseguirmos ter a fé que a primeira exige. O médico deve ser considerado como a autoridade máxima em todos os aspectos médicos enquanto que a força das preces de um rabino deve ser compreendida em sua real dimensão”.

Para Dorit Nitzan, especialista em cirurgias máxilo-faciais no Hospital Universitário Hadassah, o relacionamento entre pacientes e rabinos pode aumentar ou diminuir a confiança entre as partes. “A cura rápida e segura do paciente é o objetivo mais importante. Se meus pacientes me disserem que precisam escalar o Monte Fiji ou encontrar-se com um rabino para se sentirem tranqüilos e confiantes, tudo bem! Não me cabe julgar ou decidir sobre o que os faz sentir-se melhor. Principalmente em um país como Israel, com uma gama tão diversificada de comunidades com costumes e tradições próprias. Eu quero que mantenham suas tradições e não quero perturbar sua vida”.

Segundo Nitzan, nada disso é preocupante desde que a orientação religiosa não contrarie as prescrições médicas. Muitas vezes, seus pacientes já lhe disseram que queriam todas as informações possíveis sobre o seu caso, para então consultar um rabino. “Eu dou todas as explicações, pois percebo que isto os deixa mais tranqüilos. Talvez porque, alguma vezes, os médicos não pensem muito sobre o aspecto psicológico dos pacientes, enquanto os rabinos o fazem”.

A voz dos pacientes

“Os rabinos não substituem os médicos, mas podem ajudar o doente a recuperar a autoconfiança de uma maneira diferente do que os psicólogos. Se o rabino for um indivíduo realmente sábio, pode penetrar na alma de quem o procura e ajudar esta pessoa a refletir sobre questões como a vida e a morte. Esta é uma situação muito comum entre aqueles que ‘quase morreram’. Ninguém passa incólume por uma experiência destas”, afirma Itai Suissa. Ele foi vítima de um atentado terrorista em Jerusalém Oriental, em outubro do ano passado.

Suissa recebeu cinco tiros. As balas atravessaram o céu de sua boca, destruíram a mandíbula, atingiram um olho e uma alojou-se em seu cérebro. Desde então, ele já foi submetido a mais de uma dúzia de cirurgias; os médicos reconstituíram sua face e conseguiram remover a bala, sem causar danos ao cérebro. Sua família procurou um rabino, que lhe entregou alguns amuletos, disse-lhes para mergulhá-los na água, usando-a para lavar o corpo do rapaz durante sete dias. Quando este deixou o hospital, o rabino pediu-lhe que fosse à sinagoga para recitar a Birkat Hagomel – a reza de agradecimento por ter escapado da morte. E ele fez o que lhe era pedido, mesmo sem ser religioso ou ter o hábito de freqüentar sinagogas.

“Orei para agradecer a D’us por me ter salvo. Foi um sentimento muito bom porque rezava do fundo do meu coração. Eu sentia que o que aconteceu comigo e minha recuperação tinha sido um milagre – e queria agradecer. Percebia que a prece estava me ajudando, não por causa do rabino, mas por causa da minha força interna”, explica Suissa. Ele ainda vai enfrentar algumas cirurgias, mas diz que mudou a maneira de ver a vida.

A linha divisória entre aqueles que buscam apoio psicológico ou religioso junto a rabinos não é muito definida. Os hospitais de Israel estão repletos de histórias de fé nascida ou fortalecida em situações trágicas. A história de Shimon Ohana é uma delas. Aos 21 anos, foi ferido durante o seu primeiro dia de treinamento como polícia de fronteira, quando dirigia seu carro na região entre Guiló e Jerusalém. Uma bala atravessou seu coração. Ohana chegou ao hospital sem pulso e, após os médicos terem conseguido ressuscitá-lo, permaneceu inconsciente durante 18 dias na Unidade de Terapia Intensiva. Ao ver sua mãe sempre chorando pelos corredores do hospital, um médico lhe disse: “Pare de chorar e comece a rezar”. Foi quando ela decidiu procurar um rabino, que lhe deu um rolo de Torá e pediu que fosse colocado próximo à cabeça de Shimon.

Sua recuperação foi parcial; ele ainda faz terapia, tem lapsos de memória, mas está bem o suficiente para jogar futebol. Sua mãe não tem dúvidas de que as preces ajudaram seu filho a se salvar, com o auxílio dos médicos. “Os rabinos e os médicos fizeram todo o trabalho. Ambos foram mandados por D’us”. A família toda se tornou mais religiosa desde que o rapaz foi ferido. “É muito comum as pessoas se aproximarem de D’us após enfrentarem uma grave doença, pois são situações que as levam a pensar sobre seu próprio relacionamento com o Todo Poderoso e a se questionarem”, afirma o rabino Eddie Abramson, professor de Midrash na Sinagoga Yakar, em Jerusalém.